1 ano de volta ao Brasil

por: Lucia Malla Antigos, Brasil, Cotidiano, Mallices

Hoje faz um ano que estou de volta ao Brasil. Decidi esperar tanto tempo para falar sobre isso no blog porque queria que o período de “choque readaptativo” à vida brasileira passasse e eu conseguisse fazer uma avaliação pessoal mais equilibrada, com menos bias.

Não é nada fácil você voltar à sua cultura-mãe. Diferente da maior parte das pessoas com quem já conversei sobre o assunto, eu adoro me sentir estrangeira numa terra estranha, e veio daí a necessidade que me abateu em 1997 de sair do país: eu precisava ver o mundo fora da realidade brasileira. A previsibilidade da cultura em que nasci, cresci e virei adulta estava me sufocando. Eu tinha então 22 anos e com essa idade, era hora de partir pros meus sonhos mais ambiciosos de juventude.

10 anos já se fazem dessa decisão e desde então, minha vida tem sido um eterno ir e vir de choques culturais em diferentes lugares do planeta. Até que no ano passado, depois de quase 3 anos morando na Coréia do Sul, decidimos voltar por um tempo para nossa terrinha-mãe.

Antes mesmo de sair da Coréia, eu já tive que começar minha readaptação ao brazilian way of life, ao lidar com algumas burocracias brasileiras de embaixada até então raras no cotidiano: os documentos para trazer o Catupiry pro Brasil exigiram de mim mais tempo do que eu imaginava. Ao pisar no Brasil de novo, entretanto, é que o verdadeiro período de readaptação se iniciava.

É muito estranho porque eu já vivi a realidade brasileira antes. Sabia de todos os problemas e benevolências de se viver aqui. Mas é muito fácil se habituar a certas rotinas eficientes estrangeiras, e por esse fator, senti-me um pouco “perturbada” em meu próprio país no início.

O quesito que até hoje me choca e que acho o mais difícil de se readaptar a qualquer um que tenha morado fora é a segurança pública. As casas com grades, cercas elétricas, verdadeiras prisões domiciliares. O perigo de chegar tarde em casa. A intranquilidade de ter que andar na rua vigiando a bolsa e a vida. Incomoda muito.

Ainda não me adaptei também à burocracia e à sua consequência direta, o “jeitinho brasileiro”. Pra tudo, em todo lugar, as coisas são muito burocráticas e as pessoas querem um atalho menos complicado. Você tem sempre que ir ao banco pagar uma taxinha, preencher 3 vias de ficha, etc. umas exigências que eu fico ainda me perguntando para quê existem. Quer dizer, eu sei por que existem: num país onde muito se frauda, o justo paga pelo pecador.

Enfrentei burocracias homéricas em duas instâncias:

1) Na chegada da nossa mudança no porto de Santos, onde aprendi que cópia de documento só serve se for autenticada em cartório (para mim a instituição que transforma papel em dinheiro da forma mais inútil possível). A mudança levou 20 dias no trajeto da minha casa em Seul até o porto de Santos, atravessando o Pacífico, e 3 meses de desembaraço pela alfândega brasileira para garantir o trajeto Santos-São Paulo. Ineficiência inacreditável.

2) Para registrar nosso casamento no Brasil. Casei nos EUA, e assim que chegamos ao Brasil, a idéia mais curta e rápida que pensei foi: vamos nos casar aqui. Como sou ingênua. Levou uma simples ida ao cartório para perceber que não podíamos fazer isso porque, de acordo com a lei brasileira, eu seria “bígama”. Do mesmo marido. Tivemos então que iniciar o processo de registro de casamento estrangeiro, que requeria que enviássemos nossos documentos ao consulado de Los Angeles, que basicamente traduziria a certidão americana de forma oficial. No meio do caminho, é claro, a melhor nonsense de todas: precisávamos tirar 2as vias das certidões de nascimento de cada um (processo feito no cartório onde você foi registrado, apenas). A minha eu perdi há milênios, mas a do meu marido existia, estava bem-cuidada e preservada. E não foi aceita. Em que outro lugar do mundo um documento original não é válido porque é “velho demais”? Não são muitos, tenho certeza. A hilariedade nos rendeu boas gargalhadas. Enfim, depois de ter o documento emitido pelo consulado em mãos, o processo final de registro foi super-simples, e o cartório nos enviou pelo correio a certidão de casamento pronta. Do dia em que decidimos nos casar no Brasil até a certidão em nossas mãos: 5 meses.

Em ambas as situações, o fantasma da burocracia rondava. Em outro momento clássico, tive que apresentar fotos 3×4 para um documento. Fiz as mesmas em casa, imprimi em papel fotográfico. Chegando no guichê da repartição, o moço olhou e disse: “Não posso aceitar”. Eu logo imaginei que seria porque eu mesma as tinha feito, talvez a impressão podia não ser das melhores e desapareceria em pouco tempo. Mas o que o mocinho me disse me fez arregalar os olhos e gargalhar sem cerimônia: “Você está sorrindo. A foto tem que ser séria.” Puxa, eu sou uma pessoa tão alegre. Em todos os documentos que tirei no exterior sempre estou sorrindo. A julgar pelo rigor do pedido do moço, entretanto, somos o país da seriedade. Na foto 3×4, pelo menos.

Mas é claro, há o lado bom de estar de volta, e a ele a readaptação é muito fácil. Reaprender o quão barato é comer bem por aqui. Ainda me surpreende que eu vá a feira com 20 reais e volte com muitas bolsas cheias de verduras, legumes e frutas frescas. Chumaços enormes de manjericão a menos de 1 real, enquanto no Havaí comprávamos uma bandeijinha com poucos galhinhos por 5 dólares. (Na Coréia nem existia à venda, só em lojas especiais.)

Rever amigos e parentes é outro fator delicioso. A internet nos aproximou muito apesar da distância, mas ainda acho que um abraço ao vivo é muito diferente. O calor humano. A gargalhada ouvida na plenitude. A convivência e suas espirais. Além do mais, ao voltar pro Brasil, pude também conhecer inúmeras pessoas com quem falava há tempos via blog e orkut. Foi uma maravilha estender o convívio virtual para a vida real. Hoje por exemplo eu não vou a São Paulo sem pelo menos avisar a Pat que estarei por lá, para a gente quem sabe sair e tomar um café. Amiga via blog, que barato.

E, apesar de estar já há um ano no país – período que supus suficiente para uma auto-avaliação readaptada – descobri que ainda me sinto uma estrangeira e que ainda falta muito para uma readaptação completa (se é que algum dia voltarei a ser em plenitude). Talvez pelo tempo que vivi no exterior, talvez porque meu modo de pensar e ver o mundo mudou, e eu não reconheça mais as previsibilidades brasileiras, e elas tenham se tornado intrigantes, como os desafios que passei no exterior. Mas eu gosto de me sentir assim, estrangeira, e enquanto eu o for na terra brasilis, será uma experiência interessante viver por aqui.

Tudo de bom sempre.



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