Um dos grandes “mitos” biológicos sobre o Havaí é de que nas ilhas não existem cobras. Este é um daqueles mitos tão bem disseminados e estabelecidos, que se você perguntar a maioria da população nativa daqui, eles dirão que é verdade. Lembro de uma vez fazendo uma trilha e uma amiga havaiana me falando com todo orgulho que o mato no Havaí era seguro porque “não existem cobras aqui”.
Mas se você procurar no google, vai encontrar links de sites até medianamente reputados espalhando essa mesma balela – ou desconsiderando as existentes. Que feio.
Parênteses
Faz sentido a preocupação: grandes cobras, como jibóias e cascavéis, realmente fariam um estrago no ecossistema local, e o estado gasta mundos e fundos para evitar que estes animais cheguem aqui. Mas isso não justifica a inverdade, né? Fecha parênteses.
Há cobras no Havaí
Pois bem, amigos, vamos deixar claro de uma vez por todas: há cobras no Havaí, sim. Duas espécies, por sinal. Uma delas marinha, raríssima de se ver, a cobra-marinha-americana ou cobra-do-mar-pelágio (Pelamus platurus). Esta espécie marinha pode ser encontrada em todas as águas tropicais do Atlântico, Índico e Pacífico. Ela tem veneno neurotóxico, mas não consegue inocular numa pessoa por conta do formato da sua boca, sendo portanto inócua a seres humanos. Como, aliás, acontece com a maior parte das cobras marinhas.
Já a outra espécie de cobra é um tipo de cobra-cega, a cobra-cega-de-Brahminy (Ramphotyhlops braminus), minúscula, parece mais um verme, e geralmente gosta de se esconder em ambientes úmidos, como xaxins. Esta cobra é terrestre, foi introduzida no Havaí – a espécie é originária da Índia – e tem uma característica biológica extremamente interessante: todos os exemplares que você encontrar são fêmeas.
Sobre partenogênese de répteis
Chama-se isso de partenogênese, e é uma forma de reprodução assexuada (popularmente conhecido como “parto virgem”). É um fenômeno comum em algumas espécies de lagartos também, como o Cnemidophorus. A cobra-cega-de-Brahminy era a única espécie conhecida de cobra a se reproduzir por partenogênese até 2012, quando uma píton de um zoológico no Kentucky (EUA) deu à luz a diversas pítonzinhas sem outro macho ao redor de sua jaula.
(Curiosidade: minha sogra era uma bióloga especialista em partenogênese de lagartos da Amazônia, e contribuiu na descoberta de pelo menos uma espécie de lá, a Cnemidophorus nativo.)
E já que citei lagartos, no Havaí existem 17 espécies reconhecidas de lagartos. Nenhum deles é nativo das ilhas, todos foram introduzidos. A mais comum é o gecko, que você vê pelas casas e está representado em qualquer loja de souvenir que se preze – os havaianos adoram os geckos, acham um bicho que dá sorte, por estar presente em diversas lendas tradicionais. Mas há também camaleões, iguanas e anoles, com suas cores incríveis. Aqui em casa mesmo, no jardim, dá pra ver de vez em quando um anole exibindo seu papo laranja.
E esse post fica dedicado aos herpetólogos de plantão, que vêem o Havaí como um ponto desinteressante: aqui também dá pra se divertir entre (poucas) cobras e (alguns) lagartos.
Tudo de bom sempre.
P.S.
- A foto de abertura do post é pública e foi tirada do site do Departamento de Botânica da Universidade do Havaí.
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