11 de setembro de 2001

por: Lucia Malla América do Norte, Cotidiano, EUA, Política

Manhã de 11 de setembro de 2001. Eu estava chegando para trabalhar no laboratório – na época, em Boston. Tinha acabado de fazer a tradicional caminhada pela Longwood, ainda sonolenta. O dia estava ensolarado, dos mais bonitos que vi por aquelas bandas. Lembro-me da roupa que vestia com clareza: a mesma blusa amarela que hoje, 5 anos depois, coincidentemente vesti para trabalhar.

Na entrada do prédio, meu ex-chefe falava ao celular, e assim que desligou, me noticiou: “Parece que houve um acidente aéreo em Nova Iorque, um avião bateu numa das torres do World Trade Center”. Comentamos o fato no elevador. Mas nada além de considerar um mero “acidente de aviação”. Lembro de comentar ingenuamente que no próximo fim-de-semana iria a Nova Iorque pela primeira vez, queria visitar as torres. “Tomara que esse acidente não embace meus planos”, pensei.

O início do fim

Em poucos minutos, a notícia de mais um avião se chocando. Desta vez, na outra torre. Iniciou-se o burburinho nas bancadas: pode ser um ataque terrorista. Era terça-feira, o dia mal começara. E eu, com um organograma semanal atolado e pouco flexível de trabalho, tinha muitos experimentos a fazer. Fui para a sala de cultura, área mais isolada, dividir meus pensamentos inócuos com os pratos de células de mesotelioma. Não tinha a menor idéia do que viria pela frente.

Ao sair da sala, meia hora depois do segundo avião bater no WTC, percebi que as pessoas já não tinham o mesmo rosto descontraído do momento em que entrei no laboratório. Parecia que o tempo tinha avançado milênios naquela meia hora em que me desliguei dos outros. E o tempo corria como louco, porque em poucos segundos muita informação cruzada chegava. Eram muitos boatos e preocupações…

John, o técnico do laboratório, normalmente uma pessoa super-calma e imperturbável, estava grudado no telefone. Afinal, seu primo trabalhava no Pentágono, e John queria notícias dele. O outro John, meu pacato companheiro de bancada neozelandês, dava “refresh” incansavelmente na página do NYTimes. Que por sua vez estava com um tráfego tão enorme, que logo colapsou e saiu do ar. A solução de John foi a de quem quer notícias a qualquer custo: ler jornais neozelandeses, australianos, britânicos e afins. Ninguém conseguia ligar para Nova Iorque. Meu outro chefe, que tinha um filho morando em Manhattan, estava abatido e obviamente muito preocupado. Um rádio do laboratório foi ligado no volume máximo na estação de notícias. Todos alertas e chocados, não acreditando no que ouviam.

A constatação do fim de uma era

Depois que as torres colapsaram, o Pentágono foi atingido, e o vôo United 93 caiu na Pensilvânia, o mundo e o tom das pessoas mudou. Se antes pensávamos em acidente, agora era claro que uma ameaça maior existia. Meu ex-chefe, em meio àquela perplexidade toda, veio me dar uma boa notícia. artigo da minha tese de mestrado havia sido aceito para publicação. E registrado nos anais da ciência com a data “10 de setembro de 2001” encravada perto do título.

O último dia da velha ordem mundial era o dia do meu debut na ciência. Que ironia… Confesso: naquele momento, eu estava tão anestesiada pelo que acontecia em Nova Iorque que mal captei a mensagem. Então não comemorei minha primeira publicação científica. Acho que disse ao ex-chefe algo como: “Que bom, mas hoje não é o dia para isso”.

Já era quase hora do almoço. Mas ninguém queria sair de perto do rádio. Fui almoçar com uma amiga e uma sensação estranha no peito, um incômodo. Rumores cresciam de que os prédios mais altos de Boston estavam sendo evacuados por medo de outros ataques. E nós dentro de um prédio alto com tantos perigos ao redor (radioativos, materiais infectados, animais contaminados, etc.).

Medo de bomba no ar. Rádio ligado. Olhos esbugalhados. Burburinhos corriam sobre as cenas chocantes das pessoas se jogando desesperadamente do alto do WTC, mas como eu estava ouvindo as notícias pelo rádio, não conseguia imaginar a dimensão de tudo. Boatos da Al-Qaeda envolvida, 2 dos aviões haviam partido do aeroporto de Boston (Logan), a cidade em alerta máximo, o FBI na rua, e com tudo isso, uma menina que trabalhava conosco cujos parentes moravam na Jordânia, não agüentou e despencou numa crise de choros: “Eles vão matar todos os árabes!” era o que ela clamava.

Coincidências tenebrosas

Coincidentemente, no dia 12/setembro começaria em Washington, DC, o Encontro Anual de Tiróide. Boa parte do laboratório estava de certa forma envolvida nesse evento. A maior parte com passagens aéreas marcadas para o dia seguinte pela manhã. Tivessem os terroristas atrasado um dia e muitos dos meus colegas de trabalho poderiam estar no mesmo corredor do Logan ao lado de suicidas e vítimas possíveis. No dia, pensamos que talvez meus colegas pudessem ser essas vítimas, mas as rotas escolhidas logo trouxeram um “conforto utópico” de que não seriam.

Mas é claro que ninguém estava confortado plenamente. Uma das minhas colegas, aliás, viera do Brasil com a família: emendaria o congresso com férias nos EUA. Ela já estava em Washington no dia 11/setembro. Passou, portanto, por sufoco muito maior, com os filhos pequenos chorando numa cidade sob tensão máxima. Pior: sem poder sair de dentro do hotel. Afinal, eram ordens do FBI para todos os prédios mais movimentados de Washington. Férias sem dúvida alguma frustradas.

Fiz ligeirinho meu experimento do dia, cujo resultado naquela semana foi um fracasso, tive que repetir tudo na semana seguinte. Às 4 da tarde, fomos “liberados” para ir embora. Mas muitos dos meus colegas já tinham ido há tempos. Respondi os emails que chegavam perguntando se eu estava bem. Foram 52 emails durante aquele dia. Fiquei no laboratório ainda até umas 6 da tarde, nem sei por quê. Acho que em estado de choque. Poucos ônibus circulavam, e eu me lembro de estar muito confusa no ponto de ônibus, quando finalmente o “39” apareceu. Ufa. Cheguei em casa, e meus colegas de pensionato já estavam todos lá, em polvorosa.

A noite do 11 de setembro

Pam era uma das minhas roommates, e o pai dela trabalhava fazendo entregas. Todos os dias de manhã, no subsolo do WTC, deixava muitas caixas. Essa era, enfim, a rotina dele. Com os telefones em Nova Iorque e adjacências não funcionando de forma alguma, Pam passara o dia inteiro tentando contactar o pai de alguma forma (celular, companhia onde trabalhava, amigos, etc.). Não conseguira.

Ao ver uma amiga em desespero, meu coração disparou. Será que o pai dela saíra antes do colapso do prédio? Todos da casa tentavam confortá-la da maneira que dava. E sentamos na frente da TV da sala, vendo os jornais e esperando o pronunciamento do presidente. Parecia que até a gatinha da casa, Cleo, entendia o que se passava. Porque não pediu comida nem atenção naquela noite como normalmente fazia quando estávamos assistindo televisão.

Ao ver as cenas do WTC no jornal da noite e ouvir Pam chorando pela casa, parece que finalmente a ficha da tragédia caiu na minha cabeça. Primordialmente, saí do estado meio que anestesiado que estava até então. Após o pronunciamento na TV, tivemos algumas reflexões políticas bem superficiais. E fui (tentar) dormir. Óbvio, não consegui. Voltei pra sala, dessa vez tentando achar um canal que não mostrasse aquele horror. Vi desenho animado, mas meu cérebro não descansava.

Choque

Era 1 da manhã quando Pam finalmente conseguiu falar com o irmão em Chicago, que conversara com o pai minutos antes. O pai acabara de voltar pra casa. Ele estava vivo, e viu, parado num engarrafamento em Nova Jersey, o primeiro avião bater na Torre do World Trade Center. Disse que estava atrasado para o serviço, dormira demais e que ficou perplexo com o até então ainda “acidente”. O engarrafamento só piorou depois disso, impedindo-o de entrar em NY para fazer suas entregas. Ficou preso no trânsito caótico praticamente o dia inteiro, e sem meios de contactar a família para dizer que estava bem. Afinal, nenhum telefone ou email funcionava em NY. Assistiu do outro lado da margem do rio as duas torres colapsarem.

O resto é História.

Tudo de bom sempre.

11 de setembro de 2001 - Estátua da Liberdade - Nova Iorque

  • Nunca havia escrito sobre meu 11/setembro antes. Nunca comentei com amigos e parentes em detalhes como fora. Entretanto, já era hora de relatar e registrar em algum lugar o que pensei naquele dia fatídico. Alguns fatos/eventos provavelmente foram esquecidos. Afinal, já se fazem 5 anos e a memória não é mais a mesma. Uma leitora casual desse blog que estava comigo no dia pode talvez acrescentar mais detalhes perdidos pelo tempo.
  • O dia 12 de setembro de 2001 foi o dia mais mortalmente silencioso que presenciei na vida. Ninguém falava nada. Havia um engasgo na garganta generalizado. Bandeiras a meio-pau. Uma cidade grande e cheia de gente se tornou por alguns dias das mais introspectivas do planeta.
  • Fui a Nova Iorque apenas 6 meses depois.



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