As rosas conspiram em Portland

por: Lucia Malla América do Norte, EUA, Viagens

Com a conferência de Seattle finda e com uma passagem de volta para a Coréia saindo do aeroporto de Portland (estado do Oregon), não pensei 2 vezes em planejar um dia para viajar ao bel-prazer. E já que teria que ir a Portland, resolvi investir na arriscada tarefa de conhecê-la por um dia.

A escultura de Roy Lichtenstein que está na frente do Museu de Arte de Portland, muito legal e colorida, dando um toque divertido à cidade.

Fui de trem Amtrak, de Seattle até Portland. A viagem é uma delícia, passa por paisagens muito bonitas de florestas de coníferas. Como cheguei em Portland muito tarde da noite, o jeito foi dormir e carregar energias pro dia de caminhadas que teria pela frente. Afinal, só tinha um dia em Portland, queria sentir a cidade ao máximo.

Logo pela manhã, peguei o MAX (sistema de bonde de Portland) e fui para o centro da cidade, bater perna. De cara, achei o centro uma fofura, agradabilíssimo de se caminhar. Estava todo florido, afinal, estamos na primavera. Como meu mapa indicava que eu estava perto do Museu de Arte de Portland, resolvi dar uma checada no local. O Museu é um complexo de galerias, e eu imediatamente me dirigi a galeria de arte contemporânea, minha predileta. Delirei com várias obras super-interessantes, coloridas e cheias de vida. No jardim das esculturas, uma enorme de Roy Lichtenstein. Passeei a manhã inteira pelos corredores do Museu, submersa em arte.

Uma das esculturas do Museu de Arte de Portland, no jardim das Esculturas. Abaixo, uma escultura de rua bem “preguiçosa” que deu muita saudade do meu gato Catupiry.

Uma parte de Portland vista da margem do rio Willamette.

Saindo do museu, comecei a andar pelas redondezas e eis que encontro casualmente uma churrascaria brasileira. Imediatamente pensei: vou comer carne boa, já que na Coréia carne é artigo de luxo. Picanha, linguiça, polenta frita com parmesão, couve mineira, arroz e feijão – matei a saudade da comidinha caseira brasileira. Tudo uma delícia e regado a guaraná Antarctica, é claro, para ter a experiência brasuca completa.

Com o estômago enfastiado, decidi fazer uma bela caminhada para me exercitar um pouco. Subi até o Washington Park, no topo de um morro, de onde possivelmente teria uma vista do Monte Hood – não tive porque o dia estava nublado. Mas o Washington Park é lindo, um dos parques mais bonitos em que já estive. Quanto ar puro no meio da cidade! Visitei o Jardim Japonês (de uma serenidade incrível) e fui andando até a atração principal do parque: o Jardim Internacional das Rosas.

Algumas das muitas rosas do Jardim Internacional das Rosas, atração imperdível de Portland. Não são lindas?

Um dos muitos caminhos pelo Jardim das Rosas…

Até então, a visita a Portland estava “normal” nos meus padrões mallísticos. Caminhadas, visita a museu, sentir o movimento local sentada num café. Mas na hora em que pisei no Jardim das Rosas, senti que uma pequena reviravolta viria pela frente, verdadeira conspiração das rosas. O Jardim das Rosas é encantador. Rosas de todos os tamanhos, variedades e modelos, de todas as nações e ecossistemas. Eu já visitei uma fazenda de rosas no Brasil, e confesso: esse jardim em Portland me impressionou muito mais – talvez pela concentração enorme de rosas diferentes num lugar não tão grande. Rosas são minhas flores prediletas, são para mim sinônimo de boas surpresas. Fiquei horas sentada num dos inúmeros banquinhos do parque admirando aquele mar de flores. Muitas fotos. Mais tarde, conversando com o recepcionista do hotel, descobri que a 2 semanas atrás, nenhuma rosa estava aberta. Com a chegada da primavera elas se abriram – e eu estava lá coincidentemente para me surpreender com a intensidade das cores, quando as rosas estavam no auge da florescência. Impossível não se emocionar.

Mas tive que deixar para trás as rosas, e continuar a andar pela cidade. Peguei um ônibus rumo ao centro, e fui andando pela área das lojinhas. Decidi ver um filme no cinema, enquanto aguardava pelo início do Festival das Rosas. Em mais uma coincidência que só as rosas explicam, o festival anual mais esperado da cidade ia começar exatamente no dia em que eu a visitava. Às 9:50 da noite estava marcado o início do show de fogos de artifício à beira do rio – e eu não podia perder essa maravilha.

Um detalhe do chão do Jardim Japonês, também no Washington Park.

Enquanto a indefectível bandinha de flautistas andinos tocava numa barraquinha, eu me aventurava com uma cobra na mão na “tenda tropical” armada para o Festival das Rosas… cobra não-venenosa, perigo nenhum comparada à jibóia que tive que segurar nos tempos de faculdade de Biologia…

Depois do cinema, fui para à beira do rio, para o local do festival. Várias barraquinhas estilo gincana ou festa junina animavam a área. Matei a vontade de comer um doener kebap turco legítimo, torci pelas crianças em várias barraquinhas de brincadeiras e apostas, acompanhei de longe um show de piratas, visitei um galpão cheio de animais tropicais à mostra e conversei com 3 ecólogos engajados em divulgar a energia eólica – uma das fotos no cartaz mostrava uma menina perto da torre eólica de Fernando de Noronha, razão pela qual, aliás, fui atraída para a barraquinha ecológica. Depois de muito papo sobre conservação da biodiversidade e problemática da água, arrumei um cantinho no meio da multidão para ver os fogos de artifício. Quando começaram, foi aquela gritaria e alegria. Um belo espetáculo de música e de cores por 40 minutos nos céus de Portland.

Os fogos de artifício do Festival Anual de Rosas à beira do rio Willamette, em Portland: primeiro show da noite.

Assim que os fogos acabaram, saí correndo em disparada. Eu tinha lido num panfleto no hotel que às 9 da noite haveria um show num bar da cidade que eu gostaria muito de ir. Quando comentei com uma das ecólogas que estava a fim de ir no show, e falei o local, ela disse: “Vá. O chão desse lugar tem molas, você tem a sensação de estar flutuando.” A bizarrice descrita me venceu e eu decidi ir. As rosas de Portland mais uma vez pareciam conspirar a meu favor.

Mas o show começava às 9, e já eram quase 11. Fui correndo por 15 quarteirões até chegar no lugar. Na portaria, fiquei sabendo que o show ainda estava começando, menos de 5 minutos perdidos. Ufa, que sorte! Eis que compro meu ingresso e entro naquele salão de molas, para ouvir… The Presidents of United States of America!

Sim, essa banda ainda existe, ressurgiu esse ano após a separação em 1997 – eu achava que a oportunidade de vê-los juntos era altamente utópica. Eu gosto muito das levadas light de rock que eles têm, dos absurdos das letras, e principalmente, da música dos gatos. E que outra banda tem uma página sobre copyright das próprias músicas tão educada quanto essa? Um trio simpático, num show calmo e animado, engajado politicamente (é claro) e viajante sob efeito das molas. Um presente surreal que Portland me ofereceu como despedida da cidade.

No dia seguinte, hora de ir pro aeroporto. Mas com a certeza de que, se as rosas realmente significam boas surpresas, em Portland, a cidade das rosas, elas podem conspirar a favor de quem as admira.

Tudo de bom sempre.



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