A ajumá

por: Lucia Malla Ásia, Comportamento, Coréia do Sul

Na Coréia existe uma subespécie humana chamada Homo sapiens ajumensis, ou no dito popular, a ajumá. Não subespécie na forma diminuída ou pejorativa, pelo contrário. Subespécie como categoria taxonômica mesmo: sua existência é fruto do isolamento geográfico/cultural que a Coréia enfrenta.

Ajumá
Ajumá acocorada (claro!) trabalhando em uma pilha de peixes que serão ressecados e daí virarão sopa ou pacotinhos de peixe seco que serão consumidos como batatas fritas.

Quem é a ajumá?

Ajumá coreana acocorada no mercado
Acocorada com a típica viseira e vendendo frutos-do-mar num mercado de peixe.

Ajumá é a denominação dada às matriarcas da família típica coreana. Criei essa tradução, porque obviamente não existe tradução. A palavra existe apenas em coreano e é escrita assim: 아 주 마. Ajumá é um tratamento formal e educado de chamá-las em coreano, mas há características peculiares que valem a pena ser ressaltadas.

A ajumá em geral tem mais de 40 anos. Mas para os coreanos, qualquer mulher casada já está em vias de se tornar uma ajumá. Porque ser ajumá é um processo. Quanto mais velha, mais ajumice.

É ela quem detém o poder absoluto de organização da vida familiar. Ela quem cuida da casa, dos filhos e netos, cozinha, enfim, a gerente geral do lar. E não é só isso.

Peculiaridades

A ajumá tem uma função muito forte dentro da família, função esta que os homens coreanos fazem questão de minimizar – para a contentação do machismo puro e simples. Enquanto o marido pesca, ela vende o peixe. De sol a sol, ela ajuda na colheita da lavoura. Está sempre atrás dos balcões das lojas, gerenciando os negócios da família. Sua participação é intensa em todos os níveis da organização conjugal. E de quebra, tem que ter uma receita única de kimchi (repolho fermentado em pimenta) passada de geração para geração. Se não tiver, não é ajumá ainda, está apenas aprendendo. Apenas essa descrição, levaria à modesta conclusão de que ajumá pode ser qualquer dona-de-casa, mas não se engane. Há peculiaridades adicionais….

Exemplos? O cabelo enroladinho curto, fruto de permanente. Ou a viseira gigante cobrindo todo o rosto e a mochilinha nas costas recheada com tupperwares de kimchi e outros pratos coreanos, ou então um saquinho de lula seca para “mastigar nas horas de lazer no metrô”. Afinal, na Coréia, o negócio é comer lula seca da ilha de Ulleung-do, um must pra enganar a fome.

Outro ponto certo: a maneira de literalmente “voar” atrás de um assento em qualquer transporte público, não interessando se a vizinha é outra aprendiz de ajumá grávida. Ajumá de verdade senta no metrô, e ponto. E se não tem banco vazio, acocora-se no chão. Aliás, a posição mais comum de se encontrar uma ajumá é acocorada, por horas a fio. Como já percebi, isso leva a um sério problema de coluna com o avançar da idade, pois a maioria das senhoras idosas aqui são muito curvas, com escoliose e cifose em grau avançado.

Trilha sonora

Ajumá também gosta de um estilo de música peculiar. Para os momentos de reunião com outras ajumás, ouve “trot”, uma espécie de música breganeja + pagode + bandinhas marciais do coreto da esquina + som de gaita de fole desafinada. A oitava maravilha sonora, como podem imaginar. Aparentemente, os cantores de trot falam em suas canções de coisas da vida de ajumá, o que favorece o sucesso entre as mesmas. Mas atenção, leigos em Coréia do Sul de plantão! Não tentem fazer uma viagem de três horas com as ajumás (como fizemos em maio de ferry-boat para Ulleung-do). Seus ouvidos agradecerão deveras a não-exposição ao trot. (Os jovens coreanos em geral detestam trot, e dizem exatamente isso: é música de ajumá.)

E pra falar a verdade, embora a gente brinque, verdade seja dita: elas são super-mulheres numa sociedade tão hierarquicamente estruturada e rígida. Porque pra fazer tudo isso, agüentar as ranzinzices machistas dos homens coreanos, e ainda por cima rir e dançar ao som do trot… É mulher-macho, sim senhor!

Tudo de bom sempre.



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