A descoberta do mundo, versão China

por: Lucia Malla Economia, Havaí, Turismo

Em agosto passado, aconteceu o Hawai’i Tourism Conference, encontro anual do Hawaii Tourism Authority (HTA), órgão que regulamenta e coordena as atividades de turismo do estado do Havaí. Turismo aqui é um grande negócio. Afinal, são mais de 7 milhões de turistas por ano, cerca de 145,000 empregos diretos gerados, mais de 12 bilhões de dólares deixados pelos turistas aqui no estado. Portanto, o encontro anual do HTA é na realidade uma interessante conferência específica de um destino que funciona como um termômetro do turismo global. O Havaí termina servindo como um pano de fundo e cobaia para a descoberta do mundo em vários aspectos do turismo.

A descoberta do mundo, versão China

Afinal, há uma experiência enorme das ilhas em lidar industrialmente com turismo, há muitas décadas, e experimentações turísticas são feitas diariamente aqui, com repercussões por todos os lados. Os grandes nomes do turismo estavam todos presentes na conferência, de antena ligada para as tendências futuras do mercado. E o futuro parece estar sendo bem delineado.

A descoberta do mundo segundo Andrew McCarthy

Andrew McCarthy

A palestra de abertura foi de Andrew McCarthy, ator, diretor, escritor e viajante profissional, que escreve pro NYTimes e é editor da NatGeo Traveler, sobre as perspectivas do turismo. Andrew falou várias coisas interessantes. Reforçou a arrogância que é distinguir entre viajante e turista (yeah!), que ele sugere ser mais uma diferença entre férias x viagens com outros fins. Comentou que podemos mudar o mundo, uma viagem de cada vez – mas para isso, precisamos parar de só querer vender um destino e começarmos a nos dedicar (e valorizar) às histórias de viagem. Uma perspectiva positiva e bem bacana, que compartilho com vigor, porque é a cara do que os blogs podem oferecer nessa equação.

Turismo responsável

Outro tópico muito comentado foi o “turismo verde”, ou turismo responsável, aquele que se preocupa com as práticas de sustentabilidade, sejam elas sócio-culturais, ambientais ou econômicas. O Havaí quer se tornar um destino reconhecido pela preocupação com a sustentabilidade. Dadas as condições naturais do estado e seu isolamento geográfico, acredito que não será uma tarefa tão complicada.

Mas há grandes desafios ainda, como por exemplo a questão da fonte energética do estado, que ainda é basicamente petróleo. Não dá pra marketear um destino como 100% sustentável com esse consumo de petróleo nas alturas, né? Então essa incoerência incomoda um pouco os chefões do turismo, que por sua vez pressionam governo, tentam mitigar o que é possível, criam certificações verdes, etc. Aquela roda-viva que conhecemos, na tentativa de tornar o que for possível “verde” para o marketing do turismo local.

É um esforço que vale a pena, principalmente no futuro aquecido que vem por aí, e que pode colocar o estado numa posição favorável perante os demais mercados. E é perceptível também que esse esforço não é artificial muito menos totalmente influenciado pelo dinheiro; ele vem de um reconhecimento de que os problemas ambientais são importantes para o crescimento e manutenção da robustez da indústria do turismo local.

Entretanto, mesmo com todo o interesse que tenho em turismo verde, foi outra conversa que me chamou a atenção neste encontro.

A entrada maciça da China no mercado de turismo mundial

Contextualizando: uma das peculiaridades do turismo no Havaí é o alto número de visitantes asiáticos. Isso acontece primordialmente pela proximidade geográfica, porque são os EUA “de verdade” (Guam não conta nessa equação) mais próximos da Ásia. Além disso, os asiáticos buscam as ilhas pelas qualidades meteorológicas do estado, que permitem a venda do destino durante o ano inteiro. E ainda pelo marketing de “ilha exótica”, o que reforça a ideia de destino de férias ou de casamento/lua-de-mel nos mercados competitivos da Ásia.

(Para vocês terem uma idéia, o grande competidor turístico do Havaí no quesito “ilhas” são as Maldivas, Bali e o Taiti. Além disso, os principais destinos dos sonhos dos chineses são França e EUA.).

Só que, até pouco tempo, os asiáticos que vinham para cá eram basicamente japoneses e coreanos. E estes têm um perfil viajante relativamente diferente do turista chinês.

De acordo com as estatísticas divulgadas pelo órgão oficial de turismo da China neste encontro em Honolulu, as previsões são de que em 2017 mais de 400 milhões de chineses viajarão para o exterior. Atualmente são menos de 100 milhões de chineses viajando pelo mundo [dados de 2012, e previsão do China Tourism Board apresentada na palestra]). Isto ocorrerá devido à melhoria das condições econômicas do país, ao crescimento robusto da classe média chinesa e aos incentivos que o governo chinês está oferecendo aos seus cidadãos para viajarem ao exterior. Esta descoberta do mundo pelos chineses se transforma numa espécie de maoísmo cultural às avessas. De acordo com a moça do China Tourism Board que palestrou, o governo quer que os chineses sejam presença marcante no exterior.

Consumidores de viagem

Os chineses já são os maiores consumidores de viagens do planeta. Portanto é cada vez mais difícil não levá-los em consideração nos planos de turismo. Com tanta gente potencialmente viajando num futuro super-próximo, e se cada um destes viajantes fizer um gasto modesto de 100 dólares por dia, seja em que destino for… Faça as contas. (E olha que 100 dólares está bem longe do gasto médio dos chineses no exterior…) Absolutamente nenhum mercado importante de turismo no mundo quer perder uma fatia sequer desta enormidade econômica. (Alô, Ministério do Turismo do Brasil, o que vocês estão planejando para facilitar a chegada dos chineses nas terras tupiniquins?)

Problemas do turista chinês

Por outro lado, os turistas chineses não são tão bem-vindos em muitas áreas do planeta devido ao seu comportamento durante as viagens. Eis um texto cheio de perspectivas diversas muito interessantes sobre esse tópico. Ao ponto do governo chinês ter lançado uma cartilha para os seus cidadãos ensinando como se comportar em viagens ao exterior.

A fama de mal-educados e pouco preocupados com o meio ambiente se constrasta imensamente com o que parece ser a tendência mais forte do turismo, a sustentabilidade e valorização da cultura local. Além disso, joga as economias que dependem, integral ou parcialmente, desta atividade econômica em uma sinuca de bico das mais complicadas. Afinal, os chineses têm o principal, a grana para investir em viagens e gastar.

Adaptação do destino turístico

A estratégia lógica dessa sinuca é: adaptar o destino no que for possível. Desta forma, é possível acomodar estes novos turistas e oferecer o que eles querem. Afinal o cliente sempre tem razão. E o turista chinês quer basicamente comer bem, comprar (artigos de luxo, principalmente) e jogar golf. Isto de acordo com o resultado de diversas pesquisas feitas pelos órgãos de turismo que lidam com a região apresentado no Hawaii Tourism Conference. Lembrando ainda que esse dado é uma média, que há na realidade uma grande diversidade de tipos de turista chinês, como em qualquer outra cultura.

Entretanto, na tentativa de conciliar, os destinos estão ouvindo as reclamações dos chineses, e se adaptando. A França já os abraçou (ou melhor, abraçou suas cifras) e pretende incentivar mais ainda a ida dos chineses a Paris. A proximidade da Tailândia já colocou Bangkok e Chiang Mai no mapa dos chineses com toda força. Apesar das reclamações de comportamento em geral, os EUA não querem perder o bonde, e estão investindo em treinamento em mandarim, em permitir condições específicas condizentes à cultura chinesa para os viajantes e esperam com isso um crescimento de 232% no número de turistas chineses.

A estratégia do Havaí: a descoberta do mundo do luxo

Enquanto isso, a estratégia do Havaí é basicamente transformar os turistas chineses nos neo-japoneses. Ele será atraído a vir ao Havaí via agências de viagem ou propagandas nos canais de compras da TV chinesa. Nada se falou de blogs, FAM trips e quejandos.

Sobre mídias sociais, apenas que serão usadas como ferramentas adicionais, para sorteios e consolidação de conteúdo vindo de outros canais estabelecidos. O que acho ser ma estratégia antiquada, IMHO. Mas que de acordo com os analistas de mercado, ainda é o que melhor funciona entre os asiáticos (a estratégia muda completamente para o mercado europeu, por exemplo).

Será privilegiado o turista interessado em golfe e compras de alto luxo. Se ele for a um luau, ou fizer um passeio de snorkel para ver tartarugas, é lucro extra. Porque o grosso do interesse do estado é que ele saia às compras. Uma estratégia que, convenhamos, contradiz a idéia predominante instigada pelo Havaí durante a conferência, sobre destino com turismo responsável, preocupado com o meio ambiente e a cultura local, com sonhos de servir de exemplo de ecoturismo engajado a outros destinos.

A descoberta do mundo (verde) chinês

Ou talvez não. Pensemos que os 400 milhões de potenciais turistas chineses que se espalharão pelo mundo já estão melhorando sua percepção sobre o cuidado com o meio ambiente e as questões de poluição, recursos naturais e energia. Isto ocorre principalmente devido ao estado caótico em que o ambiente na China se encontra. Além do fato que o governo chinês vem colocando cada vez mais as preocupações com o meio ambiente na mesa de negociações internacional [pdf ótimo e mais detalhado sobre o tema]. Combinados, temos aí uma oportunidade de ouro para aprendizado de ambas as partes, turistas e destino turístico.

É a oportunidade de valorizar o consumo consciente, de marcas engajadas ou com certificação verde reconhecida. Principalmente, de privilegiar as experiências turísticas que tragam menos impacto ao ambiente e que sejam mais sensíveis aos hábitos e costumes locais, para uma platéia de muitos milhões. Portanto, acho que é possível e factível que um destino possa melhorar mais a percepção de economia verde, com elementos fortes de sustentabilidade para o seu turista, com criatividade e sem preconceitos. E com regras bem definidas, claras e que não minimizem ou degradem o turista nem sua cultura. Mas que também não se ajoelhem para os pedidos mimados e de sustentabilidade deplorável destes mesmos turistas. (Um bom exemplo aqui, outro aqui. Não é muito, mas são os primeiros passos nessa caminhada longa.)

Se não pode com eles, junte-se a eles

Eu saí da conferência com a sensação de que, muito mais que “se não pode com eles, junte-se a eles”, a estratégia do Hawaii Tourism Authority é um pouco mais profunda do que parece, e que eles querem atrair o turista chinês para essa (boa) armadilha. Eles estão encarando de frente a chegada de 400 milhões de novos visitantes como a possibilidade de imprimir um efeito multiplicador em grandes proporções a uma abordagem responsável do turismo. É claro que o resultado pode ser inesperado, pra melhor ou pra pior. Mas nesse caso, pelo menos eles estão tentando, sem espaço pra denial state da realidade atual. Vamos ver o que o futuro revela. Tempos interessantes vêm pela frente no turismo, havaiano e mundial. Aguardemos.

Tudo de turismo responsável sempre.

P.S.



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