Entrevista com a bióloga Ginnie Carter

por: Lucia Malla Ciência, Corais, Entrevistas, Oceanos

A entrevista de hoje é com a bióloga Ginnie Carter. Vi a Ginnie pela primeira vez lá no Instituto de Biologia Marinha do Havaí. Sentada na bancada, parecia muito compenetrada em seus experimentos, com vários tubinhos enfileirados. Não a incomodei. Ao sair do lab, fiquei sabendo que ela trabalhava num projeto bem diferente e único sobre criopreservação de corais. E que, além de tudo, era DJ nas horas vagas. A curiosidade tomou conta de mim. Escrevi então para ela e propus uma entrevista pro blog, onde ela contasse mais um pouco sobre suas pesquisas. Compartilharia nesta entrevista suas descobertas e elocubrações a mais pessoas. Eis então minha entrevista e as respostas da Ginnie Carter, bióloga e DJ.

Ginnie Carter - Entrevista

Para começar a entrevista, conte um pouco sobre você. Como se interessou pela carreira de bióloga?

Ginnie Carter: Eu cresci numa fazenda de cavalos na Virginia e sempre amei todos os animais. Também passei boa parte dos meus verões em San Diego, CA, visitando meus avós. E ia ao Zoológico de San Diego, ao Wild Animal Park e ao SeaWorld todo ano. Sempre fui atraída pela vida marinha em particular. Quando eu estava no último ano de colegial, tínhamos que fazer um estágio como requisito para a formatura, e eu escolhi fazer o meu no Aquário do Tennessee, em Chattanooga (TN), que é o maior aquário de água doce do mundo. Antes do meu estágio, eu pensava que era mais interessada em sistemas marinhos que de água doce, mas terminei realmente me apaixonando pelos peixes de água doce durante aquele período.

Esta experiência me animou a entrar na faculdade de Ciências de Pesca na Virginia Tech. Depois do curso, sabia que iria querer uma pós-graduação, e achei que teria uma perspectiva mais abrangente se entrasse num programa mais voltado para a biologia em si. Então fiz meu curso na Universidade do Kentucky, estudando aspectos olfativos de reprodução e côrte em peixes.

O que te levou a estudar corais?

Ginnie Carter: Eu nunca realmente “planejei” estudar corais, já que estava mais interessada em peixes, mas terminei vindo parar no Havaí como uma serendipidade no meio do meu período planejado na Universidade do Kentucky. Estava trabalhando no PhD, mas meu orientador precisava se mudar para Taiwan. Aconteceu então que eu executei um projeto paralelo com uma professora visitante que era do tamanho exato para escrever como uma tese de Mestrado. Então fiz isso, e consegui o título de Mestre ao invés de Doutora.

Meu orientador conhecia a Dra. Mary Hagedorn, mas achava que ela ainda estava trabalhando no Zoológico Nacional de Washington, D.C.. Na realidade, ela estava já no Havaí. E ficou feliz em me aceitar como sua assistente aqui. Nossa pesquisa aqui tem duas vertentes. Nós trabalhamos com corais, mas também trabalhamos com peixes. Então originalmente eu tinha em mente trabalhar mais com peixes no Havaí. Mas desde então comecei a curtir o trabalho com os corais tanto quanto.

Entrevista - Ginnie Carter - criopreservação de corais
Ginnie e a Dra. Hagedorn trabalhando com corais-cogumelo no Havaí.

Recifes de coral são bem sensíveis às mudanças no ambiente, como temperatura, pH, etc. Sabemos também que podem ser afetados pela atividade humana. Na sua opinião, qual área de pesquisa precisa ser priorizada para entendermos este fenômeno?

Ginnie Carter: Esta sempre parece uma questão difícil para mim, priorizar o foco de “salvar o planeta”. Sem parecer que quero me livrar da questão… Acho que é realmente importante nesse momento de crise crescente que percebamos a necessidade de colaboração entre os diferentes ramos. Não só da ciência dos corais em particular, mas da ciência em geral. Cada mudança ambiental, se causada ou não pela atividade humana, é quase sempre ligada a um outro fator ambiental, como temperatura, pH e ciclo do carbono. Estes fatores podem afetar diferentes aspectos da biologia e fisiologia do coral. Por fim, estas coisas podem afetar a ecologia de todo o ecossistema do recife de coral.

É importante que as pessoas trabalhem juntas para conseguirem uma idéia geral do que pode ser feito e do que deve ser feito. Um bom exemplo disto vem do trabalho que a Dra. Hagedorn e eu nos envolvemos em Porto Rico. Nós viajamos para lá nos últimos verões para aplicar algumas das técnicas de criopreservação que aprendemos com os corais saudáveis do Havaí em espécies ameaçadas de coral lá.

Entretanto, quando a gente vai para Porto Rico, trabalhamos com um grande time de aquaristas de zoológicos e aquários ao redor do mundo. Eles vêm aprendendo quais são os requisitos necessários para que esses corais ameaçados sobrevivam e cheguem à juventude. Além de outros pesquisadores de genética populacional. De forma que todos os aspectos se encaixam ao fim em prol da restauração prática dos recifes de Porto Rico, em uma ação conjunta que esperamos que comece nesse próximo verão. Não me canso de enfatizar o quão importante colaborações assim são para determinar o que pode ser feito para salvar os corais e o nosso planeta.

No seu projeto de pesquisa, você está tentando fazer criopreservação de espécies de coral. Por que criopreservar é importante? 

Ginnie Carter: Imagino que, idealmente, criopreservação de corais não deveria ser tão importante. Sei que soa estranho falar assim, considerando o trabalho que nós fazemos. Mas o que eu quero dizer com isso é que numa situação ideal, os corais do mundo estariam em perfeita saúde e não precisariam ser guardados num banco genético desta forma.

Para esclarecer, quando nós falamos sobre criopreservação de corais, ou de qualquer organismo para esse fim, significa que algumas partes do seu material genético, em geral esperma ou embriões ou linhagens celulares, estão congeladas em temperaturas super-baixas para preservar o material genético. Estes métodos existem há algum tempo e em lugares como o Zoológico Nacional e o USDA, material genético importante já tem sido crioguardado. Para algumas espécies, como as importantes para a agricultura ou para a medicina, o material é mantido para uso futuro dos humanos.

Por exemplo, nossa outra linha de pesquisa lida com padronização do esperma de peixe-zebra [n.ed.: ou paulistinha, Danio Rerio]. Peixe-zebra é um importante modelo na pesquisa biomédica e possui diferentes linhagens. Manter estas linhagens vivas pode ser caro. Então se pudermos criopreservar em um banco genético as mesmas, isto reduz o custo. Além disso, ainda permite que as linhagens sejam reconstituídas e usadas no futuro. Corais, por outro lado, precisam ter seu material genético guardado desta forma porque estão ameaçados no ambiente natural.

Este tipo de banco genético age como uma apólice de seguro. Garante que se uma espécie de coral é extremamente reduzida na natureza, ainda haja material genético disponível dela caso precisemos no futuro restaurá-la. Restauração é um processo entretanto que ainda precisa ser melhor elaborado, entretanto. Isto é o que quero dizer quando acho que seria legal que minha pesquisa não fosse importante. Porque espero que os corais do mundo possam ser salvos antes de termos que usar um material criopreservado para poder trazê-lo de volta da beira da extinção.

O que você conseguiu até agora com a sua pesquisa?

Ginnie Carter: Neste momento, nós somos o único laboratório no mundo trabalhando com criopreservação de coral. Já conseguimos bons resultados, sendo capaz de criopreservar esperma de corais. Na realidade, esperma de espécies ameaçadas de coral com as quais trabalhamos em Porto Rico já foram armazenadas em diversas instituições nos EUA e na Europa.

Quais são as limitações da técnica de criopreservação na atualidade?

Ginnie Carter: Corais têm se mostrado bem difíceis de serem criopreservados. Como disse acima nesta entrevista, nós somos capazes de congelar o esperma do coral, mas as técnicas ainda precisam ser otimizadas. Muitos fatores estão envolvidos, da taxa de congelamento à taxa de derretimento passando pelos químicos fortes onde você os congela. Nós trabalhamos tentando congelar a larva do coral. Mas o processo para fazê-lo tem se mostrado bem laborioso e até agora ainda estamos nas tentativas. Nós também temos planos de tentar preservar células-tronco de coral.

Quais são seus principais interesses fora da ciência e dos corais?

Ginnie Carter: Fora da ciência, meus interesses são bem diversos. Quando não estou no laboratório, eu “toco” Drum & Bass e promovo alguns eventos em clubs aqui em Honolulu. Isso ocupa a maior parte do meu tempo livre. Também voluntario para a Terapia Equestre do Havaí, que é uma organização muito legal que usa cavalos como ferramenta para melhorar o corpo e a mente de crianças e adultos com diversos problemas físicos e mentais. Estando no Havaí também tento ir à praia quando dá, e até surfo um pouco.

Sua mensagem final para os leitores desta entrevista.

Ginnie Carter: Tente ser consciente do planeta em sua rotina diária. Pode ser difícil às vezes enquanto estamos ocupados e queremos nossas conveniências, mas qualquer pequena coisa que você possa fazer ajuda. Como disse em minha resposta sobre tentar priorizar áreas de pesquisa, todo mundo tem que trabalhar junto em tudo que acontece agora. Não é suficiente focar em reciclagem e esquecer da poluição atmosférica. Tudo precisa ser considerado. Manter isto em mente que cada pequeno ato que as pessoas fazem para ajudar pode ser tão importante quanto tentar criopreservar larvas de coral.

Vamos todos trabalhar juntos para elaborar um planeta em que os corais vivos que temos agora em nossos oceanos possam se recuperar e florescer. E que os corais que a gente faz a criopreservação não sejam nunca requisitados.

Obrigada, Ginnie, pela entrevista! 🙂

 



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