Sexta Sub: boto rosa na Mergulho

por: Lucia Malla Amazônia, Animais, ArteSub, Brasil, Mergulho, Sexta Sub

Eis um boto rosa.

Boto rosa

Qualquer semelhança…

não é mera coincidência!

A Sexta Sub hoje investe na auto-promoção. Porque a revista Mergulho de outubro de 2008 tem na capa um boto rosa fotografado pelo André em Novo Airão, numa reportagem escrita por essa que vos fala. Já contei essa aventura aqui no blog antes. Aliás, ela é alvo de uma certa polêmica. Se você quer ler mais sobre esse mamífero fluvial, a reportagem pode ser encontrada aí embaixo! 🙂

Tudo de sub sempre.

P.S.

  • A mesma história apareceu na edição do mês de setembro da revista Unterwasser. Em alemão.

 

Flipper Amazônico

Os 115 km de Manaus até Novo Airão, à noite, pareciam uma eternidade. Apesar do asfalto novo, as rodovias AM070 e AM352 de vez em quando nos surpreendiam: ora uma cutia atravessava, ora eram os olhos brilhantes de algum bicho não-identificado que se embrenhava na floresta ao redor. Já passava da meia-noite quando finalmente chegamos à cidade de Novo Airão, conhecida pela possibilidade de interação humana com um dos animais mais famosos da Amazônia: o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis).

O boto rosa de Cousteau

Chamado pelos locais de boto-vermelho, o animal é endêmico dos rios amazônicos de água escura e está ameaçado de extinção. Não se sabe ao certo quantos botos-rosa existem na Amazônia, mas sabe-se que as populações vêm diminuindo paulatinamente. O boto rosa foi popularizado na mídia por Jacques Cousteau, quando este viajou pela região a bordo do Calypsono início da década de 80 – expedição que resultou no belíssimo livro “Jacques Cousteau’s Amazon Journey”. Cousteau encontrou o boto rosa no rio Madeira.

Fotografá-lo não é fácil, e Cousteau sabia disso. Afinal, o bicho é veloz, arredio, agressivo e a visibilidade do rio não passa dos 30 centímetros. Para ter imagens subaquáticas do boto rosa, Cousteau resolveu o problema construindo um “cercadinho” provisório no rio Arapiuns. Esta atitude hoje seria talvez condenada pelos ambientalistas. 

Controvérsia ambiental

Entretanto, anos depois outra controvérsia ambiental se desenvolveria – dessa vez ali, em Novo Airão, onde estávamos. D. Marilda Medeiros, dona de um restaurante à beira do rio Negro, começou a alimentar com restos de peixe o boto-rosa que aparecia no fundo de seu flutuante. A atividade colocou Novo Airão no mapa do turismo de vida selvagem e hoje, para desespero dos ambientalistas que vêm na oferta de peixe fácil uma perturbação ao padrão biológico natural do animal, vem se propagando em inúmeros resorts de selva da região.

A área onde D. Marilda exerce sua atividade é parte da estação ecológica de Anavilhanas. O IBAMA,  apesar de recriminar a atividade, não pune completamente por uma questão cultural. Afinal, as pessoas que moram na Amazônia são mais próximas da natureza. Para minimizar os impactos de sua atividade, a senhora criou o projeto “O Encanto vem das águas”, que colabora na preservação do boto-rosa. Além disso, o projeto educa a população local a não matar o boto para usá-lo como isca de pesca ou em rituais de magia negra. É portanto uma tentativa positiva de não deixar o animal desaparecer de vez da região.

O freguês rosa

Em Novo Airão, a constância da oferta de peixes gerou um grupo de condicionados “fregueses” botos-rosa. Este grupo freguês todas as manhãs se aproxima do flutuante para se alimentar facilmente. No início, porém, eram poucos que ali apareciam. Com o tempo, o grupo aumentou. Hoje cerca de 10 indivíduos aparecem cada vez que alguém bate na água do rio com um peixe morto. 

Eram esses botos específicos que queríamos encontrar. Na chegada de madrugada à cidade, cansados, rumamos direto para a pousada. No dia seguinte, às 8 da manhã fomos a uma peixaria local comprar pedaços de peixes para servir de chamariz pro boto. 5 reais por uma sacola cheia. De lá enfim direto para o portinho. 

O flutuante ainda estava fechado, mas uma moça (que depois descobrimos ser a filha de D. Marilda) nos disse que se quiséssemos ver e nadar com o boto rosa, precisávamos comprar peixes do restaurante dela: 15 reais pela mesma quantidade que já tínhamos na sacola. Aceitamos, já que aquela parecia ser a única alternativa de acesso ao boto – o peixe, portanto, serve como um “ingresso” à atração natural. A moça foi então para a beira d’água, nos fundos do flutuante, para “chamar” o boto-rosa. Foi nesse momento que percebemos um detalhe deveras desanimador: a poluição da água do rio.

Para nadar com o boto rosa

A superfície da água do portinho tinha manchas enormes de óleo combustível, provavelmente derramado pelas inúmeras embarcações que atracam ali. Para conseguir fotos do boto-rosa embaixo d’água, portanto, era necessário encarar aquela poluição. 

O carisma do boto entretanto é enorme quando o vemos se aproximar. Tanto que quando percebemos, já estávamos molhados, com água até a cintura. Os botos-rosa circulavam ao redor, esperando sobretudo seu peixe. Nadavam, pulavam para fora da água, emitindo grunhidos e fazendo pequenas acrobacias. Entretanto, seu corpo pesado e as vértebras separadas no pescoço não permitem grandes saltos. Mas por outro lado dão maior flexibilidade e facilidade para manobras intricadas, entre raízes e a vegetação subaquática da floresta inundada, onde normalmente vai caçar seu alimento.

Por que o boto é rosa?

Boto rosa subaquático

É também durante a caçada num ambiente cheio de “obstáculos” naturais que o boto-rosa acentua sua coloração. O rosa é resultado da proximidade de seus vasos sanguíneos à superfície do corpo. Em geral, os botos nascem mais cinzentos. À medida, entretanto, que se arranham na vegetação ou brigam uns com os outros por comida, território ou fêmeas, perdem camadas da pele e ficam mais “rosados”.

A água escura do rio também contribui para acentuar a nossa percepção cromática do animal. Porque funciona como um filtro fotográfico amarelado, tornando o animal ainda mais rosa embaixo d’água.

As diferenças de tonalidade são fáceis de ver quando interagimos com o boto em Novo Airão. A cada salto, percebe-se a variação: os botos mais velhos são mais rosas, porque já estão com a pele mais gasta, e os botos mais novos são mais cinzas. Além das marcas profundas que alguns deles tinham, fruto de brigas travadas com outros da espécie.

Comportamento do boto rosa

Eis, aliás, a surpresa por trás da carinha bonita: o boto-rosa é um animal agressivo. É também um animal solitário. Ele, afinal, só se agrega no período reprodutivo quando as brigas pelas fêmeas ficam ainda mais violentas.

Seu comportamento de corte é muito peculiar. Recentemente foi demonstrado que os machos podem se utilizar de adornos na cabeça ou nas nadadeiras (feitos com pedaços da vegetação do rio) para se destacar dos demais machos e aumentar suas chances de atrair a fêmea. Esta uma vez inseminada gestará por 10 a 11 meses, até os filhotes nascerem. O que ocorre principalmente entre junho e setembro, período em que as águas da floresta inundada estão abaixando. Os filhotes ficarão por cerca de 2 anos com a mãe. Depois partem para suas vidas solitárias pelos rios da Amazônia.

Boto rosa na Mergulho

Nadando no portinho de Novo Airão, enquanto há peixe para ofertar, há boto-rosa nadando entre a gente, brincando, esbanjando simpatia, esquecendo um pouco sua agressividade natural. A “brincadeira” acaba quando os peixes acabam. Aos poucos os botos se vão, de volta pras águas escuras do rio Negro. Mas felizmente deixam conosco a lembrança carismática da necessidade de sua preservação. 

Dicas da autora

Novo Airão fica em frente ao arquipélago de Anavilhanas, o maior complexo de ilhas em água doce do mundo, com cerca de 400 ilhas. Um passeio imperdível para quem quer conhecer uma jóia rara dentro da Amazônia. Reserve um dia pelo menos para esse passeio. Há algumas lojas de artesanato indígena por toda a área, com peças inusitadas feitas de açaí e outras sementes nativas, que valem a pena.

Como chegar

As rodovias AM070 e AM352 conectam Manaus a Novo Airão e estão em ótimas condições de asfalto e sinalização. Em cerca de 3 horas você chega por elas até Novo Airão. Agora se você quiser se aventurar um pouco mais e viajar como a população local, vá de barco tradicional, saindo do porto de Manaus. O trajeto pelo rio leva 18 horas.

Onde ficar

A modesta pousada Bela Vista à beira do rio Negro é a melhor opção se você quer ficar bem perto do restaurante dos botos. A falta de conforto é compensada pela simpatia da dona, uma alemã sorridente que está sempre pronta a ajudar os turistas de qualquer parte do mundo.

Iguana verde da Amazônia

Curiosidade

Na entrada de Novo Airão há uma estátua lembrando que a cidade é também do peixe-boi-amazônico. Junto com o boto-rosa, são os animais-símbolo de Novo Airão.

Foi o boto!

Uma das lendas mais tradicionais entre os ribeirinhos da Amazônia brasileira envolve o boto-rosa. Acredita-se que em noites de baile, ele se transforma num rapaz muito bonito à noite e sai do rio para galantear mocinhas da região, de preferência as mais bonitas. Escolhe uma delas e dançam juntos a noite inteira. Ele nunca tira o chapéu, para que não descubram que ele é o boto – o chapéu encobre o buraco na cabeça, de onde saltam peixinhos. Depois do sol raiar, o rapaz vai embora e volta pro rio. Ainda hoje, muitas moças solteiras da Amazônia ao engravidarem afirmam que o pai “é o boto”. 



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