Blogs e Academia

por: Lucia Malla Antigos, Blog, Blogosfera & mídia social, Ciência, Educação, Evolução

Eis que chega a primavera no hemisfério sul do planeta (porque aqui onde moro o vento frio do outono já paira no ar…) e com ela, mais um ciclo de discussões no Roda de Ciência. Nesse mês, decidimos discutir sobre uso da internet na academia.

Não sou muito velha, mas ainda me lembro de aprender na faculdade como fazer levantamento bibliográfico usando os livros (!!!) do Current Contents (CC) e do Biological Abstracts (BA) – que nem devem mais existir em versão de papel. Eram livros de referências, inúmeros volumes alfabeticamente organizados, em papel fino e com letras miúdas, que me davam dor de cabeça só de olhar. Mas, nos primórdios da era pré-popularização do computador, as pessoas iam à biblioteca da universidade cruzar palavras-chaves na base do suor da mão e da caneta. Haja trabalho e perda de tempo. Quando me lembro disso, é difícil não associar a velocidade das descobertas científicas hoje em dia com a rapidez de busca da informação que vemos – o advento dos bancos de dados online como PubMed ou SwissProt permitiram que o trabalho de muitos dias numa biblioteca se transformasse em minutos na frente do computador, agilizando todo o fluxo da pesquisa e a obtenção de respostas no campo biológico. A internet conectou a academia mundial, e isso, por si só, já é de valor incalculável, verdadeira revolução no paradigma.

E com a conexão mundial, maior probabilidade de discussões relevantes, maior possibilidade de interdisciplinaridade e concatenação de idéias. Mais colaboração entre laboratórios distantes, mais comunicação entre desconhecidos de uma mesma área de atuação. Ter uma conexão no laboratório passou a ser fundamental, peça básica para o fazer ciência. E com a conexão da academia, não tardou a aparecer quem usasse seu tempo-livre no laboratório para dissipar suas opiniões sobre ciência de alguma forma, seja em listas de discussão, emails ou fóruns. Daí para o surgimento dos blogs de ciência foi um pulinho de nada, uma mera adaptação à nova plataforma que surgia.

Se a mudança de Current Contents de papel para PubMed online foi uma revolução no fazer ciência, a chegada dos blogs de ciência está sendo, em minha opinião, uma revolução na divulgação científica. Seu papel: levar tópicos de ciência, coletados em revistas especializadas ou não, para o grande público, de uma maneira agradável, dinâmica e principalmente, passível de discussão. Entretanto, diferente das listas de discussão ou dos fóruns especializados, onde em geral quem orbita são interessados no tema e onde os comentários podem se tornar muito herméticos e tecnificados, dificultando o acesso ao leigo, nos blogs há teoricamente espaço para todos, leigos ou não, que lêem um texto em geral escrito por um acadêmico ou entendedor do assunto. Não sei explicar o por quê – talvez seja o dinamismo intrínseco ao sistema “blog” ou a popularização da internet – mas sinto que as pessoas ficam mais desinibidas em deixar suas questões nas caixas de comentários dos blogs. E com isso, a discussão científica pode se tornar enriquecida e mais abrangente, com o leigo envolvido na discussão de forma mais direta.

É o que vem acontecendo em geral. Os blogs de ciência (principalmente aqueles falados na língua internacional da ciência, o inglês) têm acrescentado pontos-de-vista mais ricos e detalhados a discussões que em outros tempos estariam enfurnadas aos jornais tradicionais e ao bate-papo dos congressos científicos. Vide por exemplo o debate sobre ensino de evolução no nível médio dos EUA (uma tentativa dos criacionistas criarem uma dicotomia falaciosa inexistente na ciência), que levou ao surgimento de vários blogs de evolução de altíssima categoria escritos por acadêmicos estudiosos do tema (Panda’s Thumb sendo o melhor deles). A rede mostrou-se uma ferramenta útil para o esclarecimento científico de uma decisão que possuía profundas implicações políticas e sociais.

Tal força de coesão obviamente chamou a atenção do mainstream media – e algumas revistas científicas que inicialmente eram relutantes ao formato, hoje têm seus próprios blogs como forma de aumentar a interação com seu leitor ou relatar aspectos que ficam de fora de suas páginas “tradicionais”. E auxiliando na introdução e explicação da ferramenta blogueira aos acadêmicos mais “relutantes” em espalhar suas idéias pela rede – eles ainda são muitos, infelizmente, afinal, muitos desconfiam de colocar idéias em ebulição na internet.

Meu lazer predileto nas horas vagas sempre foi ler artigos diversos de divulgação científica, afinal, tenho muita curiosidade em saber como a ciência hardcore é capturada pelo leigo via jornalismo. E cada vez mais, junto aos artigos da mídia tradicional, eu leio blogs de ciência, para principalmente ouvir o que os sérios entendedores do assunto têm a falar nos tópicos mais diversos. Há inúmeras concepções científicas que merecem esclarecimento ainda, mas acredito que num futuro próximo, os acadêmicos perderão esse medo infantil dos blogs (e da internet), e contribuirão cada vez mais na divulgação, diminuindo o abismo existente. E quanto mais claro um experiente acadêmico no assunto falar e/ou criticar um tópico de ciência, mais fácil para o leigo absorver o conceito e repercuti-lo de forma correta. Ponto para a educação científica geral, sem dúvida.

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Para pensar…

– Mais recentemente, uma audaciosa sugestão foi dada pelo blog da Nature: que os pesquisadores coloquem seus dados abertos na rede, em blogs ou não. Ainda há muita relutância, principalmente por causa do roubo de dados (sim, isso é um lado horrível da ciência que infelizmente existe). Mas acredito que blogs narrando pelo menos experimentos ou técnicas que não funcionam (“troubleshooting blogs”) já seriam de uma ajuda incrível – aumentaria ainda mais a velocidade de geração de dados, porque diminuiria o tempo que muitos pesquisadores ficam quebrando a cabeça para tentar fazer uma técnica funcionar. Acho que qualquer estudante de pós-graduação da área sabe bem o quanto isso agilizaria uma tese… Será que a idéia cola?

– Li há algum tempo que blogs já são considerados em alguns campos uma vantagem para conseguir emprego. Podem ser valiosos em informações sobre o candidato de uma vaga. E na academia, será que eles influenciarão algo? Será que um pesquisador que bloga terá mais chance de crescer dentro da hierarquia acadêmica científica?

– Esse é um cross-post, minha participação do mês no Roda de Ciência.



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