Há muito a se dizer sobre a pirataria na Somália.
Já há alguns anos, a região é evitada por boa parte dos veleiros, por receio de serem tomadas por “piratas” – no livro de Heloisa Schurmann que resenhei há tempos, ela cita bem superficialmente esse problema. O litoral somali, dentro do mundo dos navegadores “independentes”, é o reino dos piratas. É, por conseguinte, um lugar a ser evitado em sua rota. Mas… quem são esses piratas?
O Catatau, em um post traduzido pela Caia Fittipaldi de 2 artigos excelentes, jogou essa pergunta, que ficou rondando a minha cabeça esses dias. Nos artigos que ele postou, mostra-se a realidade por trás de toda a questão da pirataria. O por quê da Europa agora reclamar dos piratas – e a Ásia, no reboque. Da Somália como destino final do lixo atômico europeu. De um Estado desmantelado, por corrupção e outras misérias. Dos barcos de pesca industrial que, na ânsia de alimentar os países desenvolvidos, depletaram ilegalmente toda a costa somali por décadas, deixando os pescadores locais, com barcos menores e sem tanta tecnologia, sem peixe.
A pirataria como grito de socorro
São estes pescadores, homens do mar sem alternativa viável num cenário político e econômico de caos, que apelam para a ilegalidade da pirataria. É sua última chance de chamar a atenção do mundo para os graves problemas de seu país. É a face de um desespero.
(Há bandidos entre eles, sem dúvida. Mas acredito que não na proporção que boa parte da mídia quer nos fazer crer.)
Seriam estes pescadores completamente culpados? (Mais uma vez, perante a mídia do mundo, parece que sim.)
São muitas perguntas, poucas respostas. Mas nada me tira da cabeça que a pressão da sobrepesca do litoral é elemento chave para o ressurgimento do “problema” com tanta força. Então dou um passo a mais nas minhas divagações: se lembrarmos que há outras comunidades pesqueiras (em áreas de conflito, inclusive) que vêm percebendo a decadência numérica dos peixes no mar (uma evidência empírica clara que coletei pelo Brasil todo, entrevistando pescadores), seria a Somália o primeiro país a demonstrar violentamente o que um mar sem peixes pode causar às pessoas – e à estrutura social?
Será essa a ponta do iceberg para problemas maiores que podem vir? Como lidaremos com isso? Será que outros povos se jogarão ao mar como piratas? Estamos preparados para uma onda de saques em alto-mar, essa terra de ninguém na vista de todos, onde qualquer um pesca o que quer sem preocupações legais?
Food for thought. As cartas estão aos poucos sendo jogadas na mesa, numa rodada que pode custar a estabilidade social no planeta.
Tudo de questões sempre.
P.S.
- O sempre maravilhoso The Big Picture publicou há algum tempo uma coletânea de imagens dos piratas na Somália. Muito emblemático.
- Dica de um filme excelente sobre a pirataria do ponto-de-vista da comunidade local: Fishing without nets.
- Aliás, falando em blog de fotos, um off-topic. O NYTimes começou um blog de fotojornalismo, chamado Lens. Mas, no feed RSS, não mostram nenhuma foto. Acho um FAIL considerável feed incompleto em qualquer blog, por sinal.
- Obrigada, Catatau, pelo seu post-denúncia.