Acordei essa manhã com a triste notícia da morte de 3 mergulhadores no naufrágio Spiegel Grove, na Flórida. Eles entraram no naufrágio e não conseguiram sair a tempo; o ar do tanque acabou antes de eles conseguirem voltar à superfície. A notícia seria apenas mais uma de “acidentes de mergulho” (que acontecem, infelizmente) para mim, se não fosse por um pequeno detalhe: há 10 dias atrás, eu estava lá, mergulhando no Spiegel Grove.
Spiegel Grove é o nome de um navio de suporte e aterrissagem de helicópteros da marinha americana que foi usado durante a guerra fria (fotos aqui), aposentado pelo governo, e afundado propositalmente em 2002 a 6 milhas da costa de Key Largo, na Flórida, com a intenção de que se formasse ali um recife de coral, usando o substrato metálico do navio como ponto de partida. Chama-se a isso recife artificial, e é uma forma muito utilizada pelo mundo como método de repovoar uma região ou ecossistema marinho cuja fauna foi previamente devastada. Além da idéia do recife artificial, o naufrágio em si é impressionante pelo tamanho do navio (mais de 100 metros de extensão), e tem uma curiosidade interessante. Quando foi afundado pela primeira vez, houve um erro de cálculo, e o naufrágio ficou de lado, não tão atraente para o mergulho. Aí passou o furacão Dennis pela Flórida gerando muitas ondas, maré altíssima e correntes no mar – e remexeu o navio, deixando finalmente o Spiegel Grove em posição correta como havia sido planejado, com o casco colado ao fundo.
Desde que foi afundado, o navio tem sido a sensação dos mergulhos na região dos Keys da Flórida, e em torno dele, uma indústria super-estruturada de mergulho está desenvolvida. Uma das grandes vantagens do Spiegel Grove é permitir um mergulho em diferentes profundidades – atendendo bem desde mergulhadores semi-iniciantes até os mais avançados. No mundo do mergulho isso é uma vantagem para as operadoras, que em um mesmo local conseguem atender a quase todos os “clientes”.
No dia em que fomos mergulhar por lá, o mar estava relativamente agitado, com ondas de mais de 1m. Na superfície, tive uma certa dificuldade em me manter estável; entretanto, ao descer, por sorte a calmaria prevaleceu: lá embaixo nem corrente direito havia e a visibilidade estava boa. Ao ver o navio, não teve como não se impressionar com aquele gigantismo todo. É impossível ver todo o navio em um só mergulho, de tão grande que ele é. No mergulho que fizemos, passeamos pelo deque e por parte da proa, vimos a cabine do comandante, e vários níveis da super-estrutura metálica, mas não passamos de 20m. Algumas garoupas e barracudas passeavam pelo local, peixes curiosos e muitas ostras, mas no geral, o coral ainda está no comecinho; daqui a alguns anos, imagino que estará bem vistoso (se os furacões deixarem, é claro). Foi um mergulho legal, em minha opinião.
A regra básica que o guia nos passou foi estritamente seguida: só entre no navio se você vir luz ao final, ou seja, uma saída. Caso você encontre um compartimento escuro, não entre; volte. É provável que essa tenha sido a causa da morte dos 3 mergulhadores ontem, associada à narcose comum em mergulhos mais fundos. Eles estavam a uma profundidade de uns 40 m e provavelmente já narcosados, decidiram explorar áreas mais confinadas do navio e se perderam e/ou nem perceberam que o ar estava acabando. E infelizmente, não conseguiram achar uma saída. Um quarto mergulhador, que não estava no navio, conseguiu voltar à superfície vivo e avisou dos demais tripulantes do barco que os levara. Pêsames profundos aos familiares dos 3 mergulhadores.
Entretanto, ressalto que em minha opinião, o mergulho no Spiegel Grove é seguro – e olha que eu não sou muito fã de naufrágios, mas achei esse bem simples lá embaixo, pelo menos se visto com os cuidados devidos e sem burlar as regras básicas de segurança. Milhares de pessoas mergulham nele por ano, e o risco de acidente existe, mas é bastante minimizado se você não abusa da confiança. Vale a pena a experiência. Eu, pelo menos, gostei.
Quase tudo de bom sempre.