No post passado, a Manuela deixou o seguinte comentário:
“(…) Esse teu post me lembrou uma polêmica q meus amigos levantram certa vez, a da: “Estando em meu país, fale minha língua”, ou seja, como somos obrigados a falar inglês nos E. Unidos, eles teriam q saber um mínimo de português…o q vc acha disso?(…)”
Eu, na realidade, estava há tempos pensando em escrever sobre o assunto. A Manuela deu o empurrãozinho que faltava; obrigada, Manuela! Vou tentar expor abaixo minha opinião – que é sempre passível de discussão, indignação ou admiração, lembrem-se.
No início deste ano, um senhor muito simpático chamado Fernando me enviou um email comentando sobre o esperanto, essa língua pré-fabricada para ser simples e facilitar a comunicação pelo mundo. Ele havia lido algo aqui no blog sobre a língua coreana, sobre a dificuldade dos coreanos em falar inglês, e sobre o incentivo ao estudo do inglês que existe aqui na Coréia – e na maior parte do mundo.
Em seu argumento, seria muito mais interessante que os coreanos (e os demais habitantes que não têm inglês como língua-pátria) aprendessem esperanto, pois se todos começássemos a estudar esperanto, num futuro plausível, ela seria a língua dominante (e neutra) para trocas comerciais, comunicação entre os povos, etc.
Embora tenha lido todos os textos que o Fernando me mandou com muito carinho, tenho que dizer que eu não acredito muito na força do esperanto como língua “universal”. Posso estar redondamente enganada, mas será difícil tirar a hegemonia inglesa desse páreo, principalmente na época em que vivemos, da tão falada globalização. Acho muito bonita e interessante a idéia de desenvolvermos uma língua única e exclusivamente pela neutralidade. Uma língua que fosse utilizada em todas as transações comerciais do planeta sem refletir a hegemonia de uma cultura/povo/nação. A idéia é bonita, sem dúvida, com um senso de igualdade entre os povos utopicamente belo. Mas infelizmente na prática, eu vejo uma série de problemas.
English for all
Em primeiro lugar, acho que deveríamos pôr de lado um pouco o conceito de “língua do dominador”. Sim, o inglês é a língua falada nos EUA (o “dominador” atual). É a língua falada no Reino Unido (o “dominador” do passado). Não dá para retroceder no passado e mudar a história. Temos é que entendê-la e adaptá-la à nossa vivência atual.
Mas o inglês também é (pela história ou por interesses econômicos, ou ambos) a língua OFICIAL de mais de 1 bilhão de pessoas. Afinal, na Índia, na Austrália, na Nova Zelândia, nas Filipinas, em Hong Kong, em Singapura, na Guiana, na Namíbia, no Quênia, em Ruanda, no Zimbábue, na Nigéria, no Canadá, na África do Sul, na Jamaica, no Paquistão, na maioria das ilhotas do Pacífico, em outras tantas ilhotas do Caribe… Sim, todos estes países (e olha que eu estou esquecendo mais alguns!) têm o inglês como língua oficial.
Aprende-se inglês não por “curiosidade” mas porque é o vocabulário usado nas repartições públicas, nos serviços burocráticos, entre pessoas de tribos/comunidades distintas, etc. Algo como se em todos os órgãos do governo brasileiro as pessoas usassem inglês por exemplo. É isso que acontece na maior parte destes países. É a língua agregadora da Índia, por exemplo, um país que tem outras 21 línguas oficiais e mais de 1,000 dialetos. Além de toda essa “galera” speaking english, a maior parte do mundo que não o tem como língua oficial aprende nas escolas, por uma questão de necessidade. Para inserção no mundo moderno.
(Parênteses: alguns filólogos – aqueles que estudam a língua – já desconsideram chamar “falantes de língua inglesa”, dado que o inglês é tão abrangente que está incorporando características de cada povo por onde é falado, e se tornando muito mais um emblema global com características difusas. Outros filólogos já acreditam que essa expansão tem um limite. Quem está certo? Não sei, sinceramente. Mas eu apostaria minhas fichas nos primeiros, just in case. Fim do parênteses.)
Quem é nativo em esperanto?
Em segundo lugar, a não-existência de pessoas “nativas” em esperanto me faz desacreditar na acurácia do que será falado. Veja bem, eu aprendi inglês desde criança, e ainda cometo erros terríveis porque não fui alfabetizada/educada desde bebê em inglês. Há uma diferença enorme entre aprender uma língua quando bebê e aprender quando já se é mais crescido. E outra diferença abissal entre aprender de um falante nativo da língua e de um professor que foi lá e aprendeu também de alguém. E são essas diferenças que se refletirão friamente na quantidade de erros crassos que você cometerá ao expressar-se naquela língua. Por isso, acho difícil que o esperanto venha a ter essa acurácia. Seria necessário que as pessoas adotassem esperanto como língua para seus filhos, e assim um trabalho de gerações se iniciaria.
English everywhere – already
Em terceiro lugar, o mundo está todo adaptado ao inglês. Não dá para negar isso. É talvez triste para um utópico sonhador ver que não há por onde lutar mais por uma outra língua que tire essa hegemonia. Mas é um fato: em qualquer país de outro idioma que você vá, as instruções estarão na língua do país e em inglês – pelo menos nas principais cidades. E dependendo do nível de desenvolvimento e organização pro turismo que o país tenha, nas cidades menores também. Faça o teste: entre no metrô e grite “Help!”. Mesmo no Brasil, vai aparecer alguém querendo saber o que aconteceu, querendo te ajudar; mesmo que a pessoa não fale inglês, ela entenderá que você precisa de ajuda e tentará uma comunicação básica. (Eu já fiz esse teste num metrô do Rio de Janeiro, by the way.)
Essa adaptação transcende. Ao mundo dos negócios, onde contratos internacionais são fechados em inglês entre membros de países que não falam inglês. Ao mundo do turismo, onde você passa a poder ir a qualquer lugar do planeta sem passar grandes apertos sabendo se expressar em inglês – sempre vai aparecer um fariseu entendendo. Ao mundo da ciência, onde qualquer descoberta para ser validada, precisa estar publicada numa revista indexada em inglês. No mundo virtual, onde as ferramentas, se não estão em inglês, já utilizam palavras derivadas do idioma. Ou alguém não sabe o que é um mouse, deletar um folder, ou resetar o PC (Personal computer)? Aqui na Coréia, por exemplo, é comum vermos letreiros escritos em alfabeto coreano (aqueles “desenhinhos”) mas ao ler, percebemos que são palavras em inglês, como “newspaper” – em coreano, 뉴스 패 퍼.
Língua da neutralidade
O inglês é a língua da inserção, não há como negar. Eu já a chamaria como a língua da neutralidade. Por exemplo, perdi as contas de quantas festas, reuniões sociais e/ou eventos eu fui pelas esquinas da vida onde nenhum dos presentes era de um país nativo de língua inglesa. E no entanto, todos falávamos inglês para nos comunicar. (Essas são as festas que eu carinhosamente chamo “Festas ONU”.)
Por mais difícil que possa parecer aprender inglês (eu não acho que seja, mas aprendi desde criança, então acho que não posso me ter como exemplo nesse caso), é necessário no mundo atual saber se comunicar em inglês, para que você esteja inserido nele. É uma constatação, e nesse ínterim, acho quase impossível, a esse andar da carruagem, que outra língua consiga fazer esse feito. “Ah! Mas o francês também já foi hegemônico, e hoje é apenas mais uma língua…” Sim, eu sei. Mas os tempos mudaram. O francês foi hegemônico numa época que não existia nem telefone direito, quiçá internet, para requisitar a demanda da comunicação internacional. Numa época em que boa parte da população tinha um acesso quase inexistente à alfabetização, quiçá a aprender línguas. Numa época muito menos interligada, intercultural, numa época pré-TV, pré-National Geographic, eu diria.
Minha paixão por línguas
Por outro lado, confesso que sou apaixonada por línguas. Mesmo indo para lugares esdrúxulos com línguas escabrosas, tento aprender o mínimo para tentar me comunicar na língua local. Por exemplo, antes de ir para a Alemanha, frequentei aulas do típico “Alemão de sobrevivência”. Ao chegar no Havaí, a primeira coisa que fiz foi me matricular na aula de havaiano. Antes de vir para a Coréia, fiz questão de pelo menos aprender o alfabeto deles, pra não chegar “analfabeta”, excluída de boa parte do mundo coreano.
(Lembro do Jeff, um americano companheiro de república em Boston, alucinado por culturas exóticas, que se dizia muito incomodado ao chegar na Turquia e ter que falar inglês – ele queria praticar o parco turco dele, mas as pessoas, por saberem inglês e depararem-se com um americano, não pensavam duas vezes ao começar um papo com ele. Tascavam o inglês na lata.)
Acho que é uma questão de educação, de simpatia. Quando mais de uma nacionalidade com línguas diferentes estiver reunida, falar inglês passa a ser uma questão de polidez. Se você estiver conversando com apenas uma pessoa, pode perguntar em que língua ela prefere a comunicação. Tenho amigos alemães que me visitaram no Brasil que queriam aprender português, e me pediam para conversar em português. Nenhum problema nisso, muito menos ainda se eles pedissem para conversar em inglês.
Obrigada pelas roubadas evitadas!
Não posso tacar pedra no inglês, como muita gente prefere fazer. Pelo contrário: agradeço sempre o fato dos meus pais terem me obrigado a estudar inglês desde pequena. Porque eu constato dia após dia que é saber falá-lo que me salva de boas roubadas, que me diverte e que me abre horizontes. Pra quem quer ser cidadão do mundo, não tem escapatória: o inglês te acompanhará, para todo o sempre. Eu não quero me preocupar com língua ao me comunicar; eu quero é ser entendida. E se o inglês é a língua do entendimento, let’s speak English.
Tudo de bom sempre.
*Para outros textos do blog sobre línguas do mundo: coreano, havaiano e croata.