17 de junho de 2017. Um dia histórico para a cultura havaiana.
Neste dia, a tradicionalíssima canoa Hōkūle’a atracou de volta à marina em Honolulu, vinda de uma expedição de 3 anos navegando ao redor do mundo sem o auxílio de instrumentos, apenas lendo as estrelas, o mar e os pássaros. Parando em 23 países pr mais de 60.000 milhas náuticas e espalhando o legado da rica cultura polinésia por onde passava. Mais que isso: comprovando que os polinésios ancestrais tinham capacidade mais que suficiente para navegar pelos sete mares – e provavelmente o fizeram. Um feito simplesmente incomparável.
Malama Honua
A jornada do Hokule’a chamou-se “Mālama Honua” – falei antes aqui no blog sobre este projeto lindíssimo de conservação e mensagem ambiental pelos oceanos que foca em cuidar da “Ilha Terra”. Mensagem humanitária, de união, coragem e empoderamento dos povos indígenas em torno deste planeta que vem carecendo tanto de mais respeito.
A jornada começou, na realidade um ano antes da saída do Hokule’a pelo mundo: Hokule’a ficou um ano em 2013 navegando entre as ilhas havaianas, com a missão de reconectar as diferentes comunidades havaianas nativas com sua culture, seu espaço e importância no contexto mundial; e conectar estas mesmas comunidades com o objetivo do Mālama Honua. Eu estava lá, no dia que esta jornada começou, acompanhando com sorriso nos olhos. Até então, tudo era um sonho – que começava a virar realidade.
Em 2014, Hokule’a começou então sua jornada pelo mundo.
Hokule’a semeando a esperança pelos oceanos do planeta
Lembram que semana retrasada eu comentei sobre pontos de esperança nos oceanos? Pois nos últimos 3 anos, as newsletters do Hokule’a eram um destes pontos de esperança no mundo virtual, que me davam a sensação de que um futuro melhor é possível para as futuras gerações, apesar de todos os pesares ambientais que vivemos. A cada semana, uma atualização recheada de orgulho, realização e empoderamento. A cada semana, uma etapa cumprida.
Nos 23 países e territórios que visitou, sempre a missão de conectar-se aos grupos indígenas e ao ambiente que os cerca; sempre uma lição de como somos todos humanos, e como nossas diferenças na realidade nos fortalecem. Nestes tempos difíceis em que a intolerância permeia todos os níveis de discussão, ler estas newsletters se tornaram meu recanto confortável, onde eu recarregava baterias. Só por isso, eu já tenho muito a agradecer a todos do projeto.
A escolta das canoas polinésias e micronésias
Mas aí chega o sábado 17 de junho e Hokule’a finalmente atraca em Magic Island, na ilha de Oahu. Para o fim desta jornada, dezenas de milhares de pessoas se apinharam às margens do canal de Ala Wai, inclusive alunos de todas as escolas da ilha. A cerimônia de chegada foi lindíssima, com 4 canoas havaianas tradicionais (“wa’a”) entrando primeiro. Depois a canoa tradicional Okeanos das Ilhas Marshall. Este país micronésio compartilha com o Havaí a herança navegadora pelo Pacífico. Além da trajetória similar de desprezo por décadas da cultura de navegação por estrelas (que quase morreu!) e onde um ressurgimento emocionante desta arte/conhecimento vem acontecendo.
Em seguida chegou a canoa Fa’afaite, do Taiti, entrou no canal de Ala Wai, e senti um arrepio na espinha: as duas nações navegadoras polinésias juntas, num simbolismo incrível da força que estas culturas têm para nos ensinar.
Logo depois que Fa’faite chegou, entrou a canoa-irmã Hikianalia, que navegou pelo Pacífico espalhando a mensagem de ciência e sustentabilidade para que se construa um futuro melhor, estimulando tecnologias limpas e esperança. Quando o Hikianalia entrou pelo canal, eu já estava com meu coração parecendo que ia sair do peito de tanta emoção.
Hokule’a de volta para casa
E aí… Chega a canoa Hōkūleʻa. Não consegui segurar mais a emoção e as lágrimas rolaram. Todo o simbolismo desta canoa, desta jornada linda de empoderamento dos povos nativos do Pacífico (yes, they can!), do quanto precisamos cuidar desta Ilha Terra em que vivemos, tudo isto veio à cabeça quando as cordas do Hokule’a se amarraram no píer.
Hokule’a estava, por fim, depois de tantos mares, de volta a sua casa. Ao seu povo.
As festividades continuaram pelo dia, homenageando todos que navegaram com o Hokule’a. Era, enfim, uma demonstração enorme do poder da coletividade. Houve centenas de tripulantes, capitaneados pelo lendário Nainoa Thompson, o maior navegante polinésio da atualidade. A tripulação foi recebida ao som de cantos havaianos tradicionais com todas as honras por dignatários, celebridades locais e, principalmente, pelo povo havaiano.
Ao sair dali, senti-me mais leve. Uma enorme inspiração. Além de uma incrível gratidão por participar deste momento de sonho realizado tão especial da cultura polinésia, que tanto adoro. Esperança, enfim.
Mahalo, Hōkūleʻa.
Para viajar mais no Hokule’a
- O antropologista Ben Finney, da Universidade do Havaí, foi o primeiro a desbancar a teoria de que os navegadores polinésios ancestrais cortavam os mares a esmo. Sua hipótese de que os polinésios sabiam para onde iam e tinham um objetivo exploratório em suas jornadas foi confirmada quando Hokule’a, em sua primeira viagem em 1976, conseguiu fazer o trajeto Havaí – Taiti. Ele foi, portanto, o grande articulador da construção da canoa Hokule’a, ainda na década de 70. Infelizmente, faleceu alguns dias antes de vê-la triunfar em sua volta ao mundo.
- Resenhei há alguns anos um ótimo livro chamado “Eddie Would Go” que conta um pouco sobre a tragédia da segunda viagem do Hokule’a em 1978, quando a canoa virou ainda em águas havaianas e o surfista-mor Eddie Aikau pereceu no mar. Fica a dica a quem quiser saber um pouco mais desta história.