por:
Lucia Malla
Big Island, Ciência, Geociências, Havaí, Parques Nacionais, Viagens
Publicado
15/11/2009
Não, eu não sou uma alpinista. Embora seja viciada em notícias everestianas, equipamentos de montanhismo e quetais, minha sanidade mental ainda vence: sei que, com a asma e a falta de preparo físico que tenho, nunca poderei chegar a cume algum da maneira vitoriosa como os heróis-atletas que o fazem chegam, na base do muque e respirando em pulmões de aço o ar rarefeito. Não, eu pereceria nas encostas. De modo que o cume do Mauna Kea, a maior montanha do mundo da base nas profundezas do Pacífico ao topo (10.000m), difere muito dos cumes restritos aos bravos que o mundo do alpinismo está acostumado. Afinal, o Mauna Kea, na Big Island do Havaí, é acessível de carro.
Mas ainda está a 4,205m do nível do mar. Ou seja, o ar rarefeito ali ainda é um grande desafio aos pulmões, principalmente se no dia anterior você os gastou com gases de sulfa.

Um passeio inesperado no Havaí
Mesmo sabendo do ar rarefeito, sempre sonhei em subir o Mauna Kea. É o único point no Havaí onde neva. Há histórias hilárias de malucos gente que transforma prancha de surfe e caiaque em snowboard. E desce as encostas como se estivesse numa mega onda branca de Pipeline. Mesmo no verão, faz bastante frio lá em cima, venta muito, e é fundamental que se leve casacos. O passeio mais bizarro (e inesperado) que há no Havaí é sem dúvida subir o Mauna Kea de manhã, sentir muito frio (ou até neve) e depois descer e ir direto curtir a praia em frente, na costa de Kohala. A idéia era sentir os 2 extremos em menos de 3 horas.

A aventura começa saindo do litoral de Kona, quando enfim entramos na Saddle Road, que leva ao Mauna Kea. No dia em que fomos, vários tanques militares estavam transportando material pro litoral. Afinal, há uma base de treinamento de tiros na base da montanha, num lugar cuja paisagem deve lembrar a aridez do Afeganistão. A fila de tanques felizmente estava no sentido contrário ao nosso. Então não atrapalhou nosso trajeto tanto.
A estrada para o Mauna Kea
A estrada corta o vale entre os 2 gigantes da Big Island: Mauna Kea e Mauna Loa. Ambos vulcões são considerados ativos. Embora estejam dormindo por agora, nada garante que não acordem em algum momento futuro. Da estrada, já temos noção do por quê o Mauna Kea é a maior montanha do mundo. A superfície que ocupa é enorme, uma montanha toda espalhada, com encostas estilo rampão. Bem diferente do que se vê no Himalaia, por exemplo, onde há picos. O Mauna Kea certamente não é um pico.
Chegamos na entrada do parque. Fomos avisados que a estrada aqui começa a ficar complicada. Os guias sugerem, aliás, que você fique meia hora ali no centro de informações, para aclimatar seus pulmões ao ar rarefeito. Aproveitei a parada para ir ao banheiro e ver a fatídica lojinha de souvenirs, cujo atendente parecia um viajante do tempo. Milhares de badulaques se referindo a 2009 – Ano Internacional da Astronomia. Não comprei nada.

Uma planta estranha floresce por toda a encosta, e não existe nas altitudes mais baixas. Nunca tinha visto essa bizarra espécie, que lembra um pouco o silversword do Haleakala. Não faço idéia de que família ou gênero seja, só sei que na estrada vemos muitas delas pelo campo.

Subindo a montanha
Continuamos então a subida. Após um trecho de asfalto, começa o ripio*. As encostas sem proteção e as pedrinhas soltas são o indicativo de que, se tivesse nevado, nosso passeio terminava por ali. É impraticável subir sem tração nas 4 rodas com neve ou chuva. Felizmente nada disso ocorrera naquele dia, então nosso carrinho simples conseguiu subir. Haja primeira marcha. Entretanto, a paisagem já começa a se lunarizar. Não há vegetação, exceto pelas silverswords. O solo estratificado limpo, com nuances de vermelho e verde, forma pequenos cones.
Há ali um lago cuja água não vem da chuva, nem da neve derretida, nem de rio (que naquela altitude não há) ou fontes. Um lago glacial, portanto alimentado pelo permafrost (!!!). Pois é, no Havaí também tem glaciar. O lago é raso, mas os antigos havaianos acreditavam que o lago não tinha fim.


Depois das 6 milhas de ripio ascendente, novamente um trecho de asfalto. Logo ultrapassamos a linha das nuvens e chegamos ao céu cume. Ali, nada de celulares, não são permitidos. Porque celulares interferem com os telescópios.

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Os telescópios do Mauna Kea
A paisagem do topo do Mauna Kea é dominada por 13 telescópios pertencentes ao Departamento de Astronomia da Universidade do Havaí em colaboração com a NASA, além de outras universidades espalhadas pelo mundo.

O local foi escolhido para tais telescópios por ser o ponto no planeta com menor turbulência atmosférica (o que não é a mesma coisa que vento, entenda-se) para se ver estrelas. Além disso, o isolamento do Mauna Kea gera pouquíssima iluminação artificial de cidades próximas, que atrapalham em geral a visão nos telescópios. Também há pouca precipitação anual. O ar ali em cima é considerado dos mais limpos da Terra.



E dá pra sentir essa “limpeza”. Primeiro, pela clareza de tudo ao redor, a paisagem sem vestígio algum de smog, um céu azul profundo que acho nunca ter visto na vida. Em segundo lugar, pelo efeito rarefeito: respirar dói. Em poucos minutos ali em cima, comecei a sentir pontadas no pulmão (fruto da rápida aclimatação). Esta é a sensação que todo alpinista do Himalaia relata. Uma senhora andava entre os telescópios com máscaras de oxigênio.
A paisagem é lunar, vazia. À distância, vemos de um lado o cume do Mauna Loa. Do outro, o cume do Hale’akala, que está na ilha de Maui.

Astronomia moderna na montanha
Grandes descobertas científicas saíram das lentes ali plantadas. Há um tour, feito durante o pôr-do-sol, em que você pode observar o céu com um telescópio colocado no meio da montanha. Um dos telescópios científicos ali pode “enxergar” estrelas e galáxias a 12 bilhões de anos-luz, através de nuvens cósmicas. Confesso que não sou lá grande fã de astronomia. Mas a grandeza daqueles telescópios em meio à paisagem lunar da cratera do Mauna Kea deve fazer brilhar o olho de qualquer pessoa interessada em conhecimento científico. É muito bacana.
Os telescópios estão em dois grupos, conectados por uma estrada asfaltada. Fomos em ambas as áreas apreciar a vista. O frio castigava. Depois de meia hora de um lado pro outro, meu pulmão definitivamente pediu pra descer. Começamos então a trajetória de volta. Não sem antes parar para uma foto do Mauna Loa, num raríssimo momento sem nuvens.

Como já diz o ditado: “prá baixo todo santo ajuda”.
A descida é bem mais fácil, mesmo no rípio. Menos de 2 horas depois, estávamos na beira da praia de Mauna Kea. E de volta ao aconchego de 1 atm de pressão atmosférica. Respirar fundo nunca fez tanto sentido. Ainda mais quando estão na praia nos esperando 6 tartarugas marinhas. Que descansam na areia seus pulmões muito melhor adaptados a diferenças de pressões que o nosso.
Tartarugar é preciso, afinal.

Tudo de ar sempre.
P.S.
- *ripio é como chamamos as estradas de pedrinha solta na Patagônia.
- Perdemos a neve por pouco… O tempo virou no Havaí durante esta semana e a paisagem que estava seca quando estivemos lá há 2 semanas, hoje está como é mais normalmente conhecida, coberta de neve.
- Uma live webcam mostra a paisagem lá de cima.