Quando decidimos incluir em nosso roteiro de viagem uma visita aos Lençóis Maranhenses – um sonho antigo – comecei a pesquisar pela internet e afins quanto custaria tal empreitada. Era a época ideal, junho, o auge da cheia das lagoas, e a oportunidade de boas fotos naquele local exótico atiçava ainda mais a imaginação. Eis que depois de muita busca, eu finalmente caio no post primoroso do super-Ricardo Freire sobre o trecho exato que queríamos fazer: de São Luís a Fortaleza, incluindo Santo Amaro, Delta do rio Parnaíba e Jericoacara. Imprimi o post apenas, antes de efetivamente ler os comentários. Mas quando fui lê-los, deparei-me com um comentário onde alguém citava o preço cobrado por uma agência de ecoturismo que fornecia esse trajeto (4,000 reais por pessoa!), e tomamos então o primeiro susto básico. Mas não desistimos do sonho, e resolvemos encarar a viagem assim mesmo.
Seguindo meus hábitos contabilísticos, eis que decidi anotar cada centavo gasto por nós dois fazendo essa viagem por nossa conta, sem arranjos prévios nem preocupações exageradas com o tempo e com logística. Tínhamos, é claro, um percurso pensado, mas ficava por nossa conta a liberdade de escolha sobre quanto tempo ficar em cada lugar. E partimos para a aventura.
Trajeto Malla
“Economia viajante” não significa necessariamente no meu dicionário ausência de diversão nem de um certo conforto – pelo menos de vez em quando. Procuramos as pousadas mais baratas, perguntando às vezes de porta em porta quando chegávamos no local – mas em São Luís, por exemplo, ficamos numa pousada muito boa no centro histórico, pois queríamos descansar de verdade por um dia: tínhamos acabado de chegar de uma maratona pela Amazônia, e eu estava com uma leve crise de bronquite, era preciso recarregar baterias, principalmente sabendo do que vinha pela frente. Escolhíamos a dedo também os locais de refeição. Para nossa sorte, junho é época de festas juninas por aquelas bandas, e pude me entupir com vários pratos de vatapá, arroz de cuxá e farofa de tapioca que custavam poucos reais nos diferentes locais de quadrilha – e ainda fomos convidados VIP do Quadrilhódromo de Parnaíba! Mas mesmo assim, há lugares onde a diversidade de opções para escolha é pequena, como em Santo Amaro do Maranhão, e nesses locais o jeito era encarar o jantar sem estressar muito com o valor. Uma ida ao mercado em alguns casos suplanta o almoço e o bolso: come-se frutas, barras de cereais e afins, mesmo porque com o calor insuportável que fazia ao meio-dia, a última coisa que queríamos encarar era um prato de comida. Sucos de bacuri, graviola ou cupuaçu, no máximo. Bem gelados.
No quesito “passeios”, a economia ficou por conta da qualidade da negociação com os oferecedores do serviço. Em Santo Amaro, por exemplo, encaramos ir até os Lençóis à pé pela manhã. Uma hora de caminhada dentro da restinga, gasto monetário zero, muito divertido e ainda faz-se um exercício físico básico. À tarde, fomos à Lagoa da Gaivota (considerada a mais bonita de todo o Parque dos Lençóis) numa toyota que combinamos com mais 4 pessoas: 10 reais cada um. Já em Barreirinhas, os passeios são todos obrigatoriamente feitos de toyota, pois as lagoas dos Lençóis naquela região ficam a cerca de 1 hora de carro da cidade – embora a gente tenha encontrado duas meninas fazendo o trajeto à pé, eu não recomendo pelo cansaço que te exaure, pois você quer ter energia para subir e descer das dunas de areia, tarefa não muito fácil sob o sol escaldante que parece ser lei. Para tais passeios, pechinchamos com os toyoteiros pelas ruas de Barreirinhas – oferta não falta, e se o preço começa em 40 ou 50 reais, depois de chorar ele cai tranquilamente para 25. O mesmo para o passeio do rio Preguiças que vai até o vilarejo do Caburé.
Em Jericoacoara, tudo já é mais caro. Se uma hora no cybercafé em qualquer lugar até então ficava em torno de 2 reais, em Jeri o preço padrão era de 6 reais. Entretanto, a oferta era maior que a demanda, e as leis do mercado são eficazes: basta andar e pesquisar e você encontrará preços condizentes com a baixa temporada em que estávamos. Ficamos numa pousada muito boa (a Pousada Azul) cujo dono é um britânico de Londres, que nos fez um preço camarada e terminamos pagando menos para ficar lá que em Barreirinhas. Para a Pedra Furada, passeio famoso do pôr-do-sol, fomos por nossa conta à pé, seguindo a trilha deixada pelos visitantes de dias anteriores. Para ver os cavalos-marinhos do rio próximo à Tatajuba, fomos num grupo dividindo um buggy – apesar de que, dada a quantidade de asneiras que eu tive que escutar de alguns membros do grupo, o preço do buggy foi alto demais: uma madame doutora-sabe-tudo, que apesar da postura arrogante, procurava cavalos-marinhos entre as folhas do mangue, como se eles efetivamente tivessem quatro patas e relinchassem. Daí vocês meçam o nível da coisa toda.
Após todas as aventuras e desventuras, entretanto, qual não é nossa surpresa quando, ao chegarmos no destino final Fortaleza, percebemos que o nosso gasto total, incluindo absolutamente tudo (pousadas, passeios, traslados, e até um vôo panorâmico sobre os Lençóis), era de menos de um quarto do que o que boa parte das operadoras de turismo ofereciam? Absolutamente todos os preços dos pacotes detalhados no trajeto São Luís-Fortaleza são inflacionados em pelo menos 200% quando comparados com o gasto de ir-se por conta própria. Ok, há a parcela que a agência, por estar organizando tudo, deve obter, mas acho meio abusivo que as pessoas tenham que pagar tão acima do valor médio de uma viagem feita independentemente. O mais interessante é que, como esse é um passeio meio “roots” para o turista brasileiro padrão, vários trechos (como de Sangue para Santo Amaro, por exemplo) são feitos em toyotas bandeirantes, única e exclusivamente por causa da estrada que não dá margem a opções mais luxuosas. Toyotas que custarão 10 ou 200 reais, dependendo da sua escolha em como se aventurar. A outra forma de ir é fretar um jipe (o que é caro) ou se você fizer o trajeto de avião: em ambos os casos, o preço é bem mais salgado.
Mas outro dia, eu discutia exatamente isso com o Inagaki. Quando você compra um pacote de ecoturismo numa agência, sem dúvida você está pagando pela logística, acima de tudo, já que no Brasil, organizar uma viagem dessas online pode se tornar um pesadelo sem fim – para muitos trechos há pouca informação (e muitas vezes contraditória) na internet, para não dizer em alguns casos ultrapassada. E é exatamente em cima dessa desinformação existente, aliada à expectativa do cliente, que as agências fazem a festa. Outro diferencial também é o público-alvo de uma agência de ecoturismo: em geral, é aquela pessoa que tem vontade de explorar a natureza ou um local específico, tem apenas um período X de tempo para viajar, não quer se preocupar com logística alguma e termina pagando mais pelo conforto do não-estresse e pela experiência de viagem que as agências oferecem. (Embora muitos sejam os relatos de serviços ruins por aquelas bandas também…) Não há absolutamente nada de errado em aceitar um esquema desses, eu mesma já o fiz em alguns momentos, e acho que funciona muito bem principalmente se você quer montar uma viagem com mais pessoas envolvidas que não tenham o mesmo pique e sintonia aventurescos. Mas a minha conclusão final é a de sempre, e vale para quase todos os lugares do mundo: se você for mais desencanado, não se estressar facilmente com atrasos, percalços e afins, se você quiser fazer seu trajeto próprio, disposto a andar para pechinchar, sem interrupção de guias apressados, sem visitas a “lojinhas-esquema” (é como a gente chama aqui em casa aqueles tours que sempre terminam numa “fábrica” de qualquer besteira para você comprar algo quase que forçosamente, um esquema de turismo que eu abomino por ser artificial), há alternativas independentes, e essas alternativas em geral saem muito mais em conta do que a opção de comprar um pacote por uma agência. Você só precisa gastar tempo prévio à caça de informações e não se incomodar com os imprevistos que inevitavelmente aparecerão. Às vezes, as dificuldades e surpresas da viagem se transformam em mais histórias interessantes para contar depois aos amigos. Basta ter a cabeça no lugar, fresca e aberta.
A sua escolha final em como viajar vai obviamente da sua intenção primária com a viagem – e do quanto tempo e bolso você tem disponível. Só você pode decidir qual esquema melhor te apetece. Definido isso, o resto é uma boa viagem.
Tudo de bom sempre.