Hoje é o dia Mundial dos Oceanos, esse pedaço líquido do planeta pelo qual eu sou descaradamente apaixonada com todo o azul que uma paixão pode deixar transparecer. No ano passado, eu deixei que os habitantes marinhos “gritassem” aqui no blog por ajuda. Tudo bem que meu blog representa uma nanomarola no verdadeiro mar virtual que é a internet, mas, lendo as notícias do último ano, a sensação que tive foi de ninguém escuta o desesperado pedido dos animais marinhos, seja em que formato for feito. O ambiente deles continua sendo a lata de lixo do mundo, as mudanças climáticas só vem piorando a situação da sobrevivência no mar para a maioria das espécies, e eles, animais marinhos, continuam morrendo em quantidades assustadoras.
Então, para tentar ser mais eficiente, esse ano eu decidi fazer algo mais prático aqui no meu bloguinho para comemorar o dia dos Oceanos. Vamos à idéia.
Já há algum tempo que eu venho matutando que preciso pôr no papel uma lista prática sobre consumo de peixe. A princípio para mim apenas, para ter pregado na geladeira ou distribuir pra família. Mas, como tenho plena noção de que toda lista falha em algum ponto, principalmente por (in)adequação individual, essa idéia sempre era deixada de lado.
Até que outro dia, conversando com o Inagaki sobre alimentos, ele me perguntou que tipo de peixe era mais adequado (ecologicamente falando) de se consumir. Eu respondi que na página do Aquário de Monterey estava a melhor lista disponível na web sobre consumo consciente de peixes e frutos do mar, inclusive com opções de acordo com a região dos EUA em que a pessoa mora, e que eu já indicara inúmeras vezes o link da lista aqui no blog. Entretanto, o Seafood Watch está em inglês, para o consumidor americano médio. Inagaki aí fez o contraponto que me levou a escrever esse post e publicá-lo na semana do Meio Ambiente: “Se não há nada em português, adaptado ao padrão de consumo brasileiro, escreva a sua própria lista. E compartilhe com as pessoas.”
Decidi então compilar aqui as minhas dicas pessoais sobre consumo de peixes e frutos do mar, baseadas em diferentes aspectos: como e quando é pescado, onde vive, se é importado, se está quase extinto ou não, se é nutricionalmente importante. Vale ressaltar que eu evito consumir peixes e frutos do mar sempre que possível porque sei da situação caótica que os mares do mundo estão e da enorme pressão que os peixes vêm sofrendo, principalmente aqueles utilizados para o “consumo humano” – que só aumenta. Também sei que peixe faz bem à saúde e que sua carne está entre as mais saudáveis fontes de proteína animal – e para certos nutrientes, nenhum vegetal suplanta em eficiência de absorção para o nosso organismo. Tenho plena consciência também de que para a maior parte das pessoas simplesmente parar de comer peixe não é uma opção prática – então querendo ser prática, acho melhor deixar algumas dicas que fazer nada e continuar saindo da peixaria com crise histérica por ver pessoas comprando cação. Na linha do “é melhor fazer algo que nada”, se é que vocês me entendem.
Então, vamos lá. 🙂
Com vocês, o GUIA DE CONSUMO DE PEIXES DA MALLA – PARA CONSUMO ECOLÓGICO DE PEIXES E FRUTOS DO MAR:
1) NUNCA compre cação. NUNCA coma cação, independente de onde você more. Tubarões ou cações são peixes ameaçadíssimos de extinção no mundo inteiro e ao comê-los, você incentiva o tenebroso comércio de barbatanas pra China. Além do mais, tubarão/cação, como animal do topo da cadeia ecológica, é um dos peixes que mais acumula mercúrio na sua carne, o que é péssimo para a saúde humana. Tubarão não é saudável.
2) Abuse das tilápias no seu cardápio. Tilápias são mais sustentáveis e fáceis de serem criadas para consumo, e geram menos problemas para o ambiente. Como tilápia é uma “marca” de peixe que as pessoas acham “inferior” por sua carne ter naturalmente um gosto de terra, criaram o “St. Peter”, que nada mais é que uma variedade de tilápia melhorada criada em cativeiro com carne mais branca e alimentada com ração, o que não deixa que a carne fique com o gosto da terra.
3) Evite bacalhau sempre que possível. O bacalhau é todo importado de longe. Além disso, seus estoques nos locais onde pode ser encontrado no planeta estão à míngua. O preço do bacalhau é assustadoramente caro, e isso é um indicativo da sua raridade cada vez maior – o bacalhau já está extinto em diversas áreas. UPDATE: O João sugere, nos comentários, aos que moram próximo do Pantanal um substituto, o pacu, que também é salgado como o bacalhau. Já a Flávia, sugere aos que moram na Amazônia o pirarucu, que também é salgado como o bacalhau.
4) Só compre lagostas entre maio e dezembro. De janeiro a abril é a época de reprodução desses animais, e se alguém está vendendo lagosta recém-pescada nesse período, está burlando a lei, que proíbe em todo o território brasileiro a pesca da lagosta no período reprodutivo.
5) Evite camarões e consuma-os apenas no período não-reprodutivo. No geral, a pesca do camarão ainda é feita com arrasto, atividade destruidora que joga fora muitos quilos de peixe não-consumível para cada pratinho de camarão coletado. Portanto, é um “desserviço” ao ambiente. Sendo o maior exportador de camarão o nordeste brasileiro, consumi-los por lá é ecologicamente mais adequado que em outras regiões do país. E, apesar de todos os pesares ecológicos, camarão é cultivável, o que facilita seu consumo (o desgaste ecológico da região onde são feitos esses tanques é outro papo mais complicado…) No mar selvagem, há diferentes espécies de camarão que são pescados para consumo e cada uma delas possui um período reprodutivo específico nas diferentes regiões do país. Nesse período a sua pesca é proibida pelo IBAMA. Para o camarão-rosa no extremo nordeste, o período reprodutivo é de março a maio, enquanto na Bahia e Espírito Santo é de setembro a novembro. Os pescadores que dependem dessa atividade para viver são autorizados pelo governo a pedir seguro-desemprego no período reprodutivo, que cobre as perdas por não pescar. Já o camarão-sete-barbas se reproduz entre novembro e meados de dezembro no sudeste do país, sendo essa portanto a época para se evitá-lo. Não achei na internet uma lista clara do período reprodutivo de cada espécie consumida, portanto se alguém souber de tal informação, fico deveras agradecida.
6) Evite salmão cultivado. E se possível, evite salmão em geral, já que ele já se extinguiu em muitas áreas do mundo. Sendo o salmão um peixe de águas gélidas, o salmão selvagem que se consome no Brasil é em sua maioria importado do Chile, o que requer transporte refrigerado em longas distâncias, o que aumenta a emissão de CO2 via queima de combustível fóssil, etc. O preço reflete a dificuldade logística da sua pesca, e por isso, as fazendas de salmão parecem tentadoras. Mas não se engane: o dano que uma fazenda de salmão causa ao ambiente é insano.
7) Consuma preferencialmente os peixes e frutos do mar da sua região. Se você mora perto de rio, consuma peixes de água doce. Se mora perto do mar, consuma peixes de água salgada, de preferência comuns no seu litoral e pescados de forma artesanal, por pescadores de comunidades não envolvidos com pesca em escala industrial. Procure essa informação no órgão do governo estadual ou municipal da sua área que lida com questões de pesca, e vá à peixaria munido da lista adequada de peixes e frutos do mar da sua região.
8) Verifique a espécie de atum ao comprá-lo. Nem todas as espécies de atum estão igualmente ameaçadas de extinção. Infelizmente, o atum azul (blue fin tuna, em inglês), espécie migratória presente apenas em alto-mar e preferido pelos grandes chefs de sushi do mundo, é uma das mais ameaçadas, exatamente pelo alto consumo de sushi no Japão. O Brasil, entretanto, parece ter atum em abundância suficiente para garantir o mercado interno – e há espécies ameaçadas de atum no Brasil. Na dúvida da procedência real, prefiro evitar atum.
9) Preste atenção especial aos congelados. Principalmente animais sazonais, que congelados se tornam difíceis de identificar sua data de pesca – ou seja, em tese, você não sabe se o fulano da indústria pescou aquele camarão no período reprodutivo ou não. Dê preferência ao produto fresco e congele em casa, para consumo posterior. Assim você pelo menos sabe de quando o peixe realmente é.
Mas o guia de consumo de peixes da Malla carece da interatividade. Porque é baseado nas minhas visitas a peixarias espalhadas pelo Brasil (nem que seja só pra fotografar…) Como eu tenho certeza absoluta que deixei alguma informação valiosa de fora, gostaria de ouvir as dicas de vocês, principalmente de outras partes do país, sobre consumo de peixe e frutos do mar. À medida que dicas relevantes forem surgindo, vou fazendo updates no post. Combinado?
Tudo de mar sempre. E um azul dia dos Oceanos no resto do ano para todos!
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– Esse texto faz parte dos Debates Ambientais do Faça a sua parte e foi postado lá também. Para mais discussões de outros temas relevantes que envolvem a questão ambiental, passe por lá.
– Esse post é dedicado ao Inagaki, pela dica.