Bizarrices da vida lamarckiana

por: Lucia Malla Antigos, Ciência, Evolução, Memes, listas & blogagens coletivas

Na mesma semana em que fico sabendo de uma jogada de tamanha desonestidade científica em uma universidade brasileira, sou convocada também a participar do primeiro blog carnival de Evolução. O carnival é organizado pelo Atila. É, este sim, um pequeno evento de seriedade, afinal. E nele, resolvi comentar sobre Lamarck.

Bizarrices da vida lamarckiana
Jean-Baptiste Lamarck. Imagem em domínio público, retirada da Wikimedia Commons.

A proposta do Atila é bem viajante (do jeito que eu gosto!), e dizia o seguinte.

“Quando aprendemos sobre evolução, Lamarck é sempre retratado como o sujeito que errou ou “aquele cara das girafas”. Quando propôs a teoria da Herança de Características Adquiridas, por mais errado que estivesse (não de todo, a biologia é a ciência das exceções), foi o primeiro a sugerir que a diferença entre os organismos deve ser gerada por leis naturais e não por força divina – nas palavras de Darwin. Por mais que tenha sugerido que os organismos mudam e se adaptam ao ambiente (e a maioria das pessoas pensa dessa forma intuitivamente), Lamarck morreu pobre e desconhecido e até hoje é tido como o cara antes de Charles Darwin que estava errado. Acho que ele merece mais reconhecimento, e como tal deixo a seguinte idéia para o Carnaval:

Como seria o ser humano atualmente se Lamarck estivesse certo? Se Lamarck estivesse certo (e ignorando como seriam todos os outros organismos), como seríamos nós, depois de todas essas gerações convivendo em sociedade? Que características adquiridas seriam passadas adiante?”

Lamarck certo?

Sinceramente, eu tenho dificuldades em pensar um mundo onde Lamarck estivesse “correto”. Imagine se a evolução da espécie humana fosse pautada pelo uso/desuso de Lamarck? Hoje teríamos pessoas com cabeças gigantes (para comportar tanta atividade cerebral), braços e pernas atrofiados pelo sedentarismo que a maioria se impõe, dedos maiores e afinados, olhos com péssima acuidade para a visão à distância (já que hoje a gente força mais a visão de perto: na TV e no computador). Seríamos verdadeiros ETs.

E eu me permito microviajar mais ainda. E se o mofo evoluísse lamarckisticamente? Hoje seria provavelmente impossível construir uma casa de tijolo sem mofo, já que o constante uso dele como substrato para a vida dos mofos pelas paredes seria reforçado a cada geração. Talvez até os mofos “desaprendessem” a viver em outros substratos menos urbanos e se tornassem exclusivos das cidades. Será que teríamos algo como “mofojolo” à venda em algum ponto do futuro? Aliás, será que já viria em pacotes resistente a qualquer fungicida, tornando a vida dos alérgicos a mofo impossível na face da Terra e forçando o seu consequente desaparecimento?

São questões bizarras.

Lamarck esteve certo na Rússia

Pior de tudo: esse mundo onde Lamarck estava “certo” já existiu. Na Rússia, no período de Stálin, os geneticistas darwinianos foram enviados para campos de concentração, porque o regime comunista queria dar força ao agrônomo Lysenko, que era um lamarckista, ou seja, acreditava na evolução por características adquiridas que seriam passadas aos descendentes. Com isso, a evolução de Darwin foi declarada “errada” e as publicações científicas vindas da Rússia Stalinista eram obrigadas a se basear nas idéias lamarckistas. O resultado dessa lavagem cerebral russa às evidências científicas que só se acumulavam a favor de Darwin foi um atraso científico na biologia russa que até hoje tem consequências por lá, além de um embaraço encrustrado para a safra de novos cientistas daquele país.

Afinal, misturar ciência com política não é receita fácil, e facilmente pode descambar pro desastre de uma sociedade.

Tudo de bom sempre.

Mais viagens na maionese lamarckianas e girafólogas

  • Ao contrário do que está cristalizado erroneamente em praticamente todos os livros didáticos de ciência, Lamarck não comentou sobre as girafas enfaticamente como um exemplo que confirmava sua teoria de herança por uso e desuso. Falou do pescoço, aliás, apenas uma vez em toda sua obra. E, além disso, não se ateve a esse exemplo para solidificar suas idéias. De onde veio então a famosa história da girafa lamarckiana? Não faço a mínima idéia.
  • Não caia também na falácia de que girafas são “exemplos da necessidade de alternativas à evolução”. O post supra-citado do Laelaps informa como a evolução darwiniana da girafa aconteceu. Não está aberta, portanto, a questões de ordem IDiótica. As teorias recentes, inclusive, já afirmam que o pescoço da girafa foi uma adaptação selecionada darwinianamente que “facilita comerem as folhas de cima da árvore”. E as facilita a vencerem na competição por território e fêmeas.
  • Eu adoro o coração da girafa.

UPDATE: Vão lá ler o que o Hermê escreveu sobre o tema. Está puro rock’n roll!

UPDATE 2: Outros participantes do Carnaval da Evolução:

Carlos Hotta

Hermenauta

Atila

Hiroshi

Rafael

Mauro Rebelo

Luxcie in the sky with no diamonds

Osame



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