por:
Lucia Malla
Antigos, Ásia, Brasil, Ciência, Coréia do Sul, Política, Tecnologia
Publicado
18/05/2005
Passeando pela rede outro dia, achei esta página do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com um pequeno documento sobre a política de biotecnologia na Coréia do Sul, com referências para algumas características da mesma política no Brasil. Afinal, o assunto é um tema da agenda internacional brasileira para o futuro – pelo menos é assim que está sendo referido no site do ministério.
Logo de cara, a seguinte frase do ministro de Ciência e Tecnologia coreano me chamou a atenção (traduzida por mim):
“Tecnologia é um jogo para o rico e um sonho para o pobre, mas uma chave para o sábio.”
Sábio, realmente. E no decorrer do documento, disserta-se sobre a evolução da política científica coreana, com muitos números e percentagens, desde a década de 60.
Fases do desenvolvimento tecnológico coreano
Mas o que realmente me fez parar e refletir foi o trecho seguinte no item 3.1:
“Ao examinar a evolução da atividade de biotecnologia na Coréia pode-se constatar que o seu desenvolvimento ocorreu em três grandes fases, a saber (Rhee, 2000):
- durante a década de 80 – fase de alavancagem. Nesta fase, principalmente, a comunidade técnico-científica e o governo lideraram as várias iniciativas para desencadear o desenvolvimento da biotecnologia na Coréia. (…)
- durante a década de 90 – fase de decolagem. Com o desenvolvimento da biotecnologia e áreas correlatas, o setor privado se envolve mais intensamente. (…)
- ano 2000 – fase de cruzeiro. O ano em curso é marcado pelo lançamento do grande programa coreano de C&T: “The 21st Century Research Program”. A biotecnologia é considerada atividade estratégica perpassando vários setores. O Programa prevê grandes investimentos em recursos humanos e avanços no conhecimento básico visando ampliar a capacidade inovadora da biotecnologia coreana.”
A comparação com um avião decolando cabe muito bem, pois o país literalmente soube construir seu transporte que levasse ao que vemos hoje aqui, uma ciência forte e de ponta, sendo encarada de forma muito profissional e precisa.
O documento continua mostrando as fases da biotecnologia em países como EUA, China, Japão e Europa. Todos com programas institucionalizados, sendo alguns com parcerias público-privadas. Planos bem delineados, embora detalhes estejam omitidos.
Política de biotecnologia brasileira
Aí chegamos na evolução da política de biotecnologia brasileira, onde a primeira frase já me fez parar no texto e gritar: “Epa! Tem algo errado aqui”:
“A biotecnologia brasileira evoluiu de forma diferente dos outros países, caracterizando-se por uma evolução não linear e não coordenada.”
Evolução não linear e não coordenada. O que isso significa – será que é: os planos foram escassos, pouco produtivos ou não houve um projeto consistente, a longo-prazo? Lendo o resto do parágrafo, percebi uma valorização da construção dos chamados centros de biotecnologia (um deles, inclusive, onde trabalhei), e dos respectivos programas científicos que o governo respaldou. Ok, ponto pro Brasil.
Entretanto, fica notória a ausência de um plano linear a longo-prazo, robusto e com ênfase no desenvolvimento industrial. A pesquisa brasileira de ponta está na área agrícola, ainda. As EMBRAPAs são um programa de sucesso, não há como negar. Não estou reclamando, pelo contrário. Se vendêssemos nossa tecnologia agrícola de forma eficiente, rendimentos bons seriam gerados para melhorias gerais da população. Mas é necessário que isso seja delineado de forma clara, não “salpicando” medidas a esmo.
Se olharmos por exemplo para o projeto brasileiro que obteve relativo “sucesso em biotecnologia” (pra usar um termo batido) na mídia nos últimos anos – o projeto Genoma da Xylella, financiado pela Fapesp – vemos mais uma vez essa característica de pensamento a longo-prazo deficitária. Temos hoje o organismo sequenciado, alguns laboratórios dedicando-se a pesquisar mais sobre certos genes dessa bactéria. Mas nenhum “produto” final foi aludido a partir de tamanha informação gerada. Produzimos o conhecimento – o que já é louvável, mas não é tudo. Porque faltou o objetivo pragmático no caso. (Talvez seja questão de tempo. Ainda veremos um belo produto/tecnologia saindo daí. E eu torço muito, muito, muito, muito para que isso aconteça e gere mais incentivos à ciência no Brasil.)
Pensar no futuro
Alguns podem dizer: “Ah, mas é necessário investir em pesquisa básica.” Ninguém repugna mais essa dicotomia “ciência básica X ciência aplicada” do que eu. Tudo é ciência e precisa de investimento igualmente. Mas precisamos pensar a frente, no futuro, em termos teóricos E pragmáticos, em termos de ciência E tecnologia, porque isso sim faz a diferença na robustez de um projeto de governo que quer avançar pro futuro, e não estagnar no presente. Fez para a Coréia do Sul, com certeza.
Ciência é uma atividade a longo prazo. Mas é a tecnologia, um subproduto valiosíssimo da ciência, é que gera riqueza para uma nação. É preciso acreditar e investir tempo e dinheiro nas duas. Não pensar apenas nas próximas eleições, porque é um legado para algumas gerações depois. E acho que aí é que o Brasil tem falhado um pouco. Mas só o fato de já haver um relatório desses apontando os caminhos de sucesso para o futuro, a meu ver, já é um bom começo. Agora só falta agir.
Tudo de bom sempre.