por:
Lucia Malla
ASPSP, Brasil, Fotografia, Ilhas, Memes, listas & blogagens coletivas, Oceanos, Viagens
Publicado
17/03/2008
Em setembro passado, André participou de uma expedição científica a um dos lugares mais remotos de nosso país, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP).
Esse conjunto de ilhotas era chamado de Penedos ou Rochedos no passado. Mas hoje a terminologia utilizada é Arquipélago. O que não muda entretanto o fato da área ser do tamanho de um campo de futebol no meio do oceano Atlântico, acima do Equador e a meio caminho da África. Ou seja, pedras no meio do nada azul.
Administração do ASPSP
O ASPSP está sob controle da Marinha Brasileira. Mais especificamente da Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar (SECIRM). Esta Secretaria mantém o Programa Arquipélago. Este programa viabiliza a ida de pesquisadores para estudar aspectos geológicos, pesqueiros, biológicos ou meteorológicos.
A Marinha incentiva os pesquisadores a irem para lá. Fornece, além disso, toda a logística possível para os grupos de 4 pessoas que se aventuram a cada 15 dias no Arquipélago. Faz isto porque está interessada no que a região estrategicamente representa para a soberania do Brasil: o aumento da Zona Exclusiva Econômica (ZEE). Para ser escolhido, basta portanto que o pesquisador tenha um projeto aprovado pelo CNPq sobre o Arquipélago de São Pedro e São Paulo. E fazer um curso de sobrevivência na base da Marinha em Natal (RN). O curso dura 1 semana e seu destaque é o treinamento de naufrágio: 24 horas num bote “à deriva” sem comida e sem água.
Longe de tudo
Toda essa rigidez é necessária. Afinal, o arquipélago fica a mais de 1.000 quilômetros da costa brasileira. Portanto, qualquer situação de acidente e/ou emergência por lá requer uma evacuação de barco que leva 2 dias até Fernando de Noronha. Porque se o mar estiver calmo, são 82-85 horas de viagem em barco de pesca de Natal, de onde as expedições saem, até o arquipélago. Ou seja, problemas na ilha têm que ser solucionados por ali mesmo. Por isso é fundamental que as pessoas empenhadas em ir para lá estejam informadas sobre como agir em caso de emergência.
A rotina (animal) no Arquipélago de São Pedro e São Paulo
No Arquipélago, há uma casa (a estação científica), onde os pesquisadores ficam hospedados. A ilha é minúscula, não tem nenhuma vegetação e é habitada por uma população de atobás muito antiga, que remonta ao primeiro visitante ilustre do arquipélago, Charles Darwin. De seu relato em “A viagem do Beagle” (tradução livre minha).
“Nós encontramos nos rochedos de São Paulo apenas duas espécies de pássaros: o atobá-marrom e a viuvinha. (…) Ambos de disposição tímida e estúpida, e estão tão desacostumados a visitantes, que eu poderia tê-los matado em avantajado número com meu martelo geológico.”
Os atobás-marrons (Sula leucogaster) ocupam metade do terreno da ilha principal, a Belmonte. É nesta ilha que se localizam a estação científica e o farol. A população de atobás em 2004 era de 340 indivíduos. São considerados, portanto, os “verdadeiros donos” da ilha. Alimentam-se dos caranguejos e peixes da região. E a coletânea de seus excrementos gera o guano, sedimento orgânico que cobre a ilha e dá seu aspecto esbranquiçado. Os atobás-marrons brigam bastante. Principalmente quando a proteção do filhote é ameaçada. São capazes de bicar incessantemente. O que torna a vassoura para espantá-los, portanto, uma ferramenta fundamental aos humanos que se aventuram por lá.
A fauna subaquática do Arquipélago de São Pedro e São Paulo
Mas Darwin também comentou sobre outro aspecto da região, sua abundante fauna subaquática.
“O menor rochedo dos mares tropicais, fundamentado pelo crescimento de inúmeras algas e animais complexos, suporta portanto um imenso número de peixes. Os tubarões e os pescadores nos barcos mantém uma constante disputa para assegurar sua fatia da presa coletada pelas linhas de pesca.”
Sabe-se hoje que, por estar no meio do Atlântico, o arquipélago é ponto de passagem e encontro de várias espécies oceânicas, como tubarões, atuns, marlins e cavalas. Além destes ilustres visitantes, o arquipélago possui também uma fauna subaquática própria. Se por um lado, esta fauna se assemelha com a fauna de Fernando Noronha, por outro lado contém alguns elementos distintos muito interessantes. Como a presença da floresta de Caulerpa (um tipo de alga) e os morfotipos exóticos do peixe-anjo (Holacanthus ciliaris), resultado de diversos cruzamentos dentro da mesma população da espécie.
A geologia do ASPSP
A geologia do arquipélago é outra peculiaridade que atrai os cientistas. O ASPSP possui uma constituição rochosa extremamente rara no mundo. Esta constituição é resultado do afloramento direto do manto suboceânico vindo de profundidades abissais. Ou seja, as rochas ali são plutônicas e não vulcânicas (link em pdf). Como se um dedo enorme saísse das profundezas e chegasse à superfície. Esse relevo peculiar permite:
- Frequentes pequenos terremotos na região (é a única área brasileira onde a atividade sísmica é frequentemente observada);
- A existência de um paredão rochoso que, há poucos metros da ilha, já se afunda até os 4000m de profundidade;
- Enriquecimento nutritivo das águas ao redor do Arquipélago, advindo das ressurgências existentes vindas das profundezas combinadas às constantes correntes oceânicas, fruto da proximidade da área à linha do Equador.
A pesca na área do ASPSP
É essa riqueza de plâncton, aliada ao fato da poluição diminuta, que mantém saudável boa parte da fauna submarina presente no Arquipélago. Por consequência, traz à região os peixes maiores. Que atrai pescadores.
A área ao redor do ASPSP não é legalmente um parque ou reserva. Porém o IBAMA o protege e controla a pesca. Só barcos com licença podem pescar ali. No passado, os pescadores coletavam tudo indiscriminadamente. Não demorou muito para perceberem que, pescando o peixe-voador por exemplo, eles faziam o atum desaparecer da região. Porque o atum se alimenta dos peixes-voadores. Como o atum é muito mais rentável no mercado que o peixe-voador, os pescadores aprenderam ecologia na prática: era necessário preservar a presa.
Hoje, por questões de orçamento federal e interesse comum, são os barcos de pesca autorizados que levam os cientistas até o Arquipélago, e não os navios da Marinha propriamente dita. Enquanto os pesquisadores coletam dados para seus trabalhos, os pescadores… pescam. Principalmente atum, dourado e tubarão, este último por causa de suas valiosas barbatanas no mercado asiático. Respeitam as épocas de reprodução – no verão, por exemplo, não coletam nenhuma lagosta.
A sustentabilidade da operação no Arquipélago de São Pedro e São Paulo
A preocupação dos pescadores em manter a pesca sustentável da região reflete de certa forma a própria tentativa de equilíbrio da situação geral no Arquipélago. Afinal, a Marinha precisa de pessoas habitando a ilha para poder clamá-la como território brasileiro e agregar tão rica ZEE. Por outro lado, os pescadores precisam da sustentabilidade da pesca para comercializarem e garantirem a sobrevivência de suas famílias. E, por fim, os pesquisadores de diferentes áreas precisam estudar as particularidades inúmeras que o Arquipélago possui. Com isso, portanto, contribuirão para o avanço do conhecimento. No esquema de expedições periódicas bolado pelo SECIRM, todas essas necessidades são contempladas. A região, se sustentavelmente administrada, beneficia enfim todo o Brasil.
Tudo de bom sempre, entre o céu e o mar azuis do Arquipélago de São Pedro e São Paulo.
Para saber mais sobre o Arquipélago de São Pedro e São Paulo
- O texto oficial da Marinha Brasileira sobre a região (link em pdf) e um pouco da sua história. As informações sobre o Arquipélago são educativamente divulgadas ao público geral através de um simpático personagem de quadrinhos, o “Atobaldo”.
- Para ver mais fotos subaquáticas no arquipélago, visite a galeria da ArteSub.
- André lançou em novembro/2008 o belíssimo livro de enfoque fotográfico “Over/under: Arquipélago de São Pedro e São Paulo”. Se você tiver interesse em comprar, clique aqui ou entre em contato no email: mallablogARROBAgmailPONTOcom.