No Ecocentro de Puerto Madryn

por: Lucia Malla América Latina, Aquários & Zoos, Argentina, Viagens

“Podemos decribir el mar, pero nunca conocerlo.”

(Frase exposta na entrada do Ecocentro de Puerto Madryn.)

A cidade de Puerto Madryn, além do importante porto, é o principal ponto de partida na província argentina de Chubut para a Patagônia norte, de onde a maior parte dos tours saem para visitar a Península Valdés. Uma cidade agradável, muito iluminada, ampla, que me lembrou MUITO Santa Barbara, na California. Uma cidade outdoors, basicamente, ensolarada e convidativa aos exercícios ao ar livre.

Há diversas atrações por lá, mas a maior parte delas envolve entrar num ônibus/van para visitar lugares ao redor pela província de Chubut, como a Pinguiñera de Punta Tombo ou a própria Península Valdés. Mas, se você está cansado dessas “mini-viagens” para ver atrações da região – que tem uma paisagem pra lá de monótona, tudo muito amplo, plano e constante – mas ainda quer aproveitar os últimos minutos de sua viagem à Patagônia, não deixe de visitar o Ecocentro.

O Ecocentro é um pequeno museu do mar, muito caprichado e simpático, localizado no topo de um penhasco no final da praia de Puerto Madryn (há ônibus que fazem o traslado até o Ecocentro de graça para os turistas, saindo do escritório de informações turísticas da cidade na beira-mar). O Ecocentro se dedica a explicar um pouco da biologia e dinâmica das espécies marinhas que moram e/ou visitam a Península Valdés e adjacências. Mais ou menos como o Aquário de Monterey faz na California, guardadas as devidas proporções – aliás, o Ecocentro tem estreitos laços colaborativos com o Aquário de Monterey, e a parte dedicada às profundezas do oceano é toda baseada nas descobertas feitas na baía de Monterey, gerando um vácuo de informação sobre a fauna das profundezas daquela região argentina que é uma excelente oportunidade para teses de doutoramento de interessados em deep sea. No Aquário de Monterey, você vê os animais e interage com alguns deles; em Puerto Madryn, há só painéis explicativos, já que a maior parte dos bichos que visitam a baía é grande, sazonal e “selvagem” demais para ser mantida ali. (Os custos operacionais de se manter grandes representantes da fauna num aquário provavelmente são a razão número 1 para sua ausência no Ecocentro de Puerto Madryn.) Mas mesmo sem a presença física dos animais, a atividade de conscientização desenvolvida no Ecocentro é importantíssima e merecedora de aplausos.

Relax: da varanda do Ecocentro, o mar inebria… A vista da praia de dentro da cafeteria do Ecocentro tem tanto azul, que dá vontade de juntar umas cadeiras e tirar uma soneca… 😀

Vejamos por exemplo as explicações sobre a geografia submarina da Argentina. A Patagônia é uma grande planície de vegetação rasteira, um estepe. Diferente do que acontece em Monterey (que há poucos metros da costa já tem uma queda na sua plataforma em profundezas abissais de alguns milhares de metros), na Argentina o relevo plano continua embaixo d’água, mantendo a profundidade máxima de 100m até as Malvinas, a 500 km da costa – e essa é a principal razão hoje pela qual a Argentina reclama na ONU as Malvinas para si: ela é a continuação de sua plataforma continental pouquíssimamente inclinada; onde a plataforma finalmente termina. É a maior planície submarina do hemisfério sul do planeta, e muito rasa para tamanha distância da costa. Essa diferença básica com Monterey já é intrigante o suficiente para atiçar uma vontade de entender a fauna dali, principalmente a de fundo (bentônica) mas ainda há muito poucos estudos argentinos, como o próprio Ecocentro mostra e tristemente cita.

Mapa da plana plataforma submarina argentina. Quanto mais claro o azul, mais raso. Repare que até a região das ilhas Malvinas a plataforma alcança apenas 100m de profundidade. É muito pouco para uma área tão distante do continente. Simplesmente incrível. Abaixo, um esqueleto montado de uma baleia franca que encalhou em Puerto Madryn em 2002, que agora fica exposto no jardim de acesso ao Ecocentro.

Boa parte do Ecocentro é dedicado à informação sobre as espécies da região, principalmente as de megafauna e ameaçadas de extinção, como baleias e pinguins. Você vai ouvir (e entender a diferença de frequência) entre o canto de uma jubarte, uma baleia franca e uma orca. Vai se surpreender com o incrível ciclo de reloginho dos pinguins de Magalhães, que todo ano saem e voltam na mesma época para a Patagônia. Vai sentir levemente como é se alimentar de krill, ao visitar a sala da baleia franca, que possui uma cortina de cordas na entrada que simula as cerdas filtradoras da boca da baleia. É lúdico e interessante você ter qe ser “engolido” pela baleia para aprender sobre ela.

Além dessas questões básicas de biologia marinha, há no Ecocentro uma grande parte da exposição dedicada à conservação dos mares e da fauna marinha da Patagônia. Quadros ilustrativos da “cidade” pesqueira que existe em plena zona de convergência das 2 correntes marinhas que ali se encontram, a das Malvinas (fria) e a do Brasil (quente), que se movimentam à velocidade de 20 cm/seg, movimentando cerca de 70 bilhões de litros de água do mar por segundo na altura da Península Valdés e trazendo próximo da superfície cerca de 80 espécies diferentes de zooplâncton crustáceo. Tanta riqueza de krill obviamente atrai animais maiores, o que faz a festa da indústria pesqeira. Embora seja proibido pescar na região da Península Valdés, a pesca é liberada em mar aberto, e o resultado é essa cidade iluminada, um símbolo da predação humana exagerada.

A entrada para a sala da baleia franca simula as cerdas filtradoras do animal, e faz você literalmente ser “engolido” para o aprendizado sobre o bicho. Abaixo, uma foto de satélite tirada à noite do mar da Patagônia mostrando a intensa atividade pesqueira na área de convergência das correntes marinhas, onde os nutrientes se acumulam. A seta vermelha indica as ilhas Malvinas, mas todo o branco que aparece logo acima em mar aberto são as luzes dos barcos pesqueiros na região – é mais intenso do que a cidade de Puerto Madryn toda!

Mas, depois que você refletiu sobre a fauna, a conservação, a (falta de) informação sobre as zonas abissais da borda da plataforma continental argentina e sobre os problemas da pesca, é hora de tomar um café na cafeteria do Ecocentro, parte imperdível da visita. A cafeteria fica num local privilegiado do prédio, com vista para o mar pacatíssimo do Golfo Nuevo. Serve-se um bolo galês fantástico ali, e se você não for visitar Gaiman, a cidade galesa a 100km de Puerto Madryn, essa é sua oportunidade para apreciar a iguaria típica. Depois de curtir o café, o bolo e a vista, você pode dar uma caminhada até a borda do penhasco, e descansar sentindo o vento forte que bate por ali e apreciando o mar azul. A localização privilegiada do Ecocentro permite boas horas de distração e relaxamento, olhando pro infinito.

Cafeteria com vista para um mar belíssimo, de intenso azul. Abaixo, aprecio o café e o famoso (e delicioso!) bolo galês, típico da região de Puerto Madryn por causa da colonização galesa em Gaiman.

O Ecocentro é uma parada instrutiva e relaxante, que eu indico a todos que se aventuram pela região patagônica.

Tudo de bom sempre.

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– Há no Ecocentro uma citação bem “californiana” na sala de fauna abissal, que delata a ajuda de Monterey na montagem da exposição: a capa do disco de 1973 “Tales from Topographic Oceans”, da banda psicodélica que eu adoro Yes. Junto com a capa ultra-viajante, há o seguinte texto:

“(…) The art of the cover, as well as the whole aesthetic of the group, was developed by the artist Roger Dean. In the cover of its LP (there were no CDs then!) there appears a scene from the bottom of the sea with fish and some well-known rocks of the British landscape and history such as Stonehenge; also the Mayan temple Chichen Itza and the unmistakable markings from the plain of Nazca… mysterious and suggestive collage. Why its presence here? For some of us this was the first hint of the existence of a sea in the depths. There was more than the brilliant surface that we could see. That is why.”



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