Sobre as novas diretrizes de nutrição de vitamina D

por: Lucia Malla Biomédicas, Ciência, Molléculas da vida

Escrevi um comentário meio longo no meu GReader quando li uma notícia do Endocrine Today, que comentava sobre as novas diretrizes nutricionais para o consumo de vitamina D. Estas diretrizes já estão publicadas, mas foram intensamente discutidas durante o último congresso de Endocrinologia, em Boston, do qual participei. Como acho o tema de nutrição de vitamina D interessante, resolvi trazer a reflexão para cá, e expandi-la.

Sobre a crise de deficiência de vitamina D

Há um certo consenso na comunidade médica de que atravessamos no mundo inteiro uma “crise” de deficiência de vitamina D. Sem vitamina D, apenas 10 a 15% do cálcio que você ingere é absorvido pelo seu organismo, o que é muito pouco. Mais: a deficiência de vitamina D estaria ligada a um maior risco de desenvolver câncer, síndrome metabólica, infecções e outros quejandos nada agradáveis. O principal problema apontado pelos pesquisadores eram as próprias diretrizes, que consideravam como “normal” um nível de vitamina D diário que hoje os mesmos pesquisadores reconhecem ser deficitário.

As novas diretrizes pedem que sejam testados os níveis de vitamina D no sangue dos grupos “de risco”: mulheres grávidas ou que estejam amamentando, crianças e adultos obesos, indivíduos que estejam em terapia anti-HIV, pessoas com osteoporose e outros problemas ósseos, indivíduos que estejam tomando corticóides, crianças e adultos negros e/ou hispânicos. Antes, o consumo adequado era de 400 unidades internacionais (UI)/dia, o que chegaria a ~20 ng/ml no sangue. Hoje, esse é o mínimo para bebês de até 1 ano – para adultos, pode ser de 600 a 1000 UI/dia, para que se consiga alcançar pelo menos 30 ng/ml no sangue. (Os números corretinhos variam de acordo com a idade e o grupo de risco de cada um. Veja neste texto aqui os valores atualizados.)

Mudar é preciso

Há inúmeras razões para tal mudança. Por exemplo, estudos recentes mostraram que os remédios para osteoporose são muito melhor absorvidos e eficazes nas pessoas que não têm deficiência de vitamina D – a mesma dose do remédio é menos eficiente nos deficitários, ou seja há algum tipo de interação, direta ou indireta, da droga com a própria vitamina D. Outro estudo mostrou que obesos, por terem mais gordura corporal, “sequestram” a vitamina D nas suas células de gordura, e com isso não deixam que a vitamina D fique disponível ao resto do corpo para funcionar na absorção do cálcio – a vitamina D é lipossolúvel, ou seja, se dilui fácil em gordura. Com isso, os obesos ficam deficitários, mesmo que sua dieta seja normal em vitamina D.

Há também um terceiro estudo que mostrou que mais de 50% dos negros e latinos adolescentes da região de Boston são deficientes em vitamina D. Isto se deve à quantidade de melanina na pele, já que a melanina é um bloqueador natural dos raios UV do sol. Como a vitamina D precisa dos raios UV para ser convertida da forma inativa para a ativa no corpo, os indivíduos com mais melanina estão em maior risco de se tornarem deficientes em vitamina D – e os pesquisadores pedem que os médicos olhem com muito carinho para esse grupo de pacientes até então negligenciado.

Nas entrelinhas das novas diretrizes de vitamina D

Mas o que eu achei mais interessante é a revelação nas entrelinhas que as novas diretrizes trazem. Explico.

A vitamina D é rara naturalmente. Poucos alimentos têm. Em geral, derivados do leite, frutos do mar e peixes de água salgada – todas fontes de origem animal, entenda-se. O primeiro ponto é que tenho percebido entre as sociedades médicas e de nutrição nos seus congressos uma certa “angústia” no ar com os vegans, as pessoas que não comem absolutamente nada derivado de animal. Por ser uma dieta recente, que vem crescendo bastante e muito mais pautada em filosofia que em nutrição em si, pouco se sabe sobre como todas essas diretrizes funcionarão em corpos que estão em outro “baseline” alimentar. Como as interações ocorrerão. Como estes organismos se adaptam aos nutrientes em que estão deficitários. Quais as consequências a longo prazo.

Há um grande ponto de interrogação no momento entre os pesquisadores das biomédicas de nutrição. A “angústia” deriva, enfim, dessa total falta de preparo para incorporar tal dieta no leque de pesquisa. Pessoalmente, acho que nos próximos 5 a 10 anos, muito aprenderemos sobre a incidência de certas doenças e a proteção a outras que a dieta vegan pode trazer/causar. É um campo nascente. Pros que curtem biomedicina, vale ficar de olho.

Um outro ponto que acho interessante tem a ver com nossa visão geral das coisas que esse pequeno “imbroglio” científico da vitamina D exemplifica bem.

A crise do tudo ou nada

A melhor fonte de vitamina D é o sol. E a maior causa da deficiência é a falta de exposição ao sol. Nós temos naturalmente na pele os precursores para síntese de vitamina D. Basta que raios UV incidam sobre a pele que… puf! Teremos vitamina D. (Ela é sintetizada na forma ativa em 2 passos, depois da pele: um no fígado e outro no rim. Mas o start do sol é crucial.)

Mas de uns anos para cá, o sol, de amigo inseparável virou arquiinimigo das pessoas: envelhece, faz crescer sinais, dá câncer de pele, etc. Para se proteger do sol, as pessoas se melecam de protetor solar dos pés à cabeça antes de sair de casa. Vestem então chapéus, e se cobrem todas, sem um milímetro sequer de pele exposta. Na Ásia, aliás, há quase uma paranóia coletiva para se manter a pele branca e não se expôr ao sol. E com isso, as peles não recebem UV, não produzem vitamina D, e a longo prazo, temos um aumento significativo do risco de desenvolver certos tipos de câncer, aterosclerose, osteoporose e outras patologias.

E aí vem meu ponto. É esse “preto ou branco”, 0 ou 100, que eu repudio. Essa falta de meio-termo, de equilíbrio. Essa ponta do iceberg que a mentalidade “sol faz mal??? Então melhor sol nenhum” faz emergir. Essa coisa de não pensar em doses, em tempo de exposição, em melhor horário, etc. De não racionalizar. Porque as coisas têm que sempre ser tudo ou nada – vejo isso com mais força nas questões de saúde, talvez porque lide mais com elas na minha rotina. Mas sei que tal mentalidade permeia os mais diversos âmbitos da vida em sociedade.

Afinal, o que são 15 minutos de sol?

Não, não estou advocando que as pessoas deixem de usar protetor solar, de jeito nenhum; os benefícios demonstrados na prevenção de câncer de pele pelo seu uso são bem sólidos cientificamente. Mas tudo que você precisa para manter seu estoque de vitamina D normal são 15 a 30 minutos de sol por dia. Só isso. Mas nem isso parece que as pessoas têm conseguido, dado que se diagnosticou uma crise (!) de deficiência em vitamina D, como falei lá em cima.

Veja bem, ninguém disse que você não precisa ser produtivo nesses 15 minutos de sol… Nem se falou a hora do dia para você tirar esses 15 minutos. Como sabemos, o sol da manhã e do fim da tarde é super-saudável exatamente por ativar a produção de vitamina D sem causar maiores danos à pele – entenda-se, risco de câncer de pele. Apenas precisa expôr um pouquinho a sua pele. Bem pouquinho mesmo.

Mas… Que sociedade é essa que nós criamos em que uma pessoa não consegue tirar 15 minutos do seu dia para… Tomar sol? Em queboa parte das pessoas precisa ficar indoor o dia todo, para ser considerado produtivo? E que cultura de medo irreal é essa incutida que faz as pessoas não se sentirem seguras saindo de casa sem protetor solar – mesmo que seja apenas por alguns minutos?

Fica a reflexão. De preferência, sob o sol que brilha lá fora. 🙂

Nutrição de vitamina D

Tudo de bom sempre.

P.S.

  • Mais sobre a nutrição da vitamina D e obesidade no sempre ótimo Obesity Panacea.
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