“If you go to San Francisco…

por: Lucia Malla EUA, Viagens

…be sure to wear some flower in your hair!”

(Se quiser matar a saudade da cidade ao som de Scott McKenzie, clique aqui.)

Para combinar com a festa que é San Francisco, só mesmo muitas flores e cores. Em todas as esquinas, a cidade parece sorrir. E sempre com o glamour de uma estréia naquelas ladeiras, mesmo quando já as conhecíamos de viagens anteriores.

Chegamos à noite, vindos de Yosemite e do Parque das Sequóias. Atravessamos a Bay Bridge num engarrafamento monumental. A casa onde íamos ficar, dum amigo meu de faculdade, era no alto do morro, perto do Twin Peaks – o que já era garantia de um visual nota 10 da cidade. Entretanto, a névoa tomava conta do horizonte noturno, e o frio convidava a um restaurante aconchegante. Fomos então a um italiano (“na dúvida, não ultrapasse”), perto da casa dele. Delicioso.

Um dia em San Francisco

No dia seguinte, a primeira constatação é que meu amigo morava numa sucursal de Campos do Jordão em San Francisco. Cabanas de madeira, entre árvores enormes, um lugar muito agradável. De lá, começamos nossa jornada na cidade mais iluminada do mundo. O dia estava lindo, céu azul e sol brilhando, e mesmo com frio, prometia boas fotos. Tivemos sorte, afinal San Francisco é conhecida por seu intermitente fog.

Vista da cidade de cima do Twin Peaks. A cidade naquele dia, miraculosamente, estava sem fog. Abaixo, uma das inúmeras ladeiras pelas quais San Francisco é famosa.

A primeira parada foi no Twin Peaks (afinal, era ali do lado). De cima, pude ter uma melhor noção geográfica da cidade, seus contornos e a intrincada baía. Éramos os únicos no pico àquela hora, até que um ônibus de coreanos chegou ao local, e resolvemos descer e encarar a cidade por dentro.

Rua Castro

Dirigimo-nos para o centro da cidade, cruzando a rua Castro – que aquela hora estava numa calma só. Para quem não sabe, à noite, a rua é a esquina gay mais famosa do mundo, e está sempre agitada, numa festa só, demonstrando o verdadeiro significado da palavra gay – alegre, em inglês. Os gays chegaram ali no início do século XX, principalmente militares, e fizeram de San Francisco seu lar. Na década de 60, junto à revoada de hippies que escolheram San Francisco para florescer seu movimento de contra-cultura “paz e amor” (entre eles, o gênio Frank Zappa), vieram com força total também os gays neste bairro, e foi eleita então a capital gay do mundo.

Hoje, próximo à rua Castro, há uma enorme bandeira do arco-íris, afirmando e celebrando o multiculturalismo tolerante da cidade e, principalmente, simbolizando de forma bela e colorida (como San Francisco pede) de que viver sem preconceito é a receita para a alegria social.

A bandeira colorida que indica a saudável tolerância aos GLBT, numa rua do distrito de Castro. Abaixo, uma cena do centro de San Francisco, com o prédio triangular que é uma das marcas registradas da cidade.

Após passarmos pela Castro, seguimos a Market Street até o centro financeiro da cidade. Paramos no centro para um café, um deslumbramento básico na loja da Apple e umas fotos da região, cheia de figuras que pareciam saídas do túnel do tempo, vindas de Woodstock ou de uma cena de “Hair”. Ali também vimos a parada do famoso bondinho de San Francisco. Tanto eu quanto André já andáramos nesse bondinho antes. Então nos satisfizemos apenas olhando a massa de gente em fila que esperava a curva famosa que ele faz aos moldes antigos, em cima da plataforma de madeira no ponto final do trajeto. Uma cena típica de San Francisco.

O terminal de navios e barcos de turismo que passeiam pela baía de San Francisco, no final da Market Street. Abaixo, vista do antigo presídio-ilha de Alcatraz, do topo de uma ladeira.

Chinatown

Do centro, começamos nossa incursão por Chinatown, um dos bairros mais famosos de San Francisco. São uma inclusão que trouxe multiculturalismo à cidade, o que é, hoje em dia, uma riqueza. Os chineses (a maioria vindos do Cantão) chegaram na cidade para ajudá-la a construir no século XIX, e nunca mais quiseram sair dela, criando um dos maiores entrepostos da cultura chinesa nas Américas. Fizeram de San Francisco seu lar. Após o grande terremoto de 1906 que destruiu San Francisco, os chineses colaboraram maciçamente na reconstrução de toda a cidade, inclusive Chinatown, onde um portal foi erguido que embeleza até hoje a entrada do bairro.

If you go to San Francisco...

Placa de rua sinalizada em inglês e cantonês: um pedaço da China está aqui, em Chinatown.

A Chinatown de San Francisco é definitivamente diferente: enquanto a Chinatown de Seul, Boston, etc. te fazem ter a sensação de que você está num bairro americano dominado por chineses, na Chinatown de San Francisco você tem a sensação de realmente estar na China. Até o cheiro do bairro é igual à miscelânea de cheiros que senti na Dihua st. de Taipei, por exemplo. Incrível como o bairro é autêntico em tudo: nas suas lojas de miudezas, na culinária exótica e cartazes espalhafatosos, nas placas de sinalização em cantonês, nas pessoas andando pelas ruas como se estivessem num hutong de Beijing.

Quando lá estivemos, faltavam 4 dias pro Ano Novo Chinês, a festa máxima do calendário asiático, e tudo estava enfeitado de vermelho celebrando o porco, animal representante desse ano que entrou.

Ruas enfeitadas para os festejos do Ano Novo Chinês, onde o vermelho, cor da felicidade na cultura chinesa, predomina e inebria.

Andamos muito à pé pelas ruas do bairro, por várias ruelas e calçadinhas típicas da mãe-China. Decidimos almoçar por ali, num dos zilhares de restaurantes familiares. Confesso que ainda não estou de todo recuperada da overdose de comida asiática dos meus anos de Coréia (o tempero é muito peculiar), mas não deixei de provar uns bolinhos de dim-sum que pareciam apetitosos. E estavam. Depois do almoço, hora de deixar Chinatown e visitar outro marco da cidade: a Lombard street.

Lombard Street

A rua Lombard é considerada a mais cheia de curvas do planeta – pelo menos, é o que está na placa dela. É uma pequena ladeira bem inclinada, com muitos jardins e mansões, onde os carros fazem uma ginástica para descerem. A velocidade máxima permitida é de ~20 km/hora, e acredite, é muito naquele monte de curva.

Eu visitei a Lombard da primeira vez na primavera de 2002, e a rua estava toda florida, com cada buquê mais lindo que o outro. Dessa vez, era inverno, e as plantas havia sido podadas. A rua estava meio sem-graça sem as flores – afinal, San Francisco pede flores, sempre.


O tradicional bondinho nas ruas de San Francisco.

O bonde fazendo o contorno à moda antiga no centro da cidade.

Próxima parada: Fisherman’s Wharf

O Fisherman’s Wharf é uma área muito turística, e os moradores de San Francisco parecem não gostar muito de andar por lá. Mas, como éramos turistas por aqueles dias, nós fomos sem medo de ser feliz – apesar da dificuldade de estacionamento. Lá, a idéia é perder a noção de tempo. Ao longe, vemos Alcatraz, que eu visitara anteriormente – e não queria ir lá de novo, por causa do vento gelado cortante da ilha.

Decidimos andar pelas ruas do bairro, e depois de tanta andança, era obrigatória uma parada para comer uma autêntica sopa de clam chowder servida dentro do sourdough. Afinal, o sourdough é o pão típico de San Francisco, e estávamos nas redondezas de onde ele havia sido criado. Para quem não conhece, experimente: é simplesmente divino.


O píer 39, onde os leões marinhos habitam e alegram a cidade.


Uma visão de cima da Lombard street, a rua auto-intitulada mais inclinada e curva do planeta. Repare nos carros descendo esse zigue-zague maluco…

Muitas lojinhas de souvenirs (armadilhas para turistas), alguns museus bizarros e gaivotas aos montes. Num cantinho do píer 39, a delícia é ver os leões marinhos, que chegaram ali há quase 20 anos depois do terremoto de Loma Prieta, e nunca mais saíram. Fizeram de San Francisco seu lar. São inúmeros, e podem ser vistos por uma webcam que fica ligada direto.

Como o sol brilhava naquela tarde, os leões marinhos se divertiam e gritavam loucamente, brincando entre eles e com a platéia, que era relativamente grande. Decidimos ver os leões marinhos por outra perspectiva, do outro lado, porque muita gente se aglomerava de um lado só do píer.

Marina District

Depois de observar gaivotas e outros pássaros que ficam por ali, pegamos o carro e fomos dar umas voltas no Marina District, o bairro mais propenso a se liquefazer (devido ao seu solo) quando o grande terremoto acontecer de novo em San Francisco. As casas ali são uma gracinha, lindas, enormes e claras. Mas de acordo com meu amigo, valem pouco (quando comparadas com o resto de San Fran), por causa dessa intrínseca potencialidade de destruição completa.

No Marina District, o monumento mais incrível é sem dúvida o Palácio de Artes. Um prédio inspirado na arquitetura greco-romana, e com um lago bucólico a circundar. Belíssimo, mas também fadado à liquefação – uma placa enorme no gramado conclamava a população a colaborar com doações para obras de reestruturação do museu, que está também afundando.


Monumento do Palácio das Artes no Marina District. Bucolismo em dose máxima.


A ponte de Golden Gate, esplendorosamente vermelha.

Relaxados pelo bucolismo do bairro, fomos fazer o passeio pela Golden Gate Bridge. Entretanto, já era quase entardecer, a hora perfeita para ver a ponte ficar mais vermelha ainda. Primeiro, ficamos do lado de San Francisco, com o Oceano Pacífico batendo nas rochas da praia. Um fotógrafo da velha-guarda, com uma máquina antiga e um tripé coberto, registrava a ponte dali. Há fotógrafos especializados em Golden Gate em San Francisco, e desses, as fotos que mais gostei foram as de Ron Henggeler.

Pouco depois, resolvemos cruzar a ponte o mais rápido possível, e ver o pôr-do-sol do lado do condado de Marin, com a ponte e San Francisco ao fundo. Os dois lados são lindos, porque a ponte é linda. O interessante do Marin Heads, onde estávamos, é observar a cidade aos poucos acender suas luzes, num ritmo poético de caos urbano. Com as cores do pôr-do-sol, o cenário é simplesmente espetacular.

A noite caiu e nós voltamos para a casa do meu amigo rapidamente e depois saímos para jantar num restaurante de comida mediterrânea/oriente-médio, na Noe st. Eu adoro comida mediterrânea, e aquela não deixou a desejar.

Até breve, San Francisco!

No dia seguinte, era hora de seguir viagem, rumo ao norte da Califórnia e Oregon. Mas San Francisco, com suas cores e alegria, deixa sempre saudades. A cidade é iluminada por um sol que parece irradiar mais intensamente ali, na reflexão daqueles casarios branquinhos e ladeiras tortuosas. San Francisco tem luz própria: brilha e faz brilhar.

Tudo de San Francisco sempre.

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Para viajar mais por San Francisco:

– Se você for a San Francisco e tiver apenas um dia de passeio, não deixe de seguir a 49-mile Scenic Drive. É um passeio de carro, que você faz na velocidade que quiser, passando pelos principais pontos turísticos da cidade. Há placas indicativas da rota por toda San Fran, não dá para se perder. Ou dá, dependendo da sua intenção. 😉

– A música “If you go to San Francisco”, de Scott McKenzie, foi uma das primeiras que aprendi nas aulas de inglês quando criança. Achava a letra muito bonitinha. Hoje, percebo que ela se encaixa perfeitamente no estilo hippie da cidade. San Francisco também foi onde primeiro vi o oceano Pacífico, na primavera de 2002. Foi amor à primeira vista que me acompanha até hoje. Por essas e outras, fiz de San Francisco o meu lar, mesmo que só de passagem.



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