Esporte não é saúde. Ouvi esta frase de um treinador de uma academia de musculação que eu frequentava. Era época do Pan do Rio e o treinador, formado em Educação Física, comentava sobre o quanto os atletas profissionais se desdobravam para ultrapassar os limites – inclusive de seu corpo – e com isso terminavam por estressar mais ainda seus tendões, ossos, músculos e o coração. Ou seja, a grosso modo, o treinador dizia que o esporte competitivo, esse que leva uma pessoa aos grandes campeonatos mundiais, não é saudável para o organismo humano.

Esporte não é saúde desde sempre
O assunto é de certa forma antigo, e ressurge sempre que um atleta profissional se machuca (ou até morre) em decorrência do excesso físico, do “puxar seu limite”. E às vésperas das Olímpiadas de Beijing, a frase me soa mais certeira ainda.
Li esses dias que a China anda pressionando seus atletas a limites absurdos para obterem os melhores índices em diversas categorias, e muitos desses atletas, já machucados por tamanhã pressão sobre articulações e neurônios, têm mostrado sinais de estarem à beira de um grande breakdown. Eis por exemplo o que o técnico do corredor Liu, o vencedor-zebra total dos 110m com barreiras em Atenas, comentou: “Oficiais da Administração Estatal dos Esportes uma vez nos disseram que se Liu não ganhasse outra medalha de ouro em Beijing, todas as suas conquistas prévias iriam perder o significado.” Muito pesada a afirmação, principalmente vindo de um esporte em que a China não tem tradição alguma.
Em geral, o país-sede demonstra uma maior “ânsia” por medalhas. Mas, como bem disse o LATimes, o que diferencia a China é a intensidade com que vem pressionando atletas. E agora, às vésperas do grande dia, a obsessão por recordes só tende a ficar mais tensa. Levando ao pé da letra o provérbio chinês que diz “A winner is a king and a loser is a bandit” (“O vencedor é um rei e o perdedor um bandido”), o governo enxerga nas medalhas a possibilidade de unir e destacar como potência seu país cada vez mais, aspiração muito maior que a que o espírito olímpico grego representa (pelo menos romanticamente), e que revela um nacionalismo quase paranóico. Esporte virou para a China uma ferramenta política e aí que ele não é saúde mesmo.
Atletas x pessoas normais
Mas, é claro, o excesso exigido do organismo de um atleta obviamente não é o mesmo exigido de uma pessoa normal. É uma característica geral do esporte competitivo e acontece somente nesse ambiente onde o que vale mais é “ultrapassar os limites existentes”. Há consequências, entretanto.
A atividade física intensa modifica a fisiologia do organismo de uma forma completamente diferente da atividade moderada. O excesso de atividade física e a restrição alimentar que o treinamento normal exige terminam por suprimir a função reprodutiva – 25% das meninas atletas não menstruam (comparado com 2 a 5% das adolescentes em geral que não menstruam, o número é significativamente elevado). Os níveis de estrógeno/progesterona se alteram, o que pode levar os ossos das meninas a enfraquecer. Os atletas homens, por sua vez, também têm complicações pelo excesso de exercício físico, embora curiosamente menos estudadas e mais facilmente reversíveis. Ciclistas, por exemplo, têm a motilidade do espermatozóide comprometida pelo estresse mecânico do banco da bicicleta. Em geral, os homens atletas também podem apresentar enfraquecimento ósseo como as meninas. Entretanto, este enfraquecimento ocorre por outra via relacionada a menor produção de testosterona que o excesso de atividade física traz.
Entretanto, qualquer pessoa em sã consciência sabe (ou deveria saber…) que uma regra fundamental para a manutenção de uma boa saúde é se movimentar, fazer esportes.
Contradição?
Claro que não. Como quase tudo na vida, é uma questão de equilíbrio. Exercício estressa as fibras, mas o corpo parece responder melhor a pequenos estresses, e melhora sua performance e saúde geral – musculação nada mais é que exercício para gerar microlesões nos músculos desejados, de forma que o padrão das fibras ali precisem se reformular/reconstruir, e esse novo rearranjo gera fibras novas e mais resistente (o processo de reconstrução de uma microlesão leva 48-72h numa pessoa normal, motivo pelo qual você pula um dia de exercícios para aquele músculo específico nos treinos de academias).
O organismo humano libera uma série de fatores, hormônios e/ou substâncias durante a prática da atividade física moderada, recreacional. Essas moléculas, quando presentes nas quantidades que o exercício moderado induz, terminam por fortalecer vias metabólicas de carboidratos e gorduras, ajudando a manter afastado os riscos de doenças crônicas como diabetes, obesidade e hipertensão na pessoa. Uma caminhada de meia hora 3 vezes por semana já é suficiente para melhorar e reforçar o organismo da imensa maioria dos mortais. Um pouco mais de exercício e você já está no time de elite cuja perspectiva de vida aumenta por causa da atividade física constante.
Ou seja, tudo depende da intensidade do exercício que se escolhe. Para esses mortais desolímpicos (eu, você e a maioria), esporte ainda é saúde – se moderado e sem pressão por recordes, medalhas ou coisa que o valha. Porque a melhor medalha é viver bem e com saúde, no final das contas.
Tudo de bom sempre.
P.S.
- Daqui a 10 dias começam os Jogos Poluídolímpicos de Greyjing, marcados principalmente de polêmicas e confusões fora do âmbito esportivo. Um desânimo maratônico deixado por tantos protestos e tanta intransigência chinesa cai sobre mim. Apesar de tudo, tentarei assistir às provas de natação, meu esporte olímpico favorito.
- Alguém já tinha ouvido falar dos Jogos Olímpicos Alternativos, em Ulaan Baatar?