Batismo de mergulho

por: Lucia Malla Mallices, Mergulho

Já há algum tempo, o Divester começou uma “brincadeira” de internet em que cada pessoa contaria como foi seu primeiro mergulho com equipamento autônomo. Achei uma idéia divertida e decidi fazer a minha descrição.

Sempre quis fazer curso de mergulho. Desde pré-adolescente, lia as revistas de mergulho e me deliciava com as fotos, os animais, a vida marinha, a aventura. Morando na beira da praia, o contato diário íntimo com o mar, parecia uma conseqüência natural que me interessasse pelo esporte.

Da primeira vez que me matriculei num curso de mergulho, tinha 12 anos. Morava numa cidade pequena, e o curso dependia de quórum mínimo porque o professor vinha do Rio de Janeiro para ministrá-lo. Não teve quórum. O curso foi cancelado – e eu já com pé-de-pato e máscara compradas. O cancelamento jogou um balde de água fria nas minhas aspirações com o mar, e eu me acomodei, não mais procurei cursos. O mar era um amigo misterioso que parecia não querer ser descoberto.

Mas o mundo dá voltas, fiz meu curso de Biologia bem longe da praia, e 16 anos depois, me vi morando no Havaí. Para muitos, um lugar perfeito para mergulhos. Para mim, a certeza de praia todo fim de semana. E aí, o bichinho do mergulho começou a coçar de novo.

Eu digo que mergulho é um vírus “do bem”. Só que uma vez que ele entra no seu corpo, ele tem dificuldades sérias para sair. Eu ainda não mergulhava em Honolulu, mas só de estar rodeada de muitas pessoas que gastavam horas e horas do fim de semana naquele lazer, comecei a sentir a vontade de aprender crescendo dentro de mim de novo.

Mas curso de mergulho é caro. No Havaí, então, nem se fala: é muuuito mais caro. (Os descontos para moradores da ilha não adiantavam muito.) Era 2003, e eu estava de passagem marcada pro Brasil. 3 semanas de férias. Resolvi acoplar um curso que sonhava há tanto tempo – tinha tempo suficiente. E, como de 16 anos para cá, a cidade cresceu bastante, já havia operadoras na cidade. Inscrevi-me num curso, finalmente.

Primeira aula: só teoria de mergulho. Importância de manter sua flutuabilidade neutra, como evitar problemas com a pressão dentro d’água, etc. Só mais um aluno no curso, praticamente aula particular, que maravilha. Segunda aula: primeiro contato com a água, numa piscina de 3m de profundidade. Não é muita coisa, mas para iniciantes, era o suficiente. Confesso que tive um certo medo no início de ficar respirando com o regulador na boca, aquele ar estranho. Muitos apetrechos, muita coisa para pensar ao mesmo tempo. Não conseguia ficar quieta embaixo d’água. Tentava prestar atenção nos sinais que o instrutor dava, e principalmente nos exercícios: tira e põe regulador da boca, tira a máscara e recoloca, alonga a perna para não ter cãimbra… Mas estava nervosa com duas coisas: 1) o fato de não estar mais boiando – para quem não sabe, quando a gente mergulha, coloca pesos de chumbo na cintura, para que você afunde um pouco, equilibre seu peso em relação à gravidade e tenha flutuabilidade neutra, como os peixes têm; 2) o barulho ensurdecedor que vinha da minha propria respiração – embaixo d’água, o som parece que reverbera dentro do ouvido, e o meu auto-som ficava muito alto. Bebi muita água nesse primeiro contato em azulejo submerso.

Tive outra aula na piscina, em que me senti mais relaxada – mas não muito. Finda a segunda aula, haveria nossos testes em oceano: iríamos efetivamente mergulhar, e fazer todos aqueles exercícios aprendidos na piscina, só que agora a 15m de profundidade. Os cursos mais conhecidos (PADI, SSI…) requerem que você faça 4 mergulhos no mar (“batismos”) durante o curso para mergulhador autônomo de lazer. E foi nessa hora que um problema apareceu.

Posêidon parecia não querer colaborar, e o mar entrou numa ressaca daquelas. E o dia da minha volta pros EUA chegando… resultado: tive que voltar com uma carta especial, dizendo que tinha realizado todas as práticas de piscina e teoria, só faltavam os mergulhos no mar.

Batismo de mergulho

O instrutor me ajudando a pôr o equipamento pela primeira vez na vida, para meu primeiro mergulho, o batismo em Electric Beach, Havaí.

Levei um tempo procurando uma operadora de mergulho em Honolulu que não quisesse meter a faca no meu bolso para um batismo. Achei uma nos fundos de uma casa em Waikiki, indo pros lados de Ala Moana. Pequena, modesta, com um bom preço. E o primeiro mergulho foi finalmente marcado: domingo, em Electric Beach (lado oeste da ilha), saindo direto do shore.

No sábado, não consegui dormir à noite. Rolava para um lado, rolava pro outro. Ansiedade, medo, nervosismo, excitação. Tudo ao mesmo tempo. De manhã, não consegui comer nada. Já tinha meu equipamento próprio a essa altura do campeonato, e como nunca havia utilizado o mesmo no mar, ainda não sabia ajustá-lo. Por causa das várias camadas de roupa de neoprene, a instrutora calculou que eu deveria colocar 10 kg de chumbo na cintura, além dos sei lá quantos quilos do tanque de ar nas costas – precisávamos andar da área de arrumação até a praia, uma descida de morrinho com todo aquele peso. Eu não estava acostumada, e penei muito para chegar na beira da praia. Um instrutor me ajudou a entrar na água com toda aquela parafernália pulando as ondas que já quebravam. Caldos e mais caldos. Eram mais de 10 alunos (a maioria militares musculosos) para 2 instrutores.

Uma chuveirada básica antes de descer para a praia.

O mergulho começou. Como esse era o primeiro, não teríamos exercício algum lá embaixo, apenas uma aclimatação com o ambiente subaquático. Logo na descida, avistei uma moréia passeando livremente – que maravilhosa! Mas eram tantas outras coisas que passavam pela minha cabeça naqueles minutos, que não aproveitei quase nada. Não conseguia manter flutuabilidade neutra: estava muito pesada, e sem experiência alguma, nem pensei em tirar um pouco do chumbo e passá-lo para o instrutor. Fiquei gastando minhas energias com pernadas tentando me manter na profundidade requerida. Ao terminar o mergulho, estava simplesmente exausta como nunca havia estado antes na vida.

O instrutor me auxiliando na entrada no mar: de nada adiantou. Tomei vários caldos e bebi água do mesmo jeito. A inexperiência me venceu, não tinha habilidade ainda para controlar tanto peso fora da água.

Haveria um segundo mergulho no mesmo dia, onde começariam os exercícios e a avaliação dos instrutores. Eu e uma outra mulher com estatura física similar a minha desistimos de fazê-lo. Ela também estava super-cansada, e conversamos com os instrutores. Nosso segundo mergulho ficaria para a quinta, em Magic Island – praticamente no píer de Ala Moana.

E lá fui eu. Dessa vez, éramos apenas 3 pessoas para 2 instrutores. Foi excelente. Embora a visibilidade não estivesse tão boa, ainda vimos alguns peixinhos coloridos em meio aos exercícios com bússola. E mesmo nadando bastante, não me senti tão cansada mais. E me sentia totalmente preparada pros 2 últimos mergulhos do batismo.

Domingo, sol e céu lindíssimos, píer de Hawaii Kai. Lá vou eu de novo, dessa vez num barco e com meu namorado me acompanhando embaixo d’água também. De novo, um grupo enorme de pessoas para 2 instrutores. Dessa vez, fui com 9 kg de chumbo – ainda um exagero, hoje em dia eu mergulho com 5 kg. Os mergulhos foram bem gostosos, mas em dado momento do exercício, me embananei com o regulador e bebi muita água. Lembrei logo do que meu instrutor brasileiro Tarcísio repetia exaustivamente: “Problemas de fundo se resolvem no fundo”. 10 metros de água acima de mim. Mantive a calma, e refiz tudo na medida do possível. Ainda deu no final do mergulho para ficar observando peixes e corais da área. Uma tartaruga apareceu. Ao emergir, estava certificada! Finalmente a realização de um sonho de adolescente: era uma mergulhadora autônoma de lazer.

Durante meu quarto mergulho de batismo, ainda estranhando o ambiente ao redor. Abaixo, já totalmente confortável dentro d’água, e fazendo gracinhas para a câmera.

Depois do batismo, comecei a mergulhar com mais freqüência, e hoje, mais de 50 mergulhos de lazer depois, me sinto muito mais confortável embaixo d’água. A estranheza inicial foi-se, e até o som da minha respiração me é agradável. Sumiu a sensação claustrofóbica. Meu equipamento está todo personalizado, ajustado, e tento cuidar dele com o máximo de carinho. Já até comprei uns acessórios legais, como um apontador de metal (para chamar a atenção para bichos interessantes que eu veja passando) e uma bandana que segure minha juba embaixo d’água. Mas confesso que ainda não me apeteço por mergulhos saídos da areia. Prefiro andar de barco, e mergulhar fora da costa.

E o vírus do mergulho… esse me pegou de vez! Talvez só quem já tenha sentido a delícia de estar embaixo d’agua, nadando como os peixes explorando os mistérios da vida marinha, para entender a sensação de liberdade e paz que essa outra dimensão, o mundo subaquático, oferece.

Tudo de bom sempre, com muitos mergulhos pela frente.

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*Para quem quiser viajar um pouco mais…

Esse artigo conta a surpreendente tentativa de um cego que quer bater o recorde de mergulho em profundidade. Antes de ficar cego, ele já era mergulhador, e não permitiu que a inabilidade visual o proibisse da sensação indescritível que só a água do mar te dá.

– Existe uma ONG, a International Association for Handicapped Divers, especializada em informações, organização e auxílio a mergulhadores deficientes físicos. Embaixo d’água com material de mergulho, a sensação de gravidade para todas as pessoas desaparece por causa da neutralidade do peso, e muitos deficientes relatam se sentirem melhor numa condição onde eles são simplesmente iguais a todos os demais ao redor. Se mergulho já é terapia anti-stress normalmente, para essas pessoas deve ter um significado mais especial ainda. Acho isso valiosíssimo: aumenta a auto-estima das pessoas de forma divertida!



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