por:
Lucia Malla
Corais, Ecologia & meio ambiente, Evolução, Faça a sua parte, Memes, listas & blogagens coletivas, Mudanças climáticas, Oceanos, Política
Publicado
22/04/2006
Hoje é um dia muito especial: o dia da Terra.
(Como brasileira deveria dizer que é o dia de comemorarmos o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, mas como essa história de “descobrimento” sempre me deixou com a pulga atrás da orelha, prefiro dar atenção a nossa casa maior.)
Nosso planetinha azul merece muito especialmente um dia para que nos lembremos dele. Afinal, é a nossa casa primeira. Mas muito mais que apenas a terra em si, o planeta possui uma atmosfera adequada envolvendo-o – que nos permite viver nele – e áreas enormes de água para ajudarem na manutenção da temperatura a níveis suportáveis pelos seres vivos. Foram essas condições aliás, que permitiram a evolução da vida.
Não precisa ser nenhum expert em nada para saber que há tempos nós, Homo sapiens sapiens, “dotados de polegar opositor e telencéfalo desenvolvido” (frase plageada do documentário que eu adoro “Ilha das Flores”), estamos usando o planeta ao nosso belprazer, adequando-o aos nossos interesses e necessidades. Em troca, o planeta está aí, servindo de nossa casa, sem cobrar aluguel ou IPTU. Estamos em uma interação vantajosa com o planeta.
Entretanto, essa interação nos últimos tempos tem sido bastante desbalanceada. Em primeiro lugar, porque crescemos demais em número de indivíduos. Mais gente, mais necessidade de recursos de sobrevivência, mais desgaste. Em segundo lugar, porque no passado, o ser humano não pensava tanto no futuro do planeta – achávamos que os recursos seriam infinitos, ou quase isso. Vem daí a escolha pelo petróleo ou pelo carvão, geradores de energia nada limpos, mas que nos ajudaram a desenvolver muito em idos passados, quando éramos em menor número na Terra. O planeta aguentaria, no pensamento antigo, qualquer tranco. Infelizmente, temos a cada dia percebido que isso não é mais verdade. Aliás, está muito longe de ser verdadeiro desde sempre. Já dizia Newton: “para toda força aplicada, uma outra força igual e oposta sempre aparecerá” – ação e reação.
Precisamos comer para sobreviver, não dá para fugir dessa realidade. Mas será que não está na hora de repensarmos o que comemos, principalmente, de onde vem a comida e que impactos a aquisição dessa comida tem ao ambiente? Na foto acima, trocentas barbatanas de tubarão à venda em Taipei, para fazer a malfadada sopa de tubarão responsável pelo declínio de mais de 90% das espécies de tubarão do planeta. Abaixo, uma barraca de frutos do mar no mercado de peixes de Barcelona – teriam sido coletados de maneira ambientalmente correta ou não? Será que ainda teremos tais opções por muito tempo? Fica aberta a questão.
Com tanta gente extraindo a sobrevivência do planeta sem deixar um tempo suficiente para recuperação, o planeta começa a dar sinais de que pede socorro.
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Há algum tempo, li na revista da FAPESP que, depois do tsunami de 2004 que arrasou vários países da Ásia, os cientistas correram para a região para medir o impacto que a força daquelas ondas (da ordem de mil explosões atômicas) teria acarretado sobre o ecossistema marinho da região. O resultado foi intrigante: o tsunami trouxe destruição, sim, mas foi ínfima comparada a que temos realizado há décadas, destruindo as áreas costeiras para desenvolvimento e turismo desenfrado e principalmente esgotando o mar de recursos através de pesca predatória. Sim, meus amigos, já há algum tempo que o mar não está mais para peixe.
Quem acompanha meu blog há mais tempo sabe o quanto eu já enfatizei sobre o problema dos tubarões no mundo. Espécie no topo da cadeia alimentar e de reprodução lenta, vem sendo exterminada do planeta graças à ignorância humana: pelos asiáticos que acham que sopa de barbatana de tubarão é “afrodisíaco” (não há comprovação científica alguma sobre tal afirmação) e sinônimo de status; e pelo resto do mundo, onde algumas pessoas ainda acreditam na engambelação de que cartilagem de tubarão protege/cura certos cânceres (não cura, já escrevi sobre isso antes.). Até quando vamos apoiar o extermínio de uma espécie sem ao menos termos a chance de saber sobre ela? (Na primeira foto, uma caminhonete lotada de carcaças de tubarão sem as barbatanas. Essa caminhonete estava num atol remoto do Pacífico, onde todos os dias era carregada com o mesmo “material”…)
Antes de mais nada, é preciso que lembremos que, a partir das 200 milhas costeiras de um país (6 ou 12 milhas para alguns poucos países, como nas Ilhas Marshall), estamos em águas internacionais. Nessas águas, em tese, estamos sob a administração de inúmeros tratados da ONU, sob jurisdição internacional, e espera-se que o bom senso da bandeira de cada barquinho seja suficiente para que a pessoa não saia praticando atos degradantes ao ecossistema, às populações e à política. Na prática, entretanto, o que vemos é que as águas internacionais dos oceanos são terra de ninguém, infelizmente: ninguém se preocupa muito com aquela gigantesca massa d’água, com a manutenção dos estoques pesqueiros ali. Apesar de sabermos que boa parte dos estoques de peixe utilizados no comércio se misturam no mundo inteiro – ou seja, esses animais nadam livremente pelos oceanos porque obviamente não existe em seus cérebros distinção de nação, pátria ou bandeira – as pessoas ainda vivem num transe paradisíaco coletivo de que “o mar tem recursos infinitos” ou “não me interessa se o Mar da China está à beira da morte” (afinal, não moro lá mesmo…). Lamento informar que os Homo sapiens sapiens deveriam sim, começar a se preocupar com isso. Pois vejam bem: a maioria das perturbações oceânicas, mesmo distantes, podem influenciar e/ou ser influenciadas por outras regiões – o sistema é muito dinâmico e interligado. Exemplo? O recente e preocupante esbranquiçamento de corais no Caribe.
O esbranquiçamento de corais é um fenômeno biológico que, quando ocorre em grandes áreas e principalmente em lugares distantes, os pesquisadores associam ao aquecimento global do planeta, que estaria alterando as temperaturas oceânicas e levando a um aumento do CO2 circulante na água, o que também contribui para a acidificação do oceano. Ou seja, por si só, um fenômeno não-local, global. Já sabemos que na região do Golfo do México e Caribe o mar está mais quente mesmo, o que sugere que o esbranquiçamento de corais dessa vez tenha uma causa maior, mais condizente a todos: a produção excessiva de CO2 – que todos sabemos advém da queima de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão. E CO2 que não é só gerado pelas populações do Caribe, entenda-se bem. CO2 que vem de regiões do planeta onde a produção é maior. Afinal, as massas de ar circulam na atmosfera.
Destruir corais é por si só lastimável, principalmente porque não sabemos muito sobre eles ainda. Recentemente, um grupo de pesquisadores extraiu de uma espécie de coral uma nova substância esteróide com forte potencial antiviral e para tratamento de patologias humanas como câncer (ou seja, seríamos os mais beneficiados). Esse coral vive na região oeste do Pacífico – que engloba Filipinas, Indonésia, Malásia, Papua Nova Guiné e outros países menores. Uma das regiões oceânicas mais ricas e biodiversas do planeta. Uma região densamente populosa, e que vem sofrendo incessantemente com degradação ambiental de seus ecossistemas por ação humana: poluição, destruição da área costeira para habitação, pesca comercial descontrolada. Será que a espécie de coral fornecedora de tal benesse médica sobreviverá por muito mais tempo?
Acima, favela na Malásia, em região costeira, em nada diferente a qualquer outra favela à beira-mar do mundo; abaixo, uma rede de pesca gigantesca sendo preparada para entrar num navio comercial no porto de Suao, em Taiwan. Repare no tamanho dos pescadores comparado à rede. Em certo momento da década de 90, o Japão tinha uma rede de pesca que cobria meio oceano Pacífico de distância. Até quando o planeta vai nos permitir esse abuso de seus recursos?
Aliás, será que nós sobreviveremos mais tempo para usufruir dessas benesses? Acredito que sim, mas a um custo ambiental altíssimo, e a um custo populacional maior ainda: temos que diminuir o ritmo de crescimento. Interessantemente, as economias do mundo se sustentam e se dizem “saudáveis” quando um determinado índice de crescimento populacional é atingido – vem daí porque Japão e Coréia estão preocupados com seu crescimento demográfico negativo. Afinal, é necessário ter mais consumidores pro capitalismo florescer. Uma dicotomia, pois mais consumidores, mais degradação ambiental. Exemplo? Ontem a Coréia do Sul terminou sua grande muralha na costa sudoeste do país. Pra quem não sabe, uma gigantesca obra que vai destruir toda uma área de estuários onde pássaros migratórios fazem sua parada anual. (Quem me avisou primeiro sobre esse desastre foi a Grrl Scientist.) Afinal, são apenas pássaros, pensa o governo. Mas… o que acontecerá se os tais pássaros se vão? Adaptar-se-ão a outras “praias”? Tornar-se-ão mais vulneráveis à extinção? Terão novos comportamentos? Os da Antarctica, por exemplo, já estão se acasalando mais tarde que o normal em resposta a mudança climática do planeta. É a incerteza do que pode acontecer caso essas espécies desapareçam e do desconhecido potencial positivo à espécie humana que elas podem fornecer, aliada ao ritmo de destruição, que permite que egoisitcamente, pensemos primeiro em nosso próprio desenvolvimento humano. É mais importante ao governo coreano gerar mais terra arável, mais prédios de apartamento, mais espaço para indústrias. O planeta afinal, ainda não cobrou o aluguel dele.
Pohang, uma das cidades coreanas mais poluídas, sede da siderúrgica Posco (a de maior volume de negócios do mundo), que fica à beira-mar. Lembra alguma outra cidade brasileira? Abaixo, lixo jogado no meio do atol de Majuro, nas Ilhas Marshall, onde boa parte da diversidade de corais do mundo está representada.
O ser humano se adaptará sem essas espécies? E sem tantas fontes de água potável? E sem tanto atum para comer? E com mais CO2 na atmosfera? Em geral, quando um recurso acaba, os seres vivos que ali vivem adaptam-se de alguma forma à nova condição, ao novo ambiente – o Homo sapiens não é diferente nesse aspecto. Questões filosóficas a serem inclusas na discussão do tema…
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Mas nem só de notícias tristes vive este blog no dia da Terra.
Em março passado, realizou-se no Brasil a Convenção Mundial para Conservação da Biodiversidade, e houve um enfoque especial na preservação dos mares. Uma das melhores notícias dos últimos tempos em relação à preservação foi dada nessa conferência: o minúsculo país de Kiribati criou o maior parque marinho do Pacífico, ao dedicar uma área equivalente a 2 Portugais para a conservação sustentada: os pescadores artesanais da ilha estarão ainda permitidos a tirarem seu sustento da área. A criação do parque em Kiribati – o primeiro a incluir como preservável áreas de profundezas oceânicas, um marco na história do conservacionismo – visa basicamente ao desenvolvimento do turismo sustentável na região e bane completamente a pesca comercial na área. Uma iniciativa excelente, parecida com a da ilha de Apo nas Filipinas e que está sendo seguida por outros países do Pacífico: Guam, Ilhas Marshall e Palau (esmiuçado aqui no blog recentemente por ser um dos lugares mais lindos e exóticos do mundo). Esses países estão percebendo que a manutenção da biodiversidade e de seus únicos ecossistemas é a chave para um bom ecoturismo – e isso pode gerar mais lucro a longo-prazo para a região.
O mundo das crianças do futuro depende de nossa atitude hoje. O que estamos fazendo por elas? O que elas verão ao olhar pela janela de casa daqui a 20, 30 ou 40 anos?
Aliás, é isso que nos falta: pensar a longo-prazo. Todos querem respostas imediatas, vantagens agora. O futuro… já diz o ditado: “a deus pertence”. Não, eu não caio nessa. O futuro é nosso, ou pelo menos eu me sinto responsável em deixar um futuro melhor para as gerações que vêm por aí. Afinal, ingenuamente ou não, foram as gerações antepassadas que me “deram” esse planeta de presente quando nasci, cheio de problemas ambientais, e sou eu, ser humano, que fico quebrando agora a cabeça em como me adaptarei às novas condições impostas, tendo que trabalhar em triplo para evitar a mudança drástica demais. Sou eu que hoje não posso nadar num rio porque está poluído. Sou eu que vou ficar sem água potável para beber. Sou eu que o Katrina, o tsunami da Ásia e o aquecimento global destróem. Sou eu, Homo sapiens sapiens, que elimino as perspectivas de futuro. Portanto, são as minhas atitudes hoje responsáveis diretamente por um futuro melhor econômico, social e ambiental. Responsabilidade global: a palavra-chave do dia de hoje.
O planeta agradece aos que pensam dessa forma. Aos que se preocupam verdadeiramente com o futuro.
À Terra, tudo de bom sempre.
Vista aérea de um atol no Pacífico. A Terra de cima é azul e linda.
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* Para viajar mais sobre a Terra…
– O Seed Magazine, uma revista de divulgação científica excelente, compilou numa representacao gráfica vários dados sobre o planeta, que merecem ser vistos e analisados – há inclusive um sobre o aumento da produção de carne brasileira correlacionado à diminuição da cobertura florestal da Amazônia. Vejam e reflitam.
– Nunca Beijing esteve tão amarela e com um ar tão “irrespirável” na primavera. Depois de tanto desmatar ao sul do deserto de Gobi em nome do desenvolvimento econômico da região, eis que o governo chinês começa a replantar árvores e tentar criar o “Green Wall of China” – mas será o suficiente? A China, aliás, é a grande charada do conservacionismo: boa parte do futuro de todos depende das ações dessa nação em crescimento econômico desvairado. E eu me pergunto: o que temos feito ecologicamente pela China? O que a China tem feito por todo o resto do planeta?
– “Muito prazer, aquecimento global. Você chegou ao topo do mundo.” Na Ásia, cerca de 500 milhões de pessoas dependem do ciclo das geleiras himalaias (principalmente das redondezas do Everest) para terem água potável para beber e plantar. Nesses lugares, o aquecimento precisa mesmo de medidas mais urgentes. Mas eu acho que não é só lá, não…
– Coincidentemente, na véspera do dia da Terra, a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA) publicou os números oficiais das emissões de carbono do país dos últimos 15 anos. A paisagem não é nada bonita.
– Seguindo a última tendência da moda, eis a nova campanha lançada no dia da Terra: “Green is the new black”. (Via Benetton Talk.)
– A The Nature Conservancy (uma ONG dedicada à conservação dos últimos recantos pristinos da Terra) está coletando em seu site mensagens ao planeta. Quem quiser contribuir, deixe lá umas palavrinhas. É de graça e não dói.
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Esse post faz parte de uma blogagem/reflexão coletiva que sugeri a várias pessoas amigas, que também compartilham algumas das preocupações com o futuro que tenho. A todos, de antemão, o meu obrigado por gentilmente aceitarem o convite. Todos os posts abaixo aceitaram o desafio, e também estarão já foram linkados na página do Nós na Rede, em breve. São as boas reflexões sobre o mundo se propagando, em rede.
– Uma janela no mundo! (Alline): 22 de abril – Dia da Terra
– Fora do armário (Paulo Nunes Jr.): Terra 4,5 bilhões de anos e mais um pouco
– Terra temperamental (Lou Salomé): Uma chance para a Terra (blog desativado)
– NCC (Guto): Dia da Terra (blog desativado)
– O Chato (Luiz Afonso): Alternativas
– Textos e afins (Manu): Dia de Gaya
– :boa esperança (Queirós): Sinta-se bem ajudando o próximo
– Villa da Lucia (Lucia Villa Real): Vinte e Dois de Abril Dia da Terra (blog desativado)
– (In)Confidência Mineira (Vanessa): Pela Terra e por quem vive nela
– Lixo tipo especial (Flavio Prada): Mais um dia da Terra
– (An)Anima (Ana Lucia): Dia da Terra (blog desativado)
– Alma Nômade (Horvallis): Earth Day – dia da Terra
– Caminhar (Laura): Por que é difícil falar e cuidar da Terra?
– Penso, logo… mudo de idéia (Claudia Beatriz): Dia da Terra (blog desativado)
– Síndrome de Estocolmo (Denise Arcoverde): Amamentar é um ato ecológico!
– Stuck in Sac (Leila): Bush em Sacramento no dia da Terra
– Nothing simple is ever easy… (Andréa N.): Quem jamais te esqueceria?
– Ao cubo (Guga Alayon): Lembrem-se…
– Menina voadora (Alê): Parabéns, planeta Terra (blog desativado)
– Gutierrez/Su (Suzana): Dia da Terra – Imaginação ao Poder (Elenara): Dia Mundial da Terra
– Edícula habitável (Vânia Beatriz): Dia da Terra
– Roccana (Ana): Terra, planeta feminino
– Liza…coisas… idéias… pensamentos… devaneios… (Liza Soares): Dia da Terra (blog desativado)
– Encontros do cotidiano (Telma Arcoverde): O sal da Terra
– Always por um triz (Regina): Terra Azul – Lingua de Mariposa (Nora Borges): Terra…
– Luz de Luma (Luma): Bela e Tão Ecologicamente Burra!
– Retrato em branco e preto (Sergio): Eternamente Terra
– Bombordo (Christiana Nóvoa): Minha Terra sua casa