Brasil: 15 discos

Eu já havia comentado antes o quanto eu adoro detestar listas e rankings, por saber o quão volúveis e passíveis de erros elas são. E essa é a graça profunda da brincadeira, essa discussão infinita onde no fundo ninguém está certo, porque é uma questão de gosto pessoal.

Pois bem, aí vem o Idelber e sugere uma blogada coletiva com a lista dos 15 melhores discos de música brasileira pós-1950 (!) e com direito a prêmio e tudo o mais. Complicou demais para mim. Música é parte integral da minha alma, é algo tão importante quanto o ato de viajar, no meu universo! É pra lá de difícil fazer uma lista SÓ com 15 discos, porque eu sei que vou deixar muito disco que eu adoro de fora. Mas pensando melhor, até que o Idelber foi bonzinho e facilitou a escolha colocando a restrição da música brasileira, porque se fossem discos em geral, aí mesmo que eu estaria lascada. Não ia poder deixar de fora uns 5 discos do Miles Davis, mais uns 3 do Zappa, o meu Stockhausen querido e todos do Jaco Pastorius, do Charlie Parker e do Pat Metheny – até o minimalista “Zero tolerance for silence” entra na minha lista. Música é um assunto complicado.

Enfim, depois de pouco pensar – decidi que ia fazer meu ranking de sopetão, pra evitar divagações que me levariam a aumentar em mais de 1000% o conteúdo da mesma – estou imediatamente postando. Sim, porque se eu deixar até segunda-feira, o mesmo problema acima citado volta: eu vou querer incluir mais uns trocentos discos. E depois da lista pronta, eu cheguei a uma constatação inegável: eu realmente tenho um gosto musical muito estranho.

Aí vão meus 15 discos selecionados como melhores da música brasileira:

1) “Festa dos Deuses” (Hermeto Pascoal e Grupo) – Eu chamo esse disco de “disco-ilha deserta”. É aquele que eu levaria comigo pra uma ilha deserta se só pudesse levar um cd nesse delírio. É o melhor disco do planeta, arranjo, composição, músicos, genialidade do Hermeto, o discurso final, a improvisação, tudo, tudo, tudo, tudo!

2) “Água” (Trio Água) – O Trio Água é formado por Chico Saraiva, Edu Ribeiro e José Nigro, e oferece a mais promissora música instrumental da década. O carinho e a delicadeza do encarte, a poesia dos arranjos, a sutileza do Edu Ribeiro na batera… aliás, ele é o maior baterista que surgiu nos últimos tempos no Brasil, e a gente ainda vai ouvir falar muito dele, tenho certeza. O disco todo é superbo, mas em particular eu gosto da música “Ano Novo”.

3) “João” (João Gilberto) – Eu sei, ele é o chato do século, mas é um gênio, inovou em tudo na época, e para mim, esse disco é a síntese de uma carreira sólida e criativa. Eu o valorizo demais, e tenho uma verdadeira paixão por esse disco em particular.

4) “O tempo não pára” (Cazuza) – A versão ao vivo é simplesmente perfeita. Todas as músicas são notavelmente cruas, cheias da acidez puntual de Cazuza. Ideologia, eu quero uma pra viver.

5) “O silêncio” (Arnaldo Antunes) – A voz do Arnaldo Antunes é orgasmática. O meu poeta predileto da atual geração, que fez um showzaço desse cd em Ouro Preto, com direito a poema sobre a cidade e tudo o mais, e uma banda mais 10 ainda, com Pedro Ito na batera e Edgar Scandurra em sua guitarra canhota. Minha música favorita nesse disco é “E estamos conversados”.

6) “Babel” (Pau-Brasil) – Que projeto musical mais delicioso foi o Pau-Brasil! Rodolfo Stroeter e Marlui Miranda juntaram-se a Teco Cardoso, Lelo e Ze Eduardo Nazario para nos presentear com uma das maiores riquezas musicais do Brasil enraizado, o Brasil esquecido, o Brasil cheio de tons e sons naturais. Emocionante esse disco.

7) “Raio X” (Fernanda Abreu) – Eu adoro a Fernanda Abreu, acho que ela tem toda a vibração do Rio de Janeiro e um swing que ninguém mais tem. Ela é a única que consegue afirmar categoricamente “Sou carioca” e fazer você sentir isso lá no fundo do coração. Nesse disco, parece que ela pôs todo o swing pra fora de uma vez só, e conseguiu homenagear de forma mais calorosa ainda essa cidade maravilhosa, dando de lambuja um dos melhores representantes da música pop de qualidade da minha cdteca.

8) “Quarteto Novo Ao Vivo” (Quarteto Novo) – Essa foi a primeira banda “grande” do Hermeto Pascoal, e é nesse disco que está o meu clássico dos clássicos “O Ovo”. O disco foi recentemente relançado, e não dá pra não sentir a genialidade dos músicos. Ali nascia para o mundo o sertão universal de Hermeto Pascoal, o maior nome dos intrumentos de todos os tempos. E ponto final.

9) “Samblues” (Juarez Moreira) – Esse ilustre desconhecido guitarrista juntou grandes instrumentistas do Brasil todo e produziu essa obra-prima cheia de ginga e emoção. Eu ouvi esse disco uma vez, me apaixonei, comprei e nunca mais me separei dele. Essa história de amor já dura 10 anos, e eu tenho minhas dúvidas se um dia acabará. Duvido.

10) “Abrigo” (Marina Lima) – Os amantes de Tom Jobim (eu incluída) que me perdoem, mas a versão de “Samba do Avião” desse disco é a melhor existente. Completamente antenada, esse disco é alegre, cheio de vida, uma Marina recuperada das trevas do ostracismo. Vários arranjos legais, uma voz deliciosa. Nota 10.

11) “Alma” (Egberto Gismonti) – Esse disco é maravilhoso. Não simpatizo com o Egberto Gismonti, suas frescurites no palco são quase sempre irritantes, mas não há como negar que esse disco é um clássico, é todo bom, e de uma sonoridade brasileira de tirar o chapéu. “Palhaço” é a melhor de todas.

12) “Clara Crocodilo” (Arrigo Barnabé) – Como não colocar o cantor do “balcão de fórmica vermelha”? Clara Crocodilo é uma ópera (pós)-moderna, genial. É difícil não comparar o Arrigo com o Zappa de “Uncle Meat” nesse disco. E pra mim, que tive o prazer de participar lá, berrando e delirando no chão do SESC Ipiranga, da regravação ao vivo desse clássico, é impossível não fazê-lo constar entre esses 15.

13) “Moro no Brasil” (Farofa Carioca) – Um frescor de swing novo na área. Foi com essa percepção que eu ouvi pela primeira vez o Farofa Carioca, que imediatamente foi pra minha lista de favoritos, de onde até hoje não saiu. Muitos detestam o Farofa, mas eu achei o trabalho único deles fantástico. Retrataram o Rio de Janeiro como só a mestra Fernanda sabe, sendo que com mais pitadas de humor e sarcasmo.

14) “A Sétima Efervescência” (Júpiter Maçã) – Como deixar de fora meu “ídalo” trash lisérgico total? (Trash lisérgico é uma definição minha, não consta nas enciclopédias musicais.) Não dá, Júpiter Maçã (ou seria Jupiter Apple?) é detentor da vaga de melhor psicodélico do Brasil. “Miss Lexotan”, “As Tortas e as Cucas”, “The Freaking Alice”, “Querida Superhist X Mr. Frog”, “Eu e minha ex”… nossa, todas as músicas desse disco são muito trash – e muito legais!! Assisti ao Júpiter Maçã duas vezes ao vivo em Sampa (em uma delas foi no meio dos delírios londrinos dele) e só quem conhece a figura pode entender o quanto ele é uma demonstração da música brasileira que quer ser e não é. Eu adoro o Júpiter Maçã, com toda a sua irreverência.

15) “Carne Crua” (Barão Vermelho) – Esse é um dos melhores discos de rock’n roll do Brasil. Eu não consigo imaginar outro que tenha tido tal impacto no meu ouvido. Seremos macacos de novo.

Tenho ou não tenho um gosto musical pra lá de estranho? Será que tem conserto pra isso?

Tudo de bom sempre pra todos sonoramente ligados.



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