A importância de um modelo

por: Lucia Malla Antigos, Ciência, Ecologia & meio ambiente, Mudanças climáticas

Estava lendo o último post do Real Climate, onde os climatologistas discutem o último inverno americano, extremamente atípico, e com pouca neve em regiões onde sempre neva muito, como a costa leste.

Um pedaço me chamou a atenção:

“(…) one cannot attribute a specific meteorological event, an anomalous season, or even (as seems may be the case here, depending on the next 2 months) two anomalous seasons in a row, to climate change. Moreover, not even the most extreme scenario for the next century predicts temperature changes over North America as large as the anomalies witnessed this past month. But one can argue that the pattern of anomalous winter warmth seen last year, and so far this year, is in the direction of what the models predict.” (grifo meu)

Temos que tomar cuidado na atribuição de todos os problemas ecológicos do mundo ao aquecimento global. O modelo científico aceito pelos mais renomados especialistas realmente diz que o mundo tende a um aquecimento – e que outros cientistas de áreas diversas afirmam poder trazer consequências catastróficas para os humanos.

Mas ponderação é sempre algo importante em qualquer caso. Se por um lado, a existência dessa estação anômala trouxe com toda a força para a mídia o problema do aquecimento global – principalmente aquele antropogênico, ou seja, causado pelo ser humano -, pode trazer também a oportunidade de entendermos melhor os modelos que estão por trás de tais afirmações da mídia.

Os modelos são calculados baseados em temperaturas medidas por muitos anos, décadas, séculos, e até milênios. Há como identificarmos a temperatura de alguns milhares de anos analisando-se a composição da atmosfera que ficou aprisionada em blocos de gelo em locais remotos, como na Antárctica, por exemplo. Quando olhamos para esses números, vemos que houve momentos de aquecimento e resfriamento, como se fosse um ciclo que acontece de vez em quando com o planeta. Sobe e desce. Entretanto, alguns estudos usando diferentes tecnologias apontaram há algum tempo que o século 20 foi anomalamente quente, e que a tendência de variação climática está só subindo – o que plotado num gráfico gera a forma de um bastão de hóckey voltado para cima, a que os climatologistas chamam de curva de “hockey stick”, como vemos abaixo nesse gráfico com a temperatura média do último milênio:

(Repare que o ano de 2006, o sexto mais quente da história, ainda não havia sido registrado nesse gráfico na época de sua feitura… e que se prevê que 2007 será o mais quente da história, o que significa que pode passar dessa linha preta de 2004. Gráfico tirado daqui.)

O modelo de clima global caminha para esse ápice à direita, ou seja, terá variação de temperaturas médias maiores. O que os dados coletados pelos cientistas hoje em dia fazem é apenas confirmar esse modelo por diferentes caminhos científicos – e pasmem, na maioria quase absoluta, os dados confirmam a existência dessa curva crescente teorizada anos atrás. Então, quando alguém refuta o aquecimento global dizendo que “a Terra sempre teve um ciclo de quente-frio”, vale ressaltar a essa pessoa que nunca os dados (que são estatisticamente significativos e controlados, publicados em jornais científicos, revisados, repetidos, etc.) mostraram variações de temperaturas tão altas – e subindo mais a cada ano. O conceito de “quente” do passado não é o mesmo que estamos presenciando hoje. Ok, há o efeito do El Niño (que esse ano inclusive prevê-se que será “moderado”, não tão forte quanto no passado), há o problema das erupções vulcânicas, mas nesse último século há principalmente a ação humana gerando CO2 em quantidades gigantescas. Portanto, podemos até (fugir e) culpar o El Niño, podemos (fugir e) culpar os vulcões em erupção e o que mais de irracional aparecer pela frente, mas o grande diferencial dessa equação – o homem – precisa também ser incluído no cálculo e repensar suas atitudes geradoras de CO2. Repensar o que vem fazendo pelo planeta.

Mesmo que isso não afete a sua existência direta agora – afinal, os modelos climáticos são, como tudo na ciência e na vida, baseados em estatísticas -, é um problema cuja probabilidade de afetar as gerações futuras é muito elevada. E que planeta você quer deixar para seus filhos?

Olhe pro modelo do gráfico, pondere e responda.

(Postado também no “Faça a sua parte”)



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