Megalodon #megafail

por: Lucia Malla Tubarões, TV

Então que a Shark Week começou. Então eu, animadíssima sobre tubarões, estava toda ansiosa para ver alguma ciência decente sobre estes animais educativamente espalhada na TV pro grande público. E o programa prometia: era sobre o C. megalodon, o maior tubarão que já existiu na face da Terra – atenção ao passado do verbo: EXISTIU. Charcharodon megalodon ou Carcharocles megalodon era um parente do tubarão-branco, cujo tamanho sugerido é de até 18 metros de comprimento, e que se extinguiu há aproximadamente 2 milhões de anos. Ou seja, MEGALODONS NÃO EXISTEM MAIS. Portanto, o que sabemos sobre a espécie hoje em dia vem do registro fóssil. O que, aliás, já é uma história pra lá de interessante, pois até áreas de berçários de megalodon já foram encontradas no registro fóssil.

Sharkweeklogo

E por ser um animal extinto, meu otimismo poliana acreditou que o programa de TV sobre ele teria diversos paleontólogos comentando e discutindo sobre aspectos da biologia do bicho, com viagens interessantes sobre a ecologia, o comportamento e afins da época pré-histórica em que o megalodon vivia. Até, sei lá, divagar sobre possíveis explicações sobre a extinção do animal. Tudo de uma forma digerível pro público leigo.

Quanta ingenuidade ainda a minha…

Tudo bem que a gente já sabia há anos que a Shark Week se restringe a algumas poucas espécies de tubarão (em geral as que mais atacam), e que o foco é sempre o pior: no lado predador-matador-destruidor do bicho, e não nos aspectos de proteção e conservação extremamente mais importantes que rondam toda a existência do grupo hoje em dia. Tudo bem que a ciência tem cada ano que passa se tornado mais secundária, e a geração de medo-pelo-medo venha sendo privilegiada porque parece dar mais ibope.

A conversa do ano sobre tubarões vai além do Megalodon

Mas a Shark Week é a maior conversa online sobre uma espécie/causa marinha que acontece no ano. Por exemplo, ano passado foram mais de um milhão e meio de tweets únicos sobre o tema. Além disso, desde hoje cedo #SharkWeek está nos trending topics mundiais do twitter. Uma oportunidade única de educação do público, de discussões importantes sobre conservação de espécies marinhas, de mudança positiva de opinião e conscientização, de aprendizado sobre biologia e ecologia e sua interface com nossa sociedade. Muitos grupos e organizações ligados à conservação de tubarões e oceanos realizam eventos especiais na Shark Week, para ajudar na causa (o que pra mim é a maior vitória real da semana, levar a discussão pro público de cada local, esse efeito ressonante e formiguinha sobre o tema).

Mockumentário

Só que, a meu ver, o Discovery Channel hoje bateu recordes de sem-noçãozice, ao abrir a semana com um mockumentary, ou seja, um programa de ficção disfarçado de documentário real.

Claro, mockumentaries já rondam o cinema há décadas, e na TV, o recente caso do programa sobre sereias do Animal Planet (do mesmo grupo do Discovery Channel) foi amplamente discutido na blogosfera, mas já houve “certezas” de busca e avistagens de dragões ao Big Foot. Mas ao extrapolar o estilo para o episódio de abertura da Shark Week, o Discovery, um canal que muitos ainda consideram como “científico”, fez na minha opinião um mega-desserviço ao público, que se deseducou e agora fica com aquele ponto de interrogação desnecessário na cabeça. Não há absolutamente NENHUMA evidência de que o megalodon ainda exista nos dias atuais, e o programa faz crer que sim, elas existem. NÃÃÃÃO!

[facepalm]  

Os “cientistas” que aparecem no programa são atores, estão ali interpretando um personagem; as imagens de megalodon atuais são photoshopadas na cara dura, as histórias de barco virado e baleia mordida por megalodons são inventadas. Uma tristeza sem fim.

(Se você acha que o Discovery não “deseducou” o telespectador médio, dá uma olhada no resultado da pesquisa ao fim do programa, que pergunta: “Você acredita que megalodons ainda podem existir?” Até o momento que olhei no site, apenas 19% das pessoas haviam respondido: “não”. Uma lástima.

Dica básica para a vida

Ciência não combina com o verbo “acreditar” – no sentido transcendental da coisa. Ciência é a evidência compilada e discutida, a hipótese refutada com fatos, dados, não com achômetro. Jamais se apaixone loucamente por sua hipótese, diz a grande máxima.

Talvez eu esteja apenas decepcionada com os rumos que o Discovery deu a Shark Week, com a surpresa de um mockumentary logo na abertura. Eu me preparei pro pior em termos de sensacionalismo, para ataques sangrentos a humanos e focas, e cenas over and over de tubarões-branco de boca aberta, mas não para mentiras deslavadas.

Sei por alguns contatos do shark world que cientistas de verdade falarão nesta Shark Week sobre suas pesquisas encantadoras – e assistirei aos programas, porque ainda tenho espreranças de que alguns deles serão bons, interessantes e suscitarão pontos importantes para serem discutidos. Mas não dá pra não ficar decepcionada e desanimada que, com tantas histórias bacanas acontecendo no “mundo dos tubarões”, tantos desafios ainda enormes a serem vencidos na proteção deste grupo, a escolha do Discovery para a noite de estréia tenha sido a mais pobre possível.

Melhor seria que eles tivessem passado “Sharknado” de uma vez. Pelo menos, todo mundo sabe de cara que é um filme de ficção – e todos apenas nos divertimos, sem desserviços maiores.

Tudo de tubarões sempre.

P.S.

  • Para relaxar um pouco: o lema desta Shark Week é “It’s a bad week to be a seal”. Acho que a foca abaixo não está muito preocupada com a semana, não… 😀

(Filmei esta foca havaiana no Aquário de Waikiki no último sábado e postei no meu instagram. “Ela” se chama Maka, e na verdade é um macho, resgatado ainda bebê – a mãe-foca abandonou-o numa praia em Molokai aos 3 dias de idade, e desde então ele vive no Aquário, há 29 anos. Maka é famoso na internet, exatamente por esse comportamento que ninguém sabe explicar direito por que acontece.)

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