Deu no New York Times

por: Lucia Malla Antigos, Biomédicas, Ciência, Diabetes, Molléculas da vida

Ontem o New York Times trouxe dois artigos pequenos que muito me interessaram – de forma mais “próxima”, digamos assim. Explico abaixo o por quê. Não sei se ambos são abertos à leitura gratuita. Caso não sejam, avisem-me que faço um adendo com o texto original. O artigo do NYTimes do item 20 está ao fim.

  • Um editorial sobre a dizimação dos tubarões para a famigerada sopa de barbatana. É o artigo mais sucinto, claro e direto ao ponto que já li sobre o assunto, aliás. A concisão com que os fatos são expostos, a razão para a matança, as medidas que precisam ser tomadas… está tudo ali, em 5 parágrafos curtos. Não há voltas nem “mallices” exageradas, aquela prolixidade tão comum por essas bandas. Esse é o tipo de artigo que facilita o entendimento do público sobre temas polêmicos, em minha opinião. Muito bom.
  • O segundo artigo merece uma pausa para historinha.

O imperador e a ciência

Semana passada, houve a visita do imperador japonês Akihito aqui no Havaí. Em uma das muitas cerimônias que houveram para homenagear a ilustre visita, o imperador encontrou-se com estudantes de um tipo de bolsa financiada pelo governo japonês. Um amigo do André, chamado Shingo, japonês cujos pais emigraram pro Havaí há décadas, foi um dos contemplados. Além disso, teve a honra de saudar o imperador japonês pessoalmente.

Shingo mora em Boston e foi colega de laboratório do André aqui em Honolulu. Então, claro, passando por Honolulu, ligou pro André para encontrar com ele e pôr o papo em dia. Não o conhecia, então fui apresentada a ele aqui em casa, numa pequena petiscada que fizemos para celebrar. Depois dos mini-quitutes, fomos a um restaurante italiano, onde enfim tive o prazer de conversar mais com ele, pessoa super-simpática e desprovido completamente da arrogância comum a muitos cientistas.

BAT na Nature

Papo vai, papo vem, jantar delicioso, etc. então Shingo nos conta que seu artigo havia sido aceito para publicação na Nature desta semana – o que por si só já foi motivo de vários tintins com vinho italiano Chianti. Afinal, o artigo é realmente um breakthrough. Porque Shingo descobriu que um complexo de proteínas estão simplesmente na base para a geração de tecido adiposo marrom (BAT, na sigla em inglês). Isto a partir de qualquer linhagem celular disponível. Ele mostrou que qualquer célula, seja ela de músculo ou de pele, tratada com as substâncias adequadas incluindo este complexo de proteínas, pode se diferenciar em BAT – e, portanto, funcionar perfeitamente como tal.

BAT e UCP1
Na figura acima, que está no artigo da Nature e foi gentilmente enviada pelo Shingo, podemos ver nos primeiro quadro a foto em microscópio da área transplantada com expressão dos fatores PRDM16 e C/EBP-beta, que se transformou em BAT (controle BAT no último quadro da 1a linha; no meio, o tecido adiposo branco, nossa “gordurinha”). No painel de baixo, a confirmação de que era exatamente BAT: verifica-se a expressão da UCP1, proteína característica das células do BAT. Aliás, ela está presente no 1º quadro da linha de baixo (são os pontos mais escuros), um emonstrativo de que as células de tecido branco transplantadas estão virando BAT. Ou seja, bastou estes fatores para o tecido até então branco se transformar em marrom.

Sobre o BAT

 Para quem não sabe, o BAT está na linha de frente das pesquisas sobre obesidade, já que, diferente do tecido adiposo branco (a fatídica gordura que acumulamos no corpo), este tecido consome energia, produz calor e pode ser um alvo precioso para futuros medicamentos de emagrecimento eficazes e cientificamente sólidos. Ou seja, esta descoberta abre caminhos inacreditáveis no campo da obesidade e por consequência indireta, da diabetes.

Então que ontem eis que André abre o site do New York Times e lá está, na parte de ciência, um artigo sobre o trabalho do Shingo. Ficamos super-empolgados. Porque quando a ciência que você faz aparece (e é elogiada) num artigo do New York Times, a conclusão só pode ser uma. Em primeiro lugar, é muito provável que você esteja no caminho certo da pesquisa. Ou, pelo menos, que está portanto fazendo a sua parte nesse quebra-cabeças chamado mundo. Imediatamente André escreveu pro Shingo parabenizando-o. Afinal, é uma enorme alegria ver um conhecido (e amigo do André) ter seu trabalho científico de qualidade reconhecido dessa forma.

Parabéns, Shingo! Tudo de bom sempre pra você.

P.S.

  • Estive numa palestra do Spiegelman, líder do grupo da Harvard em que Shingo está, enquanto morava na Coréia. Que mente brilhante, darwin-do-céu. Impressionante sua competência como cientista. (Aliás, o artigo do New York Times sobre o trabalho do Shingo para os que não assinam o jornal.)

ARTIGO DO NEW YORK TIMES

“Discovery May Help Treat Obesity

By NICHOLAS WADE

Published: July 29, 2009

A new approach to treating obesity has been opened up by a discovery about how the body creates brown fat, the cells that burn white fat and turn it into body heat. Researchers led by Bruce M. Spiegelman of Harvard Medical School report their discovery in Thursday’s issue of the journal Nature. Their paper describes the natural system by which brown fat cells are generated from their precursors. Dr. Spiegelman has used this system — a pair of proteins that switch on the brown fat cell’s distinctive genes — to convert both mouse and human skin cells into brown fat cells. Brown fat cells have a very different role from the better-known white fat cells. The white cells store fat; the brown cells burn it off as heat. Babies have lots of brown fat to help keep warm.

Until April 2009, biologists believed that the brown fat quickly disappeared and was not found in adults. Dr. Sven Enerback of the University of Goteborg in Sweden and others then reported that some brown fat tissue persisted in adults, raising the possibility that if the cells could be made more active, a person might burn off more fat. In a parallel line of research that has now converged with the brown fat discovery, Dr. Spiegelman has long been studying the body’s white fat cells and how they are controlled. In 1994 he found the body’s master regulator of white fat cells.

Turning to brown fat cells, he followed the general assumption that they were derived from white fat cells. A key element in making brown fat cells seemed to be a kind of protein called a zinc finger (because it reaches into the spiral of a DNA molecule to switch on particular genes). Dr. Spiegelman figured that if he inactivated all the relevant zinc finger proteins in brown fat cells, they should turn back into their precursors, the white fat cells. The experiment worked. The brown fat cells did revert, but not into white fat cells. They turned into muscle cells.

“It was the most bizarre experiment my lab ever did,” Dr. Spiegelman said Wednesday. His discovery that muscle cells are the natural precursors of brown fat cells was made last year. Dr. Spiegelman has now found that the zinc finger protein, in combination with a second protein produced in muscle cells, is the master switch for brown fat cells and will also convert skin cells into brown fat, even though this is not the process nature intended. He has used this master switch to convert mouse skin cells to brown fat cells, which seem to work as expected when transplanted into normal mice.

Now he is working on a second experiment, a crucial test for the possibility of therapy, to see what happens when brown fat cells are implanted into obese mice. Asked if the mice were any thinner, Dr. Spiegelman said the results so far were encouraging. He declined to go further, saying journal editors would be unhappy if he gave away the findings before publication. A similar procedure might be tried in people, he said, if the mouse experiments are promising. Further discoveries might produce the natural protein for turning on the zinc finger switch, and this protein might make a useful drug for converting skin cells into brown fat cells. Dr. Enerback said Dr. Spiegelman had taken a “really important step” in elucidating the basic biology of brown fat cells.

According to his calculations, Dr. Enerback said, inserting 50 to 100 grams of brown fat cells into a person would enable them to burn off more than 10 pounds of white fat tissue a year. He said a cell therapy approach of this kind would allow a brown fat deposit of cells made from the patient’s skin cells to be made larger or smaller according to need. Such a therapy would be used not by itself but along with lifestyle changes and other interventions.

Brown fat cells induce the body’s white fat cells to break down their fat into fatty acids. These are released into the bloodstream and taken up by the brown fat cells. Brown fat cells contain large numbers of mitochondria, the chemical batteries of living cells. The mitochondria (which originated long ago as bacteria enslaved in cells) usually generate a chemical form of energy. But in brown fat cells, this process is disrupted and the mitochondria produce heat instead. Because the mitochondria contain iron, the cells adopt the brownish tinge that gives them their name.”



623
×Fechar