Entrevista com Waldemar Niclevicz

por: Lucia Malla Ásia, Entrevistas, Esportes, Montanhismo

Aqueles que viajam comigo neste blog com mais frequência sabem da minha paixão platônica por montanhismo e afins. Admito, tenho a “febre do Everest”. E esta febre me faz sonhar com o impossível, o inatingível (dadas minhas condições físicas nada adaptáveis ao ar rarefeito). Neste ano, acompanhei virtualmente a expedição “10 anos do Brasil no Everest”, realizada por Waldemar Niclevicz e Gustavo Irivan Burda. Enviei emails pro Nepal sobre entrevista, traduzi notícias do Waldemar pro site do EverestNews, fiz torcida aqui no blog… Enfim curti comigo mesma a temporada de maio, viajando na maionese.

Waldemar Niclevicz no cume do Everest - entrevista
Brasil no cume do Everest: pela segunda vez, Waldemar Niclevicz chegou lá.

Meu espírito aventureiro esteve no Nepal todos os dias, acompanhando clique a clique o desenrolar da expedição. O sucesso culminou com a chegada da dupla no dia 02 de junho ao topo do mundo. Coincidentemente, outro brasileiro, Vitor Negrete, também chegou lá no mesmo dia. Portanto, naquele breve momento histórico, o cume do Everest se vestiu de verde-e-amarelo.

Monte Everest - Nepal
Monte Everest - Nepal
8,848m da mais pura beleza… Monte Everest “sorrindo para a foto” em 2 momentos diferentes.

Sobre Waldemar Niclevicz

Waldemar Niclevicz é sem dúvida o maior nome do alpinismo brasileiro, e um dos grandes alpinistas mundiais. Tendo conquistado os Sete Cumes* e com vários dos 14 picos acima de 8,000 metros na sua lista, é uma referência mundial no montanhismo. Foi o primeiro brasileiro a chegar ao topo do Everest em 1995, junto com Mozart Catão. Waldemar também é dono de uma simpatia imbatível: respondeu com atenção e delicadeza a emails de apoio vindos de uma Malla – considerando quantos emails similares aos que enviei ele deve ter recebido enquanto estava no acampamento-base do Everest, paciência realmente é uma virtude que ele tem… e ele parece mesmo ser uma pessoa muito legal.

Enfim, a existência deste blog me trouxe a desculpa perfeita para entrar em contato, trocar palavras curiosas e realizar um pequeno sonho de fã: entrevistar Waldemar Niclevicz. E ele respondeu a tudo, rápida e carinhosamente, apesar de sua agenda lotada de compromissos e afazeres.

Com vocês, o resultado desse sonho realizado na forma de entrevista. Só que esta entrevista é estilo “trivialidades que sempre quis saber do Waldemar Niclevicz, e nunca teve uma oportunidade para perguntar”. A oportunidade chegou, e eis o que Waldemar tem a dizer em entrevista exclusiva.

LM – A expedição “10 anos no Everest” foi sem dúvida um sucesso. No início da temporada, o mau tempo amedrontou um pouco, mas você e o Irivan mantiveram-se firmes no objetivo com determinação e equilíbrio. Pois bem, em 02 de junho vocês chegaram ao topo como previsto, e ainda foram surpreendidos e agraciados com a tripla presença brasileira no cume quando Vitor Negrete, que subia pelo Tibet, lá apareceu. Quanto tempo exato vocês 3 ficaram no cume? O que vocês falaram/conversaram no cume do Everest?

Waldemar Niclevicz: O tempo exato que nós 3 ficamos no cume eu não sei, não foi mais do que 5 minutos, pois eu e o Irivan já estávamos prontos para iniciar a nossa descida quando o Vitor apareceu. O Irivan chegou no cume exatamente às 9:50, eu às 10 horas em ponto. Quando vi o Vitor se aproximando eram 11:50. Apenas esperei ele chegar, dei os parabéns a ele, nos abraçamos os 3 e já comecei a descer, pois estava muito cansado.

LM – Como você vê o alpinismo no Brasil? E no cenário mundial, onde estamos?

Waldemar Niclevicz: O montanhismo no Brasil vem crescendo cada vez mais a cada ano, isso é muito bom. No cenário mundial dificilmente teremos grandes expressões, uma vez que sempre seremos poucos e com recursos financeiros escassos.

LM – Você já conquistou os Sete Cumes. Pretende fazer também os 14 picos de mais de 8,000m?

Waldemar Niclevicz: Gostaria sim de completar os quatorze 8 mil, uma vez que já escalei 6 deles, mas é um projeto muito caro (difícil conseguir patrocínio para isso), além do mais demoraria muito tempo.

Os Sete Cumes referem-se a escalada dos picos mais altos de cada continente: o Everest (Ásia), o Aconcágua (América do Sul), o Monte McKinley (América do Norte), o Kilimanjaro (África), o Elbrus (Europa), o Vinson Massif (Antárctica) e o Carstensz Pyramid (Oceania).

LM – Qual o lugar do planeta você mais gostou de visitar?

Waldemar Niclevicz: Já viajei tantos e não tenho como escolher apenas um lugar. Tenho uma paixão pela Cordilheira dos Andes, a região de Cusco é maravilhosa. O Nepal também é impressionante, especialmente Kathmandu. O Brasil é fantástico, principalmente a floresta amazônica.

LM – Qual a coisa mais estranha que você não deixa de levar numa escalada?

Waldemar Niclevicz: Não levo nada de estranho em minhas escaladas, não sou preso a amuletos ou coisa parecida. Levo sim um montão de coisas úteis, uma lista bem grande com inúmeros equipamentos, material fotográfico e de filmagem, equipamento de comunicação via satélite, etc.

LM – Qual a condição que mais frustra os seus planos numa montanha: o frio, o vento, a hipóxia, a neve ou a presença humana? Se nenhuma dessas, qual outra seria?

Waldemar Niclevicz: Frustrante é o mau tempo, pois muitas vezes faz com que a escalada seja muito arriscada ou até impossível.

LM – Qual a montanha tem a logística mais complicada para o planejamento de uma escalada?

Waldemar Niclevicz: Muitas montanhas têm a logística complicada, principalmente no Ártico e na Antártida. Das que eu já escalei, acredito que as mais complicadas foram o Vinson (maior montanha da Antártida) e a do Carstensz (maior montanha da Oceania). Montanhas como o Everest e o K2 também exigem cuidado com a logística, pois deve-se levar em consideração mais de dois meses na montanha.

LM – Existe alguma característica de personalidade que você identifica na maior parte dos alpinistas, algo que é comum a todos (ou quase todos)? Qual é?

Waldemar Niclevicz: Bem, isso varia de pessoa para pessoa, mas, sem dúvida, a determinação e a paciência são muito importantes.

LM – Qual sua opinião sobre as expedições comerciais ao Everest?

Waldemar Niclevicz: Acredito que todos têm o direito de tentar realizar o sonho de escalar o Everest, mesmo aqueles que não são alpinistas profissionais, desde que tenham o mínimo de experiência e procurem guias e agências capacitadas.

LM – Sir Edmund Hillary recentemente sugeriu que o Parque do Everest, um Patrimônio Natural da Humanidade desde 1979, entre na lista da ONU de “áreas ameaçadas pelo aquecimento global”. Ambientalistas em geral acreditam que a quantidade de neve nos Himalaias diminuiu bastante nos últimos 50 anos, e que o ecossistema da região já está criticamente em risco. Entretanto, essa medida pode desacelerar as expedições comerciais ao Everest, gerando um problema social pro povo sherpa, que depende bastante delas para subsistência. O que você acha da iniciativa de Edmund Hillary?

Waldemar Niclevicz: Desconheço detalhes desta iniciativa. Mas, não é impedindo a entrada de alpinista, ou diminuindo o número deles, que se vai resolver este problema, já que se trata de um fenômeno causado pelo aquecimento global, problema que está afetando as montanhas de todo o mundo.

LM – Alpinismo é a sua profissão. E o que você faz por hobby? Seus momentos de lazer são dedicados a quê?

Waldemar Niclevicz: Escalar é minha profissão e também o meu maior hobby, pois amo estar nas montanhas. Porém adoro praticar qualquer atividade junto a natureza como mergulho, rafting, balonismo, off road ou simplesmente viajar.

LM – A próxima viagem é para…

Waldemar Niclevicz: Vou dar continuidade em 2006 ao Projeto Mundo Andino, que prevê a escalada das principais montanhas da Cordilheira dos Andes, fazendo, junto com uma equipe multidisciplinar, um estudo do entorno de cada montanha, visando levar melhorias às condições de vida das comunidades locais. A próxima expedição será para o Chile, região dos lagos, em janeiro e fevereiro.

Etapas para a escalada do Everest

E com algumas fotos gentilmente cedidas pelo Waldemar, viajo um pouco mais e fala das etapas de escalada do Everest…

Travessia das gretas no gelo - entrevista com Waldemar

As duas rotas mais tradicionais de escalada do Everest são a face sul (Nepal) e a face norte (Tibet). Durante a escalada do Everest ou do Lhotse (montanha vizinha) pelo Nepal, a parte mais tecnicamente complicada a ser vencida é a famosa Cascata de Gelo (ou Khumbu Icefall), vista nestas fotos em diferentes momentos.

A Cascata de Gelo

Escalada do Everest - Cascata de Gelo
Escalada do Everest - Khumbu Icefall
Cruzamento das gretas na Cascata de Gelo - entrevista com Waldemar Niclevicz

A Cascata de Gelo nada mais é que um rio congelado, que se move constantemente – por dia, cerca de 1m. Com isso, as gretas crescem e decrescem ao belprazer da física, elevando o nível de adrenalina de quem passa por lá. As gretas são cruzadas em escadas de alumínio que, de acordo com os alpinistas, parecem frágeis demais para sustentarem aquilo tudo – mas sustentam! Além disso, esses blocos de gelo podem a qualquer momento simplesmente cair, sem aviso prévio. Arriscadíssimo, sem dúvida.

Acampamentos mais altos e cume

Acampamento 3 - escalada do Everest
Escalada do Everest - a face do Lhotse

Após passar pela Cascata de Gelo e vislumbrar a face do Nuptse (outra montanha vizinha), a escalada continua. Dois momentos do que vem por aí: as barracas do acampamento 3 na montanha (fazem-se 4 acampamentos em geral no lado nepalês), e ao lado, subindo um pouco da face do Lhotse, rumo ao Everest. Nessa área, o ar já está pra lá de rarefeito, e a maioria dos alpinistas começa a usar oxigênio suplementar. Apesar de parecer uma “rampona”, a velocidade de caminhada é ínfima, devido ao ar rarefeito e às condições inóspitas da área.

Monte Everest
Escalada do monte Everest - cume

Na montanha mais alta do mundo, momentos finais da escalada: na primeira foto, os alpinistas estão na chamada Franja Amarela (“Yellow fringe”) e na segunda foto, estão mais próximos do cume, na região conhecida como Colo Sul (“South Col”), onde em geral o acampamento 4 é feito. Para completar a escalada a partir do Colo Sul, faltam chegar ao Southeast Ridge e subir o Hillary Step, outra parte tecnicamente complicada da subida. São 1,500m verticais do Colo Sul até o cume, e leva-se cerca de 12h para escalar essa distância. E ao chegar no cume… Aí é correr pro abraço! Embasbacar-se com o visual ao redor… (E tratar de descer logo, para não congelar!)

Quero agradecer mais uma vez ao Waldemar por conceder essa entrevista especialíssima para deleite do meu pequeno e querido círculo de amigos leitores desse blog. Além disso, por permitir gentilmente que eu usasse suas maravilhosas e valiosas fotos na entrevista, de uma região que provavelmente é das mais bonitas do mundo. Obrigada, Waldemar, pela cortesia e pela simpatia.

Waldemar Niclevicz e Irivan Burda - entrevista
Waldemar Niclevicz e Gustavo Irivan Burda, após voltarem do Nepal: expedição concluída com sucesso é garantia de sorriso no rosto! Parabéns aos 2!

Tudo de bom sempre para a dupla vencedora Waldemar e Irivan! E para Vitor Negrete, que também chegou lá.

P.S.

  • As perguntas que selecionei para esta entrevista foram baseadas única e exclusivamente na minha curiosidade pessoal. Como sou uma fã de montanhismo que lê muito sobre o assunto, tenho consciência plena que muitas das perguntas que as pessoas têm não estão aqui representadas. Como por exemplo “Quando começou sua carreira no alpinismo?” e afins. Talvez estas perguntas em uma entrevista sejam as mais curiosas para os que não têm a febre everestiana. Nesse caso, aos interessados em saber um pouco mais, vale muito a pena visitar no site do Waldemar a página “Niclevicz responde”, onde ele nos brinda com mais detalhes sobre sua experiência como alpinista e responde boa parte das perguntas mais gerais sobre sua carreira que a galera entrevista. E conta também porque a escalada do Carstensz curiosamente é uma das mais complicadas do planeta…
  • Esta entrevista foi a minha maneira de fazer uma pequena homenagem ao sucesso da expedição “10 Anos de Brasil no Everest”.


1429
×Fechar