China-mãe: Beijing ou Pequim?

por: Lucia Malla Ásia, China, Viagens

Pode ser simples ignorância pessoal, mas até bem pouco tempo atrás, eu acreditava que Beijing e Pequim eram cidades diferentes da China. Custou para cair a ficha de que eram a mesma coisa. E acho que isso aconteceu na época da escolha da sede das Olimpíadas de 2008.

(Beijing é o nome em mandarim. Pequim é uma derivação britânica do nome em cantonês, idioma falado na parte sul da China.)

Em Beijing

A chegada em Beijing já é em si estranha. Senti uma sensação de “você está sendo vigiada” por todos os lados. Talvez psicológico, mas o fato é que já na saída do aeroporto vimos os famosos guardinhas do Mao Tsé Tung com seus uniformes descoloridos e postura disciplinada. E era apenas o começo.

China mãe - Beijing ou Pequim

Prédio governamental na Praça da Paz Celestial.

A foto de Mao Tsé Tung “vigiando” o guarda que vigiava os turistas na Praça da Paz Celestial.

No dia seguinte, em nosso passeio pela Praça da Paz Celestial (ou Tianamen Square), em meio ao mar de turistas, lá estavam eles de novo, os guardinhas do Mao. Cuidando da foto do líder “querido”. Na famosa foto, Mao é como a “Monalisa” de Da Vinci: pra onde você olha, ele está te encarando. Ou melhor, te vigiando.

A praça é a maior do mundo, do tamanho de vários campos de futebol, e muito ampla. Aliás, Beijing é toda ampla. A cidade tem avenidas largas, ruas enormes e muitos espaços abertos. Ideal para um regime ditatorial: não há como concentrar pessoas em lugares amplos – vide Brasília. Pode ter 1 milhão de pessoas ali, vai parecer na TV que só tem 20.000. Ótima propaganda contra os “inimigos do sistema”, não?

Na Cidade Proibida

Continuamos a caminhada entrando nas vias da Cidade Proibida, maravilha arquitetônica da época das dinastias chinesas. Era considerada “proibida” porque todos precisavam de autorização do Imperador para adentrar-se por lá em épocas passadas. Vários palácios enormes feitos de madeira e sem nenhum prego de sustentação, com telhados amarelos (cor da realeza) e paredes vermelhas (cor da felicidade). Os pilares dos castelos feitos com madeira de uma árvore já extinta devido ao grande uso humano – extinguir não é novidade em se tratando de humanos. Em outra área, no Palácio de Verão, um impressionante barco me chamou a atenção: a embarcação foi toda feita com uma peca única de mármore! Inacreditável.

China mãe - Beijing - Palácio na Cidade Proibida

Um dos palácios da Cidade Proibida.

E todos os palácios, tanto na Cidade Probida como no Parque de Verão, de costas para a montanha, no mais perfeito feng-shui.

Feng-shui é uma instituição

Eles afirmam que, acreditando ou não, o feng-shui funciona. Interessante notar que a idéia do feng-shui é de que o fluxo de energia (vinda da água) corre da montanha para o mar. No caso de Beijing isso acontece no sentido norte-sul. Mas no Brasil, por exemplo, obviamente não seria assim: o tal fluxo seria oeste-leste.

Não acredito em feng-shui, mas acho interessante e divertida toda a concepção da coisa. Principalmente, acho interessante quando leio que você precisa manter o sentido norte-sul para manter o “bom feng-shui”. Imagino a “bagunça energética” que isso causa para os crédulos sem eles nem desconfiarem da razão.

China Mãe - Beijing - Dragão na Cidade Proibida

Dragão na entrada de um dos palácios de Verão. 

China mãe - Beijing - bicicletas

Adaptações e diferentes versões de bicicletas, o veículo chinês por excelência em idos passados. 

China Beijing

Detalhe de um dos muros da Cidade Proibida.

Entretanto, ao andar pelas ruas de Beijing, a sensação de enormidade vazia é constante. Será o feng-shui do lugar? Muitos prédios modernos de corporações que se infiltraram com a abertura político-econômica, com propagandas ainda tímidas, mas já existentes. Em alguns momentos, não me sentia num país ainda socialista, mas bastava olhar com mais cuidado para qualquer lugar para ver os guardinhas do Mao ali, observando tudo, fiscalizando nossos passos. E ver as bicicletas. Pouco trânsito em geral na cidade – talvez por causa do feriadão do Ano Novo Chinês.

Desigualdade chinesa

E como qualquer país que se inicia nas entranhas do capitalismo, a desigualdade é latente, mas está lá. A maioria muito pobre, uns poucos donos de tudo – e desconfio que a nova elite milionária é derivada dos ex-primeiro-escalão do comunismo, mas isso é apenas desconfiança. Fato é que a média salarial é de 300 dólares por mês em Beijing. Não sei quanto é em São Paulo, por exemplo (vergonhoso para mim, eu sei), mas para qualquer relatório da ONU, isso é pouco e problemático. Entretanto, o custo de vida em Beijing é baixo, mas vem lentamente aumentando, de acordo com os locais com quem conversamos.

Visita à Muralha da China

Muralha da China em Badaling

A Muralha da China em uma pequena parte de seus mais de 6,000 km, obra sem igual no planeta.

Há uma hora e meia de Beijing, está a atração mais popular da China: a Muralha, esse paredão no topo das montanhas, com mais de 6,000 km de extensão feito há mais de 2,000 anos (!) para proteger o antigo império de invasões mongóis. Os tijolos foram postos com uma cola feita de arroz e ervas – haja arroz! Arquitetonicamente falando, é uma obra impressionante. Não haveria pior terreno para pôr tal edificação, e eles não só o fizeram, como cobriram toda a extensão limítrofe do antigo território. Coisa de maravilha do mundo mesmo, pra babar e tirar o chapéu.

China mãe - Beijing - Barco de Mármore

O impressionante Barco de Mármore no Palácio de Verão.

O Pato de Pequim

Não saí de Beijing sem comer o famoso “pato de Pequim”, uma delícia que derrete na boca, de tão macio. Que torresmo! Pra terminar toda a estranheza do contraste entre esse tradicionalismo e a modernidade dos edifícios, outdoors com a pitada socialista da experiência, esse pseudo-capitalismo-pseudo-comunismo confuso, disse “Xié xié” (“obrigada”, em mandarim) pro guardinha de Mao da imigração, antes dele confiscar meu vinho português que tinha comprado em Macau com tanto carinho pra saborear na Coréia. Afinal, se estou sendo vigiada mesmo, que eu sorria na foto, pelo menos.

Tudo de bom sempre.

P.S.

  • A pirataria é invencível. Como resistir a DVDs de lançamentos de filmes a 1 dólar? Mas resisti bravamente, enfim.
  • Beijing está construindo vários estádios para as Olimpíadas de 2008. De acordo com as previsões, as construções estarão todas prontas em 2006, para que haja 2 anos de tempo suficiente para as árvores e gramados crescerem. Essa preocupação foi a mais inesperada que ouvi. Comentei que se fosse nos EUA, as obras se completariam um dia antes. Porque poriam grama e árvores sintéticas, que dão o mesmo efeito na TV. André completou: “Ou terminariam 2 anos antes para vender o espaço publicitário”. É, viva o capitalismo selvagem.
  • Além de Beijing, durante esta viagem visitei também outras “facetas” da China: Macau, Hong Kong e a rebelde Taiwan.


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