O fim da (minha) ingenuidade ambiental

Quando há alguns meses saiu o relatório definitivo do IPCC sobre a situação climática e ambiental do planeta na atualidade, eu imaginava que as palavras contidas naquele documento tivessem impacto indelével sobre as pessoas, governos e corporações. Afinal, pensei eu, sugeriu-se com aqueles resultados que o aquecimento poderia destruir boa parte da economia do mundo, fazendo sofrer principalmente os países mais pobres, sem estrutura para administrar as consequências climáticas sinistras pressupostas no documento. O Príncipe de Mônaco (!) parece que ouviu bastante, e um ou outro governante com certeza prestaram atenção, principalmente ao terem acesso a visualizações das consequências imediatas. Tudo levava a crer que aquele seria um momento divisor de águas.

Quanta ingenuidade minha. Falou-se por alguns dias sobre o tema na mídia (ah, o hype da notícia fresquinha!…), houve algumas reportagens incômodas nos jornais, revistas e TV, com cenas dignas de filme de catástrofe – que provavelmente apenas levaram os telespectadores a mudarem de canal para um programa de auditório mais “leve” (não os culpo, a vida de gado não tem sido fácil nesses dias marcados). Mas depois dos primeiros dias, o assunto meio que “morreu”, e voltamos a prestar mais atenção ao escândalo político do dia (pelo menos, eu estava bem-acompanhada nessa constatação). E as pessoas decidiram retornar àquele estado de eterna negação e apatia tão típico de quem tem um enorme problema em mãos e não sabe como resolver. Freud deve explicar.

Ou deve dar risadas de mim, que me preocupo diariamente com as consequências do aquecimento global. Que não consigo mais aturar o gasto tresloucado de sacola plástica, como se estivesse escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos que ao nascermos temos direito irredutível, irreprovável e infinito ao uso delas. Que adquiri uma asma irritante de tanto respirar o ar super-poluído das grandes cidades, principalmente na Ásia, onde a queima do carvão ainda é a maior fonte de energia – e haja enxofre para limpar essa sujeirada toda no ar e aumentar o tempo de vida do planeta… Que fico deveras estupefata ao descobrir práticas de finning de tubarão na peixaria perto da casa dos meus pais – eu que supunha iludida que aquele recanto da minha infância estava imune à invasão chinesa faminta de barbatanas.

E, para fim total da minha ingenuidade ambiental, já há os “cansados” (para usar o termo da moda) em serem abordados por causas ecológicas. E eu, que acreditava na “benevolência humana em prol do futuro apesar dos pesares”, me sinto totalmente impotente. Porque esse cansaço é em minha opinião um sinal de desistência. O problema não é pequeno por natureza e a constatação de que já existem os que desistiram dele sem sequer analisarem ou tentarem fazer algo – quer desestímulo maior que esse? Pessoas (e alguns governos!) que se consideram ecoperseguidos, e querem garantir o sagrado direito (deles) de dirigirem sozinhos de SUV com o ar condicionado ligado no máximo, de saírem de férias sem apurrinhações “verdes” ou de poluírem à vontade pela saúde da sua economia (esquecendo da saúde da sua população, é claro). Ou de simplesmente não serem mais incomodados por nenhum “ecochato”, que relembrará exaustivamente o problema do aquecimento na Patagônia ou das populações insulares do Pacífico, primeiros refugiados ambientais da era aquecida – migrarão para onde? Eu adoraria que os que se sentem ecoperseguidos realmente pudessem viver na deles, sem que fosse preciso gastar dinheiro com campanhas ambientais nem enchê-los a paciência para salvar a Amazônia, a África ou sei lá onde, ou sequer ter contato com eles. É muito irritante o policiamento ideológico ou de qualquer tipo, eu mesma não gosto.

Infelizmente, entretanto, por mais que queiramos ser individualistas e vivermos de acordo com nossos padrões e cultura (vide os japoneses e as baleias, os chineses e os tubarões, etc.), lembro que a dura realidade é bem mais complexa por uma razão simplérrima: vivemos todos no mesmo planeta. Toda a espécie humana, sem distinção de raça, credo, estado civil ou condição financeira, divide o mesmo endereço da via láctea, e os mesmos recursos naturais. E um fato aumenta ainda mais a complexidade desse problema: a atmosfera não entende barreiras ideológicas, políticas e nem mesmo as geográficas. A atmosfera que nos circunda é uma só, e se mistura e circula sem fronteiras, sem preconceito algum, independente do que esteja nela – razão pela qual afeta a todos sem distinção. A poluição da China chega em Los Angeles, as queimadas da Rússia afetam o ar da Escócia e não há vontade política nem dinheiro no mundo (ainda) que impeçam isso de acontecer – é um fato físico. (Esse vídeo mostra melhor isso: em dado momento de 2000 o monóxido de carbono da queima da Amazônia foi parar na Antártica. Requer Windows Media Player para assistir.) Então, hoje, o degelo no Ártico pode não alterar em nada a minha vida aqui no Brasil (pode até trazer mais lucros para alguns com o turismo ou fazer ressurgir esquecidas jazidas de petróleo), mas amanhã, quando faltar o peixe na mesa para comer, o produto vai ficar mais caro e gastaremos mais com importação – se peixes houver para importar, é claro. Pior de tudo, pode ser economicamente desvantajoso ficar nessa inanição (link em pdf), porque o custo de não ter solução para esse problema pode aumentar sem precedentes. Estamos todos navegando no mesmo barco, e ele tem um buraco na proa: uns enxergam um catastrófico naufrágio e os tubarões ao redor, outros querem tapá-lo com um durex ou, pior, abstrair que o buraco não existe, é uma invenção, blábláblá. Há de se ter o bom-senso de achar a forma correta de agir, equilibrada, para que todos consigam se salvar desse afundamento. Mas é preciso agir, olhando para todos os dados, fatos e circunstâncias ao redor. Talvez haja um pedaço de madeira encostado na popa que possa fechar o buraco da proa, e essa oportunidade não pdoe ser desperdiçada.

Ninguém nunca disse que tomar conta (e cuidar) de um planeta era fácil – pelo menos, não para mim. Não nos ensinaram quando crianças – onde fui educada, pouca coisa nesse sentido era dita, uma falha educacional lastimável. Reciclagem na escola parecia um tema alienígena. (Hoje, sei que pelo menos isso mudou, e a educação ambiental está muito mais permeada pelos colégios do mundo. Felizmente.)

Mas precisamos sair dessa hipnose coletiva marasmática que acredita piamente que um cientista genial virá daqui a um, dois ou 10 anos com uma solução de pirlimpimpim pro problema humano do aquecimento global – sim, porque já não podemos culpar o sol por isso. O milagre da idéia revolucionária que fará o planeta voltar a ter o ambiente de séculos atrás, quando havia ainda esperanças de recuperação que não afetassem a rotina humana. Desculpe-me os iludidos de todas as classes, mas o pó de pirlimpimpim cada vez mais escasseia: precisaremos sair da nossa zona de conforto se quisermos melhorar um pouco as condições para nós. E pessoalmente acho também que por respeito aos que vêm por aí. Cada um terá que fazer a sua parte, sim: hoje, amanhã e depois e muito tempo depois.

E é apenas isso que se pede: a sua parte. Não é tão difícil: o RadioHead conseguiu, a Adobe conseguiu, a Honda (uma empresa de carros!) conseguiu. Acho que até os mais cansados conseguem, não? Basta ter ânimo para querer mudar, sem se deixar distrair com o “ruído de fundo” das ecocelebridades – entenda o papel delas. Ou basta ter vontade de sonhar que o bebê de hoje seja um adulto de um mundo mais “vivível” amanhã. Não é essa a melhor herança que um pai pode dar a seu filho: um planeta melhor?

Acho que a minha ingenuidade perdida se transformou em esperança ativa… e não é a vida resultado de contínua adaptação?

Tudo de bom sempre.



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