A Tata é uma amiga medrosa (??) e enrolada. Tão enrolada que me entregou anteontem o post que era pro aniversário do blog no início do mês – mas também, né, a Malla aqui, que também tem pós-graduação em auto-enrolação, não deu prazo para entrega dos posts. Porque o que realmente importa é o carinho, a honra que uma amiga me dá ao parar por uns minutos do dia para escrever algo aqui pro blog. E essas coisas não têm data de vencimento.
E sendo a Tata, então, carioquíssima vencedora de tantos prêmios Esso (concorrendo de novo esse ano, by the way), tão ocupada com o jornalismo, os designs e as peraltices do filho Vitor, realmente, é para comemorar que ela tenha dedicado um segundo que seja a bem-traçar umas linhas contando as suas peripécias na primeira viagem ao exterior. É a cara da Tata, aliás. Ela que contudo enfrentou a Chapada Diamantina sem perder o estilo, o batom nem a finesse. Obrigada pela palhinha, Tata! (E nada de amiga medrosa!)
Ser amiga da Lucia é o mais próximo que já cheguei de ter uma vida de aventuras, trilhas exóticas, mergulhos submarinos e viagens ao redor do mundo. Minha querida amiga sempre me inspirou com suas histórias incríveis e corajosas. Graças a ela, alegrei meu filho ao mostrar uma foto sua ao lado de um tubarão de verdade.
Após anos convivendo, ainda que “virtualmente”, e em alguns encontros ao vivo e a cores que tivemos, sempre ficava reflexiva acerca da minha covardia em desbravar novas terras. Ela me inspirava, dentro dos limites possíveis para uma pessoa cheia de fobias de alturas, mares, insetos e outros bichos.
Esse ano, tive a oportunidade de ir a um congresso em Buenos Aires. “Logo ali, posso até treinar meu portunhol”, pensei. Soube que bastava um RG com menos de dez anos de expedição. Viva o Mercosul! Mas comigo nada é tão simples…
Meu RG baiano (sim, porque não me aventurei mundo afora, mas já residi em vários cantos do país) era de 1996 e precisaria tirar outro para poder viajar. Mas quer saber? Por que não tirar logo o passaporte? Quem sabe eu me animo?
E assim eu fiz. Marinheira de primeira viagem total procurei um lambe-lambe “moderno” na Praça da Sé e fiz umas fotos bacanas. Saí de lá toda feliz! Uau! Vou ficar bem na foto para as alfândegas mundo afora. Mas comigo nada é tão simples…
Chego no dia marcado para tirar o passaporte e, ainda na fila de espera, percebi: “É, entrei pelo cano” (aka Mifu). Nada de fotos prontas. Elas precisam ser feitas na hora com um flash desnecessário. Não preciso dizer que nesse dia eu cheguei lá de banho recém-tomado, cara de sono, cabelo despenteado e pálida… Nem batom, nem espelhinho… Poxa, o pessoal da Praça da Sé tem uma infra-estrutura mais bacana, mas paciência. Faltava uma semana pra minha viagem. Sim, eu sou daquelas que não faço hoje o que eu posso fazer amanhã (sem orgulho).
Na véspera da viagem fui lá buscar o passaporte na Receita Federal. Quando vi a foto impressa pensei: “nossa, eu estou pobre!” Não pensei que estava feia porque nos dias de hoje a beleza está diretamente ligada a sua conta bancária. Fato! A recepcionista percebeu o meu ar de decepção e sorriu. “Nossa, a foto ficou péssima! Mas você deve ouvir esse tipo de comentário todo dia, né? Ela sorriu novamente e até agora estou torcendo que seu silêncio tenha sido de concordância e não de “ah, coitada!”
Passaporte na mão, fui fazer as malas. Era uma fazendo as outras. O frustrante disso é que lembrei de um amigo relatando sua última viagem pra Buenos Aires: “Renata, voltei igual a uma muambeira. Tudo é muito barato!” Mas comigo nada é tão simples…
Viajei com uma verba do jornal para as despesas e sem verba pessoal para mimos ou contrabando (para uso próprio e/ou familiar, claro). Tentei me convencer que isso não seria tão doloroso, ledo engano.
Amei a cidade. Linda, linda mesmo… Lá estava a medrosa vagando por uma cidade desconhecida. Primeiro parei no hotel errado e dei de cara com o cemitério onde descansa Evita. Não fui visitá-la, preferi achar o hotel correto.
Alguns dias de congresso, muitos congressos paralelos em bares pela Ricoletta e muita, muita tremedeira pela abstinência do consumo. Entrar num shopping e ver bolsas lindas, perfumes incríveis, vinhos bacanas e argentinos lindos e não pode fazer nada me doeu a alma.
Gostoso mesmo foi assistir a palestras sobre design de jornal onde a maioria das pessoas só repetia: “os jornais estão acabando”. Animador! Além de falida, em alguns anos estarei desempregada.
Descobri então que não se chama qualquer um de “Che” a não ser que haja intimidade pra isso (ou o Guevara, que já está morto e não vai poder reclamar), segundo a garçonete que ensaboou meu amigo, tradutor e guia simultâneo.
Um outro amigo descobriu coisas ótimas sobre as diferenças na língua. Entrou na farmácia e perguntou: “Tem crema de cacau? Para boquita, sabes?” Sei lá que língua ele achou que tava falando… Mas duro mesmo foi ele ter a revelação que pra comprar manteiga de cacau numa farmácia em Buenos Aires basta pedir por uma “manteiga de cacau”.
O mesmo amigo entrou em uma loja e fez mímicas para pedir um blazer… No final, ele desistiu e disse pra vendedora: “Como se llama blazer aca?” E ela respondeu: “Blazer”.
Divertido mesmo foi andar feito uma louca pela cidade de salto em ruas de paralelepípedo (com um joelho bichado). Até hoje não me recuperei. Problemas sérios de DNA (data de nascimento avançada).
No quesito social, me emocionei com uma menina de rua que vendia rosas e quando disse que não ia comprar, tive que ouvir (já traduzindo ao pé da letra): “Por favor, eu tenho tantos sonhos” Juro que tentei não comparar, mas se fosse aqui no Brasil a tradução seria: “Tia, compra uma rosa aí… “ Sei lá, vai ver o argentino tem uma alma mais poética do que a nossa. Um personal tango-drama que aqui acabaria em samba.
Quatro dias se passaram e ao chegar ao aeroporto e pensei: “Ufa, sobrevivi!” Nova fila e documentos ok – apesar do rapaz antpático da Alfândega não ter rido sobre o meu comentário de “Ei, no repara na fotita” (será que ele não entendeu a piada ou meu portunhol tá tão ruim? Não respondam!
Mas o pior estava por vir. O famoso e adorado paraíso do consumo também conhecido como Duty Free Shop. Foi a visão do inferno, eu garanto. Fechei os olhos, tracei uma reta em direção a saída e só sucumbi ao ver um Menthos de Itu. Vitor iria adorar (e comer em 2 horas). Não pude deixar de comprar. Piada de mau gosto ter que obrigar as pessoas a passarem por aquele antro de perdição para chegarem no portão de embarque. Ainda estou pensando em mandar uma carta sugerindo a troca do nome do estabelecimento para Free é o C… ou No, I can´t, mas como sou uma moça fina não farei isso.
Volto ao Brasil com um carimbo no passaporte. Espero que isso seja motivo de uma ponta de orgulho para minha amiga Lucia e que essa seja a primeira de muitas viagens internacionais dessa mala medrosa que vos fala. É, acho que deu para os seus leitores entenderem aquilo que você já sabe: tudo comigo é enrolado.
Parabéns pelo aniversário do blog e que você continue inspirando os seus leitores com suas histórias fantásticas.
Um grande beijo e aloha!
PS: Só pra deixar bem claro que não sou viajada, mas sou poliglota. Afinal, fico muda em 20 idiomas. 🙂