O dia em que a praia de Waikiki desapareceu

por: Lucia Malla Havaí, Mudanças climáticas, Oceanos

Nos últimos dias, tem acontecido um fenômeno natural incomum em todo o Havaí: a super-maré alta, ou king tide em inglês. Na super-maré alta, o mar chega a ficar bem acima de sua altura normal indicada na tábua de marés. Isto pode causar problemas nas regiões costeiras, como inundações de ruas, diminuição da areia das praias e erosão. O fenômeno ocorre em praticamente todos os oceanos do planeta.

E por que tal evento de repente começou a gerar tanto buzz no Havaí (e pelo Pacífico) em 2017?

Por que as king tides estão no centro das atenções no Havaí?

King tide record

Em primeiro lugar, porque este king tide do verão de 2017 está previsto para ser o maior em 100 anos de registro das marés, com a maré alta em impressionantes 70 cm (quase um metro!). Este valor é inédito no Havaí, nunca registrado tão elevado desde que se começou a medir a altura das marés no estado. Uma conjunção de fatores permite a subida tão drástica da maré nesta primavera/verão. Especificamente no king tide de ontem, contribuíram um swell relativamente grande, que trouxe ondas de até 10 pés para a costa sul das ilhas, e uma maré lunar (lua nova começando a crescente…) alta incomum. Além do aumento do nível do mar que já ocorre no mundo, claro.

O futuro é hoje

Em segundo lugar, porque se as previsões mais conservadoras das mudanças climáticas se concretizarem, a maré que vemos hoje no king tide passará a ser a maré normal. É como se estivéssemos presenciando o primeiro sinal prático do futuro que nos espera. De como será nossa região costeira com o aumento do nível do mar.

O hotel Outrigger Reef, que é pé na areia, tinha virado pé na água. Fizeram uma trincheira de areia para tentar segurar o mar de chegar na escada de seu restaurante, mas como podem ver na foto, não estava sendo muito efetiva.

Uma vítima chamada Waikiki

Em terceiro lugar, porque um dos lugares mais afetados pela king tide de 2017 será Waikiki – a praia número 1 do turismo havaiano. Já comentei antes que as previsões para Waikiki em tempos de mudanças climáticas não são muito otimistas, principalmente dada a sua importância econômica para o estado. Esta king tide de 2017 pode ser o primeiro alerta para os hotéis e restaurantes de beira de praia da região para realmente começarem a pensar em medidas sérias de mitigação dos problemas que vêm aí. Principalmente, perceber quais áreas da propriedade/costa estão mais vulneráveis e trabalhar nelas prioritariamente.

Estudo das king tides de Waikiki em tempo real

Um pedaço do calçadão de Waikiki, antes…

Waikiki desapareceu

…e depois.

Por estas razões, os cientistas havaianos estão estudando com muita atenção e carinho as king tides deste verão – e pedem a ajuda colaborativa dos cidadãos e turistas que estiverem por aqui para registrarem o impacto desta super-maré alta pelas ilhas e subirem para o site deste projeto de citizen science. O projeto, liderado pelo Sea Grant da Universidade do Havaí, tem apoio de diversas ONGs, incluindo a Surfride Foundation.

Claro, fui lá participar – e tirei umas fotos deste dia peculiar em que a praia de Waikiki desapareceu.

Waikiki desapareceu

Uma Malla em Waikiki observando a super-maré. Esta passarela fica pelo menos 50 cm acima do nível médio do mar. Normalmente está seca (ou semi-seca, molhada só dos splashs).

E daqui pra frente?

A questão é: até quando a super-maré alta será apenas peculiar? Principalmente, quando passará a ser a norma? A resposta depende de diversos fatores a que os cientistas têm se debruçado diaria e avidamente. Calculando, analisando cada peça desse quebra-cabeças climático.

Enquanto a resposta não chega, o jeito é se preparar. Coletar mais dados que tornem as previsões mais robustas e específicas. Observar e entender os fatores geradores e a interação entre eles. E principalmente pensar em estratégias eficientes para lidar com o mar ali, batendo na sua porta – e entrando sem pedir licença.

A água do mar entrou na laguna do Hilton (à esquerda na foto).

Tudo de mar sempre.

P.S.

  • O primeiro impacto já é “cultural”, digamos assim. Por causa do king tide, o Hilton Hawaiian Village ontem cancelou a tradicional queima de fogos de sexta-feira à noite. Afinal, o mar invadiu a área de onde eles soltam os fogos. Ok, é apenas um show cancelado. Mas para quem vive aqui, não deixa de dar a sensação de algo estranho no ar…

  • Enquanto o mar bate literalmente na porta dos hotéis da beira-mar e deixa este feeling de “alguma coisa está fora da ordem”, as pessoas continuam ouvindo música de ukulele e tomando seus maitais nos bares, como se nada acontecesse. E fazendo compras. Me fez lembrar aquela cena do Titanic dos violinos… República de Waikiki, né? Um mundo à parte dentro do Havaí…


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