Extinto (ou quase)

Este post não deveria ser escrito. Aliás, não seria, se vivêssemos no meu mundo ideal utópico, um mundo onde jamais uma espécie seria levada à extinção pela ação humana desenfreada.

Mas infelizmente, o meu mundo ideal utópico é apenas isso: utópico. No mundo real, o primeiro mamífero cetáceo foi nessa semana declarado praticamente extinto: os golfinhos do Rio Yangtze na China. Nome da espécie: Lipotes vexillifer. Foi-se.

(Parênteses: Digo praticamente extinto porque se acredita que ainda exista uma meia dúzia de indivíduos pingados por lá, sendo procurados por pesquisadores chineses. Mas qualquer biólogo sabe que número tão reduzido de população é a característica primária de uma espécie fadada à extinção. Não dá para se reerguer. Infelizmente. Fim do parênteses.)

O golfinho de Yangtze não foi a primeira espécie a ser extinta em decorrência da intervenção humana em seu hábitat. Nem provavelmente será a última. A lista de animais que vimos se extinguir (ou criticamente ameaçados) sob nossos olhos tem outros mais, mas sendo esta a primeira espécie de cetáceo – ordem que eu particularmente admiro – cabe aqui o triste epitáfio.

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Depois de ler a reportagem citada acima, não resisti e fiquei aqui em casa fuçando atrás de fotos de espécies que estão na lista vermelha de extinção. Será que nossa pequena coleção fotográfica caseira teria algum desses animais? Achei não algumas, mas várias espécies ameaçadas entre as fotos. Escolhi as fotos abaixo por serem animais grandes das quais temos alguma história para contar, mas com certeza ficaram de fora vários invertebrados, plantas e afins. Segue também o status de cada uma dessas espécies ameaçadas.

O tubarão-raia (ou peixe-guitarra) está na lista como “vulnerável”. Quando vimos esse animal “jogado” embaixo de uma barraquinha de rua em Suao (Taiwan), logo nossos olhos arregalaram. Não porque sabíamos de sua situação delicada de risco, mas porque aquele era um bicho muito diferente de todos os outros que estavam ali à venda. André achou que era um peixe de profundidade, eu achei que era um peixe raro. Hipotetizamos, fotografamos e em casa, já com o nome da espécie em mãos, descobrimos que era um animal ameaçado pelo excessivo comércio de sua carne e barbatanas na Ásia. Ironia ou não, foi exatamente num mercado que encontramos o bicho, já morto. Triste constatação da realidade.

A foca-havaiana (ou Hawaiian monk seal) é endêmica das ilhas havaianas, e está ameaçada pela destruição do seu ambiente natural. Essa da foto estava na ilha de Kauai, onde um grupo delas vive. O tamanho da população restante nas ilhas é indeterminado, mas projetos de proteção da espécie já existem pelo mundo.

Extinto

O sagüi-da-cara-branca é um pequeno primata, endêmico da floresta Atlântica brasileira. Vimos esse aí num quintal próximo da casa dos meus pais, no ES. A maior ameaça à sua existência é a destruição da mata Atlântica, seu hábitat. Não se sabe ao certo quantos sagüis ainda existem pelo sudeste brasileiro, mas vê-lo tão próximo de casa me deu um certo alívio. Temporário, mas alívio.

Vimos o tubarão thresher (ou thresher shark) em Malapascua, nas Filipinas, num mergulho às 6 da manhã, e ele passou beeeeeem longe da gente. É um tubarão de profundidade, cuja principal característica é essa enorme nadadeira caudal. Não existem dados sobre o tamanho de sua população no mundo – acredita-se que venha diminuindo pela pesca acidental.

O celacanto é um animal que se acreditava extinto há milhares de anos, até que no início do século XX uma pesquisadora sul-africana encontrou exemplares do animal vivos na África do Sul. Desde então, a população de celacantos comecou a ser contada, e sabe-se que sua sobrevivência está criticamente ameaçada – o número de indivíduos é muito baixo. A história do celacanto merece um post inteiro que espero escrever um dia. Me cobrem.

O peixe-Napoleão é um peixe que nada com toda a calma do mundo próximo a corais. É um peixe tímido e arredio. E enorme (chega fácil a 200 kg). Sua carne é apetitosa. Ou seja, é a pesca perfeita para alimentar muita gente (o que significa bom comércio…), e vem sendo tão pescado que hoje está na lista dos ameaçados de extinção. (*Errata: Nos mercados pela Ásia, principalmente em Hong Kong, o peixe-Napoleão é vendido a preços exorbitantes (vários milhares de dólares) para ser consumido como delicatessen em restaurantes finos. Há relatos de que os peixes-Napoleão no comércio tem diminuído de tamanho – ou seja, são mais juvenis. Meu namorado presenciou um leilão em Tóquio no mercado central onde um peixe-Napoleão atum inteiro era negociado por ~10,000 dólares.) Explica-se o valor pela raridade de se pescá-lo hoje em dia. Tivemos a oportunidade de ver 4 peixes-Napoleão nadando juntos na Ilha de Apo, tranquilamente. Por quanto tempo mais? – é a pergunta que não quer calar.

A sustentabilidade da população de baleias jubarte é um exemplo de trabalho de conservação bem realizado. Estava listada como ameaçada até 1990, quando passou para o status de “vulnerável” – o que significa que sua população aumentou nos últimos anos. Mas mesmo assim, sua situação ainda é extremamente delicada, porque a caça abusiva para consumo de sua carne continua pelos mares do mundo (mesmo sendo ilegal), e, sendo uma espécie com ciclo de vida muito longo, é fácil chegar a níveis críticos de novo. No Brasil, o Projeto Jubarte se desdobra na tentativa de estimar e manter os níveis populacionais que chegam à costa brasileira. Um trabalho árduo, necessário e lindo.

Todas as tartarugas marinhas estão de alguma forma na lista vermelha de ameaçadas de extinção. Criticamente ameaçadas são a tartaruga-de-couro e a tartaruga-de-pente. A tartaruga verde (foto acima) e a tartaruga-oliva (foto abaixo) encontram-se “apenas” ameaçadas. Todas desovam em áreas específicas do litoral brasileiro, e nesse sentido, o Projeto TAMAR faz um trabalho belíssimo na tentativa de conservação das espécies, com coleta de ovos para maximização da prole e soltura assistida em praias.

Vou parar por aqui a lista. São muitos animais ameaçados de extinção. Restringi-me aos maiores, apenas, mas de nenhuma forma os outros são menos importantes, pelo contrário. No jogo da conservação, não existe mais nem menos importante: existe o equilíbrio do ecossistema como um todo, existe a possibilidade de um ciclo de vida completo, para o animal e da espécie. Existe a diversidade, existe o endemismo. Existe a prioridade de conservação. E existe o mecanismo básico da evolução, que, em meu mundo utópico, deveria ser o único responsável por extinções naturais.

O trabalho glorioso do TAMAR ajuda na preservação e conservação das espécies de tartaruga marinha ameaçadas que desovam no litoral brasileiro. Na foto abaixo, soltura na Praia do Forte, BA.

Espero que essas fotos sejam apenas um lembrete a todos da diversidade da vida que ainda não conhecemos por completo – e que talvez não tenhamos a chance de conhecer. Infelizmente.

Nada podemos fazer pelo golfinho chinês que se foi. A solução, agora, é focar esforços e ações de conservação das espécies que ainda estão aí, nadando contra a maré da extinção aos trancos e barrancos. Para que não sejamos responsáveis por mais extinções além das que já ocorreram.

Tudo de bom sempre pros seres vivos ameaçados do mundo. Inclusive, indiretamente, nós.

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P.S.: Os homens têm mais poder de destruição que um tsunami – pelo menos para os recifes de corais de Banda Aceh, na Indonésia pós-tsunami… Ler uma notícia dessa dá o que pensar, não?

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UPDATE: E o que se espera do futuro das especies quando a gente lê isso? O Japão e seu discurso esfarrapado de “baleias para pesquisa” me desconsertam como cientista, principalmente quando todos sabem que o objetivo real deles é mesmo comer carne de baleia e manter a cultura alimentar, a despeito do bom-senso do raciocínio de que os tempos são outros, e as baleias já não são mais tão numerosas quanto outrora…

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*Mais fotos de animais ameaçados em extinção para lembrar dessas preciosidades: tubarões, mamíferos (baleias, focas e golfinhos) e tartarugas marinhas.



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