por:
Lucia Malla
América Latina, Animais, Argentina, Mergulho, Publicidade, Viagens
Publicado
11/10/2009
Era 2 de abril, feriado na Argentina. A saída de mergulho planejada mais parecia uma reunião de família. Eram o dono da operadora, seus filhos e sua esposa no barco. Aproveitando, claro, o dia de descanso para interagir um pouco fazendo um mergulho com os leões marinhos do sul (Otaria flavescens). O local escolhido para o mergulho era Punta Loma, a 17 km de Puerto Madryn, na Patagônia Argentina. Esta área foi designada em 2005 como protegida pelo governo da província de Chubut.
Ali há uma Lobería, que é como os argentinos chamam os locais onde os lobos mariños se agregam. Esta Lobería é considerada mais tranqüila para se mergulhar. Embora nada tornasse água a gélidos 14 graus “tranqüila”, né… Mas, pelo menos a ausência de corrente e a pouca profundidade não tornariam o mergulho mais complicado.
Como é o mergulho com os leões marinhos
O barco da operação corta o mar calmíssimo do golfo Nuevo e rapidamente chegamos ao point. Na praia, já dá para ver as dezenas de leões marinhos residentes da área, tomando sol, descansando ou brincando. Muitos filhotes, menores e mais agitados, nascidos há menos de 3 meses. Agora brincam na praia, fazendo suas primeiras investidas no mar.
O mergulho com os leões marinhos em geral não oferece perigo e é de baixíssima exigência técnica. O local é bem próximo à costa e você não passa de 5 metros de profundidade. Apesar de ser tão raso, não é permitido fazer ali snorkel. Porque as leis argentinas proíbem qualquer pessoa de chegar perto dos leões marinhos sem equipamento de scuba. Além disso, exige-se o pagamento de uma taxa de conservação alta, que em geral está embutida no preço da saída de mergulho. A regra é não tocar no animal, nem assustá-lo com movimentos bruscos nem levantando areia do fundo.
A visibilidade não é das melhores, em média 5 metros. Por isso, o mergulho requer mais cuidado ainda nos movimentos de cada mergulhador. Os leões marinhos que se aproximam são normalmente os mais jovens, curiosos que estão por descobrir um mundo novo. Ou pelo menos descobrir o que aquele monte de gente soltando bolhinhas e olhando para eles são.
Biologia dos leões marinhos do sul
Os leões marinhos do sul, como são conhecidos, vivem restritamente no hemisfério sul do planeta, na costa da Argentina, do Chile e do Peru, além das ilhas Falklands e na ilha dos Lobos, no litoral gaúcho. O nome leão marinho deriva do fato de que os machos exibem uma cabeleira dourada na cabeça quando estão secos, não tão vistosa quanto a dos leões africanos, mas igualmente atraente para as fêmeas do bando – que também têm a cabeleira, apenas mais rala que a dos machos. Os leões marinhos machos, aliás, pesam em média 300 kg, o dobro das fêmeas, e mantém haréns, com várias fêmeas para cada macho.
Haréns que são muito sonoros, diga-se de passagem. De longe, podemos ouvir os gritos e urros dos leões marinhos. Eles se comunicam basicamente para garantir seu território e suas fêmeas. As mães também urram para alertar os filhotes dos perigos e os filhotes urram de volta para indicar que ouviram o chamado materno. Então, no somatório de machos, fêmeas e filhotes, é uma urraria só. E essa barulheira torna mais fácil identificar que você está numa Lobería. Nesses locais, os leões marinhos se agregam. Pode ser na areia, em rochas ou penhascos, nas piscinas de maré e até mesmo em praias de cascalho ou pedrinhas. Da praia, só saem para pescar seu alimento. Que inclui anchovas, crustáceos, polvos, lulas e até pingüins, de preferência em áreas onde o fundo do mar é recheado de algas.
Ciclo de vida
Nos primeiros meses de vida, as mães saem por 3 dias para pescar e ao voltar, amamentam o filhote por 2 dias, e esse ciclo continua por 2 meses, quando os filhotes já aprenderam a nadar e dão suas primeiras investidas na água. Demorará pouco para que os leões marinhos jovens consigam se equiparar aos mais experientes do grupo. Estes chegam a mergulhar até incríveis 300 metros de profundidade atrás de sua comida. Haja fôlego e adaptação para um mamífero que vive na terra (e respira com pulmões!) agüentar tamanha pressão e tempo debaixo d’água.
Reis da flexibilidade embaixo d’água
Durante o mergulho com os leões marinhos, sua excelente flexibilidade é evidente. Pois giram toda hora o corpo e a cabeça a fitar os intrusos ali presentes. Os leões marinhos não ficam constantemente com os mergulhadores. Vão e vêm, como a explorar e desencanar da exploração, inúmeras vezes. Enquanto isso, a maior parte do bando está sob o sol na praia.
Sua flexibilidade na água permite eficiência na pesca, mas o corpanzil com nadadeiras, cheio de gordura e desengonçado dificulta sua locomoção em terra firme. Mas mesmo assim, eles “caminham”, devagar e sempre na areia. Ali, raramente são predados por outros animais. Correm maiores riscos ao mergulharem atrás de alimento, quando podem efetivamente virar comida de tubarões, orcas e algumas espécies de baleias.
A população que vive na América do Sul é pequena, cerca de 230.000 indivíduos. Apesar disso, os leões marinhos do sul não são considerados ameaçados de extinção. Foram no passado alvo de predação humana intensa, por causa da quantidade de gordura extraída deles. Mas hoje a maior ameaça que enfrentam é a perda de seu habitat e de sua comida. Principalmente pela ação da pesca excessiva e pelo desenvolvimento das zonas costeiras.
Protegidos
Por isso, saber que boa parte das Loberías argentinas são áreas de proteção ambiental é uma boa notícia. Garante, por certo, que mais pessoas terão a chance de mergulhar e interagir com os leões marinhos no futuro. Afinal, eles estão devidamente salvaguardados desde já.
P.S.
- Texto publicado na revista Mergulho n. 144 de julho/2008. Mas devo confessar que me animei a finalmente colocar esta história aqui no blog depois de ler um post bacaninha da Maryanne. Ela conta nele sobre as brigas entre os leões marinhos que ficam no Píer 39, em San Francisco. Maryanne, obrigada por reacender enfim minha memória e inspirar! 🙂