Hoje de manhã cedo, a boa surpresa do novo endereço do blog do Idelber. E ele, já todo embalado no verdadeiro sentido do termo BLOGAR, presenteou a todos os cidadãos da blogosfera com o valiosíssimo “Decálogo dos Direitos do Blogueiro”, que, de forma não-oficial mas muito pertinente, define o que seriam os direitos daqueles que blogam.
É óbvio que se sente incorporado à ele quem quiser – e eu me senti, pela clareza, bom-humor e visão abrangente da natureza de um bom blog, cuja intrínseca função é de informar, gerar discussões construtivas, abobrinhar ou coisa que o valha (tudo no mais livre critério do Homo sapiens que acessa o login do endereço, é claro), mas sempre com prazer, liberdade e frescor. Parabéns ao Idelber, e em reforço ao que considero já um documento virtual, coloquei o selinho aí na coluna da direita, como indicativo da diretriz que um bloguinho sem rumo de uma Malla perdida nesse mundão pode ter.
Meu blog no ecossistema blogal
E ler o decálogo me fez parar e pensar sobre o blog em si, algo que pouco faço, pra falar a verdade. Meu blog nasceu da necessidade pessoal de narrar fatos, viagens e acontecimentos ligados a lugares do mundo, muito mais que polemizar. Se esse blog tem uma madrinha-criadora-sem saber, essa posição única e estritamente é da Liliana, que me encantou com sua verve escritora e suas histórias sobre Hong Kong, me fazendo enxergar o quanto o canal “blog” poderia ser frutífero às minhas frustrações de escrita.
E se esse blog teve uma função inicial clara na minha cabeça, essa foi: mostrar a amigos e familiares o que ando fazendo/vendo/vivendo pelo mundo afora. E como já expliquei anteriormente, ele funciona muito mais como uma rua de paralelepípedos tortos para o meu subjetivo, normalmente tão esmagado pela minha profissão de caráter “racional-objetivo” extremo.
Com o tempo, o blog cresceu no meu mundinho, novas amizades virtuais surgiram (um dia ainda quero comer pastel e caldo de cana com todos os “novos amigos” que compartilham suas viagens por aqui – os “velhos amigos” já sabem que esse desejo é uma realidade nas raras, emocionantes e inesquecíveis oportunidades quando os vejo), e principalmente descobri novos blogs, interessantes, criativos, instigantes – meus favoritos estão linkados aí do lado. Eu adoro essa interação via blog, principalmente por saber o quanto ela pode trazer bons frutos – já traz para mim, me permite bons sorrisos, reflexões e risadas.
Devorar o mundo
Aí comecei a pensar mais umbigamente ainda no sentido do título do meu blog. Além do trocadilho barato com meu apelido cunhado pelo amigo Chico nos tempos de faculdade (demonstrativo da minha “inapetência publicitária mercadológica intrínseca”), ele reflete a minha visão de MUNDO: ele está aí, aberto a todos, e pensando positivamente querendo ser descoberto pelos que estão a fim de descobri-lo, pelos que não se intimidam perante o novo, o desconhecido.
E eu quero devorar o mundo, conhecer cada recanto, poder por exemplo ao pensar em Taiwan e sua situação política, lembrar das ruas de Taipei, fazer um julgamento baseado na informação formal que a mídia fornece acrescida/instigada pelas minhas impressões próprias das pessoas do local e do que vivi por lá. Ou seja, viver o mundo: nada mais libertador para mim que esse sentimento de cidadã do mundo.
Entretanto, sou cidadã brasileira. Essa é minha nacionalidade, dada pelo fato de eu ter nascido, crescido e vivido no Brasil, ter costumes brasileiros, falar português do Brasil e não ter parentesco algum que me permita sequer cogitar em outro país como “pátria-mãe”. Em conversa casual num jantar da empresa ontem, descobri que na Coréia do Sul, por exemplo, filhos de estrangeiros nascidos aqui não podem por lei ser registrados como coreanos. Serão registrados na embaixada que lhe couber como cidadãos, do país dos pais. No Brasil, a lei é diferente: qualquer pessoa que nasça no Brasil já é um cidadão brasileiro, e ponto final. Basta nascer.
Os verdadeiros cidadãos do mundo
Fiquei curiosa, e fui pesquisar mais abobrinhadas sobre cidadania (no sentido de nacionalidade, não no sentido de civilidade). Descobri uma situação vivida por mais de um milhão de pessoas atualmente: elas não têm cidadania alguma. São chamadas em inglês stateless. Por diferentes motivos vivem num limbo legal, onde você não tem deveres (não paga imposto algum, por exemplo), mas também não tem direitos estabelecidos.
Cidadania é um direito garantido pelo Artigo 15 da Declaração de Direitos Humanos. A maior parte dos “sem-cidadania” estão assim por razões políticas, são refugiados, asilados políticos, e são cidadãos do mundo à força – nada à força funciona muito bem. Existe um tribunal das Nações Unidas responsável por lidar com essas pessoas, e não vou entrar no mérito da questão, porque quero brevemente refletir sobre os que ESCOLHEM ser “sem-cidadania”.
A pessoa pode escolher perder a cidadania que possui – é uma brecha legal. Por exemplo, se um bebê nasce em território ou águas internacionais, poderá ser registrado na cidadania dos pais ou da bandeira da embarcação onde o bebê nasceu, e aos 18 anos, terá que escolher a cidadania que quer seguir. A escolha não é totalmente aberta, é claro, e normalmente só é permitida à pessoa a cidadania dos pais. Entretanto, se os pais forem “stateless”, o bebê não terá vínculo algum com país algum. E aí? Tentei buscar a solução desse problema legal, e não achei. Há casos de crianças nascidas na Antárctica, um território sem dono oficial, mas a essas crianças foi dada a cidadania dos pais, que refletiam a base de pesquisa científica onde estavam em terras geladas austrais.
A maior parte dos pouquíssimos casos de “stateless por escolha” são pessoas que vivem em barcos, viajando pelo mundo, e que querem evitar pagar impostos, ter uma vida totalmente “livre”. Entretanto, para esses casos exóticos de verdadeiros “cidadãos do mundo”, os direitos são restritíssimos e a maior parte dessas pessoas termina na situação oposta a desejada: a “prisão” de não ser de lugar algum. Todo país tem o direito de negar a cidadania a alguém.
Portanto essas pessoas terminam por pegar a cidadania conveniente ou aquela burocraticamente mais fácil. (Qualquer pessoa com uma conta corrente polpuda por exemplo numa ilha caribenha pode pedir cidadania da ilha – eles não vão negar, provavelmente, visto que o dinheiro ainda move a humanidade.) E assim os “stateless por escolha” viram cidadãos de algum lugar, deixando de ser prisioneiros da sua liberdade para voltarem a ser prisioneiros, mais uma vez, do estado a que estão atrelados por seu passaporte.
Cidadã brasileira do mundo
E é como uma cidadã brasileira com um pé no mundo, o outro fincado no Brasil, com o espírito sapiente de “cidadã do mundo” livre da real prisão que é o sê-lo, como dona de um passaporte verde-amarelo ávido de carimbos de outras praias, montanhas e urbes para coletar mais informação e conhecimento que nutram meus neurônios desgastados, que esse blog passou a existir mais ainda dentro de mim como uma grande viagem prazeirosa de volta ao mundo na maionese.
Que valha acima de tudo a frase do Idelber em seu decálogo: “Mais bobagem que certas revistas semanais blog nenhum conseguirá dizer.”
Tudo de bom sempre para todos os cidadãos do mundo – até aqueles que nunca saíram de seus vilarejos reais ou utópicos.
P.S.
Fazer ciência é uma atividade cara de se exercer e mal-remunerada, no mundo todo. Este é um fator pelo qual eu poderia até me desculpar de não ficar no Brasil: a miríade científica brasileira e os investimentos destinados à pesquisa ainda são infelizmente irrisórios comparados aos demais países. Dura realidade e boa desculpa. Um blogueiro esperto, entretanto, não caiu nesse papo de não ter emprego no Brasil. E matou sem saber a charada da minha escolha de cidadã do mundo, dizendo simples e definitivamente:“(…) o que não tem é como apagar a vontade de ver o mundo.”