A entrevista viajante de hoje é com Luciano Candisani. Ele quase se formou biólogo pela USP. Mas não teve jeito, porque sua paixão maior, a fotografia, falou mais alto. Então ele deixou o curso de lado para se dedicar aos cliques. No fundo, entretanto, continuou sendo um pouco biólogo. Apenas passou a utilizar seus conhecimentos já adquiridos de outra forma, contando histórias da biodiversidade no planeta para o público geral através de imagens. Hoje é um dos fotógrafos de vida selvagem mais respeitados do país e do mundo. É membro da exclusivíssima ILCP, a Liga Internacional dos Fotógrafos de Conservação – o único brasileiro lá incluso, aliás.
Mas todo esse prestígio não tira de Candisani uma característica marcante: sua gentileza e simplicidade. Sua entrevista correu como um passeio por um mundo mágico, delicioso, e principalmente emocionante. Li seu livro “Muriqui” quando estava em Caratinga, junto com esses macacos maravilhosos. Ali, a escolha profissional que Luciano Candisani fez para sua vida ganha, aliás, sentido real. Afinal, ele é um contador de histórias da natureza de primeiríssima qualidade. Emocionem-se com as histórias que ele me contou por email e que repasso aqui, nesta entrevista especialíssima, com toda admiração.
Entrevista viajante: Luciano Candisani

Quando você começou a fotografar vida selvagem? O que te aproximou desse tema?
Luciano Candisani: Minha relação com a natureza sempre foi muito próxima. Desde cedo, vivi simultaneamente as realidades de uma grande cidade e de áreas dominadas pelo verde, com os bichos, o mar e as florestas. A mata Atântica e o mar foram meus quintais e minhas primeiras referências de beleza e admiração. Cresci viajando para os locais mais remotos do planeta através de documentários do Cousteau e as matérias da National Geographic. Sempre gostei disso. Tive acesso, desde cedo, a equipamentos fotográficos profissionais, do meu Pai. Daí, a união entre natureza e fotografia foi acontecendo naturalmente. Atualmente trabalho para a National Geographic, a mesma publicação aliás que me inspirou a seguir essa profissão.
Você é um biólogo de coração. Então a que ramo da biologia você se dedicava (ou sonhava se dedicar) antes de se tornar fotógrafo?
Luciano Candisani: Segui para a oceanografia biológica, foi onde fiz muitas disciplinas optativas, estágio e a maioria dos amigos. Mas quando saí da faculdade, eu já trabalhava profissionalmente na fotografia de natureza. Comecei minha carreira profissional como fotógrafo de expedições científicas, documentando expedições do Instituto Oceanográfico.
Como você percebeu que gostaria de deixar um pouco a biologia hardcore de lado e viver da fotografia? Houve, por exemplo, algum evento específico que te levou a tal decisão?
Luciano Candisani: A pesquisa científica é algo fascinante e muito importante, inclusive a pesquisa básica, sem resultados práticos imediatos. Porém, o resultado dos trabalhos acadêmicos é muito demorado para o meu tipo de expectativa. Encontrei no jornalismo fotográfico uma ferramenta de comunicação com um público maior e de forma mais rápida. A questão de trabalhar em favor da conservação da biodiversidade e ecossistemas sempre esteve presente como prioridade para mim. E acho que a fotografia é, portanto, uma ferramenta fantástica para a esse tipo de objetivo.
Qual é seu tema predileto em fotografia?
Luciano Candisani: Reportagens fotográficas. Adoro contar as histórias da natureza, garimpar imagem após imagem em busca da minha interpretação sobre o tema. Tenho predileção por locais remotos, isolados, originais. Locais que ainda guardam suas características originais, onde a pegada humana é leve, inexistente ou apagada pelas intempéries. Exemplos: Atol das Rocas, Antártida, Terra do Fogo e Ilhas Darwin e Wolf.
Qual trabalho fotográfico você mais gostou de fazer? Por quê?
Luciano Candisani: O Muriqui. Foi emocionante documentar a vida do maior macaco das américas em plena Mata Atlântica, uma floresta ameaçada de desaparecer. A floresta tropical é um desafio dos maiores para a fotografia de natureza, é a última fronteira para ser documentada. E o resultado, uma matéria na National Geographic e um livro, foi muito bem recebido, com reconhecimento de prêmios no Brasil e exterior.
Qual foi sua viagem a lazer inesquecível? Por quê?
Luciano Candisani: Serra da Canastra, ano passado. Eu, Paula e nossos filhos Juliano e Bruno, ficamos numa pousada/sítio perto da serra. Coloquei os meninos a dois metros de um tamanduá-bandeira. Era noitinha e andamos agachados contra o vento em direção ao tamanduá que avistamos da estrada. Falando baixinho, eu ia explicando que o tamanduá tem ótimo olfato mas visão limitada e que poderíamos chegar perto se ele não sentisse o nosso cheiro. E deu certo, pude ver o brilho nos olhos dos meus filhos. Inesquecível.
Você já passou por algum momento de aperto/frustração fotografando?
Luciano Candisani: A frustração é um sentimento frequente para o fotógrafo de natureza, principalmente para aqueles interessados em documentar comportamento de animais em ambiente natural. Não existe controle de nada, a única certeza é o objetivo, a pauta, os prazos de entrega do trabalho. O resto fica por conta dos humores na natureza, da “vontade” dos bichos. As chances são fortuitas e, em muitos casos, não é possível reagir a tempo de fotografar um grande momento que acontece diante dos seus olhos. No meu trabalho com os muriquis, por exemplo, perdi alguns desses momentos por estar com o equipamento completamente enroscado em cipós.
E a mais trabalhosa viagem para fotografar, qual foi? Por quê?
Luciano Candisani: A viagem para a Antártica, em 2006/2007. O objetivo era documentar a vida submarina abaixo da superfície congelada do mar. Fazíamos de dois a três mergulhos por dia. A Antártica não é um ambiente acolhedor para o ser humano, especialmente embaixo da água. O mergulho em gelo exige, afinal, muito do corpo e da mente. A margem para erros é pequena, você praticamente não pode errar. Na época eu era responsável pela navegação do barco de trabalho, pelo equipamento e sua manutenção, fotografia e filmagem. Era uma rotina puxada. Mas só tenho boas lembranças do gelo e quero voltar sempre que possível.
Qual a comida mais exótica/estranha que já comeu numa viagem?
Luciano Candisani: Omelete de ovos de ouriço do mar, no Estreito de Magalhães.
Como você definiria seu estilo de fotografar?
Luciano Candisani: Existem várias formas de fotografar a Natureza. Existe, por exemplo, a forma mais contemplativa, enfocando as belezas, entre outras. Gosto de todos os estilos. Mas, no meu caso, a abordagem é jornalística. Minhas imagens são sempre parte de uma história, de uma reportagem fotográfica. Sou um contador de histórias da natureza. E para isso, para esse tipo de abordagem, é preciso ir fundo na pesquisa dos temas, conhecer o melhor possível o assunto para ter o trunfo da antecipação. Portanto, de forma a minimizar as incertezas envolvidas na atividade de registrar a natureza e seus habitantes em condições naturais, sem nenhum tipo de controle.
Há algum fotógrafo que te inspira ou algum que você admire na atualidade?
Luciano Candisani: Sempre me inspirei muito no trabalho dos fotógrafos da National Geographic, como David Doubilet e Nick Nichols. Cartier-Bresson e Sebastião Salgado também foram influências importantes, sem dúvida.
Interessante a sua progressão: de admirador dos fotógrafos da National Geographic para colaborador frequente da revista. É de certa forma uma lição de persistência, vontade e objetivo de vida. Muito legal! E recentemente, você foi escolhido como membro da ILCP, a Liga Internacional de Fotógrafos de Conservação. Que tipo de oportunidade isso te acrescenta na sua carreira?
Luciano Candisani: Foi uma honra ter sido escolhido para a Liga Internacional. Ali, tenho a oportunidade de fazer meu trabalho chegar a um número muito maior de pessoas, no mundo todo.
Qual o animal que mais te fez “esperar” por um bom clique?
Luciano Candisani: O Macaco-prego-do-peito-amarelo. Já fiz duas viagens para a reserva que habitam e ainda não consegui uma boa documentação do comportamento dessa espécie, que está entre os 25 primatas mais raros e ameaçados do mundo.
E qual animal mais te emocionou ao ter contato?
Luciano Candisani: Foi o primeiro encontro com um Muriqui, numa tarde chuvosa de domingo. Cheguei à reserva de Caratinga depois de um longo período de planejamento e autorizações para a fotografia. Quando finalmente entrei na mata, fui andando atrás do guia sem a certeza de encontrar os bichos. Ninguém os havia seguido no dia anterior. Assim, o som dos animais nas proximidades foi surpreendente. Quando finalmente topamos com eles, a uma distância de 15 metros, vários animais notaram a minha presença. Mas simplesmente não alteraram o que vinham fazendo. Uns comiam e outros brincavam com filhotes, por exemplo. Aquilo foi muito emocionante. Afinal estava ali diante de um primata raro em seu ambiente natural e ele não estava nem aí para a minha presença, era como se o ser humano nunca os tivesse ameaçado. Me senti bem-vindo e com uma enorme responsabilidade de documentá-los da melhor maneira possível.
Como você, eu também tenho o encontro com o muriqui como um dos momentos mais emocionantes da minha vida de bióloga. O animal é cativante e extremamente dócil. Apaixonante. E qual local/animal está na sua listinha de “cliques desejados”?
Luciano Candisani: Muitos. Nos últimos anos concentrei minha atividade na América Latina, mas há muito o que fazer em outros locais. Gostaria muito de trabalhar com ursos, por exemplo.
A fotografia permitiu que você viajasse com a família Schürmann pelas terras geladas da Patagônia. Como você encarou a vida no veleiro? O que você achou da experiência?
Luciano Candisani: Foi uma experiência excelente. Tive a oportunidade de viver duas paixões com intensidade, a fotografia e a navegação à vela, que também já praticava. A boa convivência é tudo dentro de qualquer espaço limitado. E nos sete meses que fiquei a bordo nunca me senti confinado. Ao contrário, a sensação de liberdade era uma constante. É fantástica a sensação de poder levar a sua casa para a costa de qualquer lugar do mundo.
Uma dica sua especial para portanto finalizar esta entrevista.
Luciano Candisani: Procure sempre interpretar, passar para o “filme” a sua resposta emocional diante do momento que pretende registrar.
A próxima viagem é para…
Luciano Candisani: Pirinópolis, GO. Vou ministrar um Workshop sobre fotografia de natureza lá.
Então, uma boa viagem e bom workshop! Principalmente, muito obrigada pela participação especialíssima nesta entrevista do blog. 🙂

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