O falecimento da minha sogra Denise trouxe algumas reviravoltas em minha vida pessoal. Não é sempre que um acontecimento fúnebre muda o rumo das pessoas. Principalmente, que as leva a fazer uma reflexão sobre o luto, a analisar cada detalhe passado, presente e futuro. Mas no meu caso particular, foi o que aconteceu. E confesso: amigos, não tem sido fácil. Obrigada portanto a todos que me deixaram mensagens das mais diversas formas nesse período difícil: vocês não têm idéia de como as palavras de conforto são importantes de serem ouvidas e sentidas.

Denise Seale, 1939-2007.
D. Denise era uma pessoa muito enérgica, e sua voz continua ecoando pelos cantos da casa e do meu coração. Quando nos via em meio a problemas, aconselhava sempre. “Se a vida te dá limões, esprema-os e faça uma bela limonada!” Não havia tempo ruim pra ela. Sua capacidade de ajudar os outros, de pensar em prol do próximo muito mais que a si mesmo, de se dedicar tanto às cobras e lagartos, aos gatos e cachorros, aos sapos e humanos, de levar a vida em ritmo de limonada, são lições que ficam em nossos corações pro resto das nossas vidas. Como, aliás, bem disse André no memorial que escreveu aos amigos e parentes.
“O alto-astral de sua presença extravasava com facilidade e vigor. Compreendida ou não, ajudar ao próximo e aos que precisavam de ajuda foi sempre sua mais pura, profunda e genuína meta. Egoísmo era uma palavra que não existia em seu dicionário. (…) Podia ser um sobrinho, um colega de trabalho, a síndica do prédio, o caixa do supermercado ou a primeira pessoa que ela encontrasse pela rua; podia ser um docinho, um brinquedo, uma compra supérflua, tratamento médico, muito ou pouco dinheiro; realmente não interessava a cor, o temperamento, a formação ideológica ou a procedência de quem recebia. Tampouco interessava a forma pela qual a dádiva era transmitida.
A Denise estava sempre estava lá com os braços abertos, emanando bondade e alegria irrestritamente. Com extrema humildade e abastecida por energia inesgotável, sua maior fonte de satisfação pessoal não era centrada em si mesma, mas em elevar o conforto e satisfação dos que estavam a sua volta. (…) Também não havia limites de espécie. Foi importante colaboradora no resgate dos animais da represa de Balbina, antes da área ser inundada.
Certa vez, voltei da escola e me deparei com dez jabutis excedentes do zoológico de São Paulo no quintal de casa. Já mais recentemente demonstrava isso com seu amor aos cães abandonados da USP, empregando grande quantidade de seu tempo e recurso para promover o amparo dos animais indefesos. (…)
Já realizada e reconhecida profissionalmente, num exemplo claro da dedicação passional à causa científica que tanto a caracterizava, abdicou de sua aposentadoria em 1989 e continuou a dar aulas noturnas a calouros da USP, a educar comunidades carentes, a orientar estudantes e a coordenar um projeto gigantesco de levantamento da biodiversidade paulista pelo qual fez nada menos que 61 viagens de campo nos últimos quatro anos, em trilhas que deixavam seus estudantes cansados. Ela não cansava, pelo contrário. A mata a revigorava. (…) Ficarei com a certeza e o alívio de que suas memórias me trarão os melhores exemplos e ensinamentos a serem seguidos e me proporcionarão uma vida repleta de felicidade e satisfação.”
Sua morte abrupta foi um grande choque, para todos a sua volta. Um dia, conversava com amigos pelo telefone e corredores do departamento. Foi dormir cheia de planos pro dia seguinte, atarefada como sempre, provavelmente pensando em seus mil projetos. Então não mais acordou. Tudo isso trouxe à tona para mim a perspectiva chavão mas real de que devemos realmente viver a vida a cada dia na plenitude de ser o último, pois o fato é: não sabemos se amanhã aqui estaremos para mais nada. Ela não estava. E a vida é mesmo assim: uma hora é, na outra não é mais. Um sopro curto e simples, que a gente torna, no meio-tempo entre os dois estados, tão exageradamente maior, significativo. Belo. Vivamos, pois.
D. Denise passou pela vida e VIVEU-A. Intensamente. Isso é realizar-se. Isso é ter sido verdadeiramente feliz. E isso é enfim o mais lindo que ela pôde nos deixar: a certeza da felicidade.
Nesses quase 20 dias de reclusão virtual, minha localização geográfica no planeta também mudou. Se antes eu blogava da minha casinha querida e pacata no sul de Minas, com cheiro de pão de queijo e gosto de água termal, agora estou com mais afinco na paulicéia desvairada. Que é onde decerto planejamos assentar por mais um bom tempo em meio ao turbilhão de informação e animosidade que são características fundamentais dessa metrópole.
Tive pouco tempo para empacotar uma casa e trazê-la para seu destino na capital. E minha vida ainda está, nesse sentido, uma bagunça, em meio a caixas com pertences e lembranças. Mas sinto falta do meu quinhão virtual. Portanto, pretendo aos poucos deixar a divagação fúnebre de lado e voltar a escrever minhas viagens na maionese de sempre. Para a minha pessoa malla, essa é, aliás, a melhor terapia possível para abrandar a tristeza. Devagar, no ritmo que a vida deve ser levada, voltemos, pois.
Anteontem, sábado, este blog teve seu acesso de número 200,000. Não é muito, eu sei. Mas para uma pessoa como eu, que escreve pessoalidades sem preocupações, é gratificante saber que tantos já passaram por aqui em algum momento. Obrigada aos que me dão a honra da visita. Viajemos, pois.

A visita 200,000 veio de Natal (RN) e procurava por baleias narwhal, uma espécie de baleia muito ameaçada que vive no Ártico.
O Roda de Ciência desse mês está discutindo um tema que eu amo: os mares do planeta. Pretendo aliás entrar na discussão em algum momento dessa semana nesse mesmo bat-blog. Ou seja, aos poucos vou voltando também à minha rotina e temas de sempre, puntuados das mallices tradicionais. E ainda mais, com um quê do sorriso que a vida merece. Sorrimos, pois.
Tudo é. Ou está sendo. Ou não é. SEMPRE.