Independência e corte

por: Lucia Malla Ciência, Economia, Educação, Memes, listas & blogagens coletivas, Política

Hoje, dia 07 de setembro, é feriado no Brasil. Dia da Independência. Da tutela portuguesa, entenda-se. Hoje somos República Federativa.

Nós na rede - coletivo blogueiro

Contraditoriamente, vemos na atualidade um mundo de fronteiras cada vez mais frouxas para aquisição de conhecimento. Cada vez mais dependemos de um mundo de informações para tomada de decisões em geral, e boa parte dessas informações é de fácil alcance na internet. A ciência não é uma exceção nesse caso.

A dependência do Brasil

Em minha opinião, o Brasil está numa situação peculiar no campo científico. É detentor de biodiversidade, possui uma boa formação de recursos humanos para a pesquisa, investe uma quantia até razoável do PIB em projetos grandiosos (eu sei que isso soa estranhíssimo e surreal, mas quando comparado a maioria dos demais países, investimos um valor razoável em ciência, sim). Entretanto, produz um número de patentes e publicações pífio. (Todos os dados estão claramente dispostos no link “Indicadores” do site do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil. Por exemplo, lá está que 1% do PIB do país vai para projetos na área de ciência e tecnologia.) O Brasil tem tudo para ser mais independente, mas não o é. O que acontece?

Gasto em ciência e tecnologia do Brasil - Independência e corte
Gasto percentual em ciência e tecnologia no Brasil e no mundo, em relação ao PIB do país.
Produção científica brasileira percentual
Produção científica brasileira percentual em comparação a alguns países do mundo, medida pelo número de publicações em revistas indexadas pela ISI.
Patentes de 2000 - Independência e corte
Número de patentes depositadas no ano de 2000 por diferentes países ao escritório de patentes americano.

Ciência pública

Em primeiro lugar, ciência no Brasil é basicamente uma atividade mantida pelo governo. Enquanto nos EUA, Europa e Japão, uma parcela considerável (nos EUA, mais de 65%) dos investimentos na ciência vêm de capital privado – que claramente requerem lucro como contrapartida -, no Brasil o predomínio do capital público é claro – e caro. Por outro lado, não há bons incentivos fiscais para empresas privadas adotarem uma política de investimento maciço. Além do mais, fazer ciência é intrinsecamente uma atividade cara e de retorno a longo prazo – o que talvez explicaria por que o governo é o único investidor no país. Para conquistar o capital privado para tal, é necessário ser bem pragmático e pensar longe. Fornecer uma garantia pelo menos mínima de que o investimento trará bom retorno.

E é aí que entra o problema maior. O cientista brasileiro não é, em geral, treinado para lidar com o lado econômico da ciência. É uma falha da nossa educação científica. Não falo só em fazer pesquisa aplicada. Você pode muito bem estudar uma pergunta altamente básica, que aparentemente não trará retorno imediato ao sistema, mas ainda pode nessa mesma pesquisa vislumbrar uma utilização clara daquele conhecimento que sirva de “menina-dos-olhos” para algum investidor. Esse é o exercício que boa parte dos cientistas brasileiros não fazem. Somos tímidos. E é em cima dessa estratégia básica que a pesquisa anda nos países desenvolvidos: mesmo estudando algo aparentemente inócuo, os pesquisadores sabem “vender seu peixe”, de forma a angariar fundos, gerar o conhecimento básico e potencialmente gerar também lucros para a empresa financiadora – em última análise, pro país. A ciência pode muito bem ser materializada em uma das moedas vigentes no mercado do conhecimento: patentes, tecnologias ou publicações. E isso traz um poder de barganha muito grande frente às demais nações.

Problema prático

Por outro lado, existe uma dificuldade econômica mais-que-real na produção de ciência no Brasil e atende pelo nome de imposto. Custa quase o dobro para se fazer ciência em terras tupiniquins quando comparado com outras paragens, porque boa parte dos equipamentos e materiais essenciais para o trabalho são importados, sendo portanto altamente taxados. Além disso, dependem de uma burocracia inacreditável para entrarem no país – eu conheço casos de equipamentos que ficam sentados em portos brasileiros por muitos meses antes de serem liberados pela alfandega fiscal. E a burocracia também permeia com vigor a máquina acadêmica, atravancando a aquisição até de coisas simples, como consertos elétricos básicos.

Em face desse problema, o cientista brasileiro é praticamente levado a ser criativo, a improvisar em boa parte do tempo, ou a ter um senso de planejamento muito além do que as instáveis leis econômicas do governo permitem. Aí vem outra questão interessante: poderíamos ser criativos e produzir alguns dos materiais e equipamentos. E somos. Mas há limites. E quando esses limites chegam (até nos países desenvolvidos existe uma interdependência muito grande de tecnologia e equipamentos estrangeiros), quando efetivamente precisamos de algo importado, é necessário que seja feito um investimento com retorno – a ciência de saber “vender o peixe” entra aqui, mais uma vez. O diálogo entre investidor e cientista precisa deixar clara as possibilidades de lucro em cima das descobertas e avanços que o investidor vai fazer. Uma bola de neve que passa pela educação financeira do pesquisador.

Haverá independência?

O Brasil tem um potencial científico gigantesco. Pode ser um país central no desenvolvimento de novas fontes de energia (como biodiesel, por exemplo). Pode ser fundamental na criação de tecnologias alternativas sustentáveis. Possui uma reserva de biodiversidade invejável. O mais importante: tem cérebros brilhantes. No entanto, perde boa parte desse futuro-mais-que-perfeito em burocracia e impostos. É necessário que em algum momento demos o grito de independência desse ciclo vicioso, permitindo o corte do cordão umbilical que aliviará essa tensão tão peculiar existente na ciência. E que levará a um desenvolvimento de tecnologias mais consistente e lucrativo pro país como um todo.

Porque o mundo deve ser encarado como muito pequeno para nossas humanas aspirações grandiosas.

Tudo de bom sempre.

P.S.

  • Esse post faz parte da blogagem coletiva sobre o Brasil iniciada pelo grupo denominado Blog-left. Para acessar outros posts de blogs diferentes com a mesma temática, basta visitar o site do Nós na rede.
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