O bom velhinho Hermeto Pascoal (ou “Tudo de bom sempre”)

por: Lucia Malla Comportamento, Música

Natal chegando e a tradicional imagem de Papai Noel vem à cabeça da maioria dos mortais, com seu sacolão cheio de presentes e sua risada: hohohoho! Pra mim, ninguém personifica melhor o bom velhinho como Hermeto Pascoal. Afinal, em minha opinião, ninguém vive melhor o papel que ele. Com sua barba branca e o cabelo branco, o sorriso sempre no rosto, a felicidade infantil, e (nem precisa dizer) a música, seu presente maior…

Hermeto Pascoal: Gênio atual

Desenho de Hermeto Pascoal
(Desenho tirado de reportagem do Estadão.)

O “bruxo” Hermeto é um dos gênios da atualidade musical, e quem duvida disso basta procurar a opinião de grandes nomes do jazz, música clássica contemporânea, rock’n roll, blues ou bossa nova. Qualquer “figuraça” aí fora vai pelo menos citar a importância (ou até influência) do trabalho de Hermeto. Sem falar da inovação que ele trouxe à música – não só a brasileira, mas mundial. Ele expandiu o sertão. Como? Colocando os ritmos agrestes no topo de uma montanha de sons universais, valorizando cada aspecto único da aridez nordestina de forma universal.

Seus shows

E quem já teve o prazer imenso de ir a um show dele e presenciar o magnetismo que ele exerce em cima de um palco, tocando instrumentos variados e respirando e emanando música, sabe: o velhinho é porreta, mesmo! Ele tem uma alegria constante que é inabalável: passou anos cuidando de sua esposa doente (que depois veio a falecer), uma situação que para muitos seria motivo de depressão e tristeza, puro negativismo e revolta com o mundo; mas que nada!… O bom velhinho sempre vê o aspecto positivo, o som percussivo da vida, e nesse período, em seus shows e discos, estava mais positivo do que nunca! Como se quisesse dizer para todos: “Aproveitemos felizes cada momento pois não sabemos o dia de amanhã…”

(Eu me emocionei ao ler este depoimento aqui.)

Tudo de bom sempre

Uma amiga minha outro dia me perguntou por email porque eu costumeiramente terminava meus posts aqui no blog com a frase “Tudo de bom sempre“. Além de ser uma forma de desejar algo de bom a todos que lêem (e aguentam) as asneiras que eu escrevo aqui, é na realidade, uma frase do Hermeto. Eu deveria citar isso entre aspas. Porque essa frase é “colada” do livro “Calendário do Som“, um projeto que o Banco Itaú financiou em 2000 com Hermeto Pascoal.

O livro é super-interessante. A proposta era de que Hermeto escrevesse uma música para cada dia, em um ano. Algo como um blog musical, se assim quisermos pôr. E não é que o bom velhinho fez isso?? A música brota nos poros dele de forma tão natural, que “ler” suas partituras musicais nesse livro-projeto é como ler o relato de sua vida em um ano. As músicas têm a ver com o seu dia-a-dia, com a perspectiva que ele encontra de viver, com suas experiências. Tudo é claro, com o máximo da genialidade que ele sempre alcança. E em todas as páginas, ele escreve a frase “Tudo de bom sempre”. É como uma moral da história, como se dissesse todos os dias: “Estou vivo, faço música que alenta minha alma, sou feliz, e quero que todos sejam felizes comigo!”

Essa é a sensação que Hermeto passa. E podem achar besteira ou breguice ou pieguice ou sei lá o quê… Mas pra mim esse é o verdadeiro espírito de Natal.

Então, “tudo de bom sempre“.

Viagens musicais…

  • Hermeto Pascoal é praticamente cego, e foi convidado para participar do belíssimo documentário sobre a cegueira “Janela da Alma“. Ele diz em determinado ponto do filme que “enxerga com a nuca”.
  • Hermeto Pascoal nasceu em Lagoa da Canoa, Arapiraca (AL), filho de uma família pobre. Seus pais são negros, e seu albinismo foi muitas vezes discriminado em sua própria família.
  • Em sua maravilhosa mania de tirar som de tudo que se possa imaginar, presenciei Hermeto tocando “Parabéns pra você” com sua barba molhada, algo que foi aplaudido de pé por muitos minutos no SESC-Paulista. Além disso, outras bizarrices que Hermeto já tocou/musicou incluem brinquedos infantis, chaleiras e copos com água, um porco, pedras do Ibirapuera, um bandeijão da UFViçosa, um discurso do ex-presidente Fernando Collor de Mello, a conversa do público de um show (eu estava presente nesse show, e ele fez música a partir da conversa de todos!)… De quebra, toca também piano, sanfona, acordeão e flauta (entre outros instrumentos) para os mais “puristas”.
  • O nome de seus discos reflete de certa forma a liberdade sonora que ele aplica e sua visão positiva da vida e da música universal: “Só não toca quem não quer”, “A música livre de Hermeto Pascoal”, “Festa dos Deuses”, “Brasil Universo”… E se eu tivesse que escolher apenas um CD para levar para uma ilha deserta, mais nada, responderia sem pensar 2 vezes: “Festa dos Deuses” do Hermeto Pascoal.
  • Um dos grandes desejos/sonhos da minha vida é dar um abraço bem apertado nesse “Papai Noel” de verdade.


723
×Fechar