Nosso lugar no mundo

por: Lucia Malla Educação, Política

Na lista de discussão do luluzinhacamp, a Ana Cláudia começou um papo sobre vacinação. Que virou uma discussão sobre a indústria farmacêutica e que eu, no mais tradicional estilo “viagem na maionese” que me caracteriza, consegui desviar para “o nosso lugar no mundo”. E sobre distribuição normal e média da população. Explico.

Política populacional e nosso lugar no mundo

Vacinas, remédios, construir escolas, colocar ou não um semáforo na esquina da padaria, ter tal alimento na merenda escolar… Tudo isso são decisões que passam, direta ou indiretamente, em última análise, pelas decisões de um governo. Pela forma como um governo decide… governar. Pelas tendências políticas que o caracterizam. Vem daí termos como conservadores, liberais, anarquistas, etc.

Mas, independente da tendência que o governo tenha, ele existe tecnicamente para satisfazer, organizar e trazer melhorias para a população geral. Acontece que essa população geral não é homogênea, há diversidade biológica, de pensamento, de escolhas, e o governo, essa entidade abstrata, precisa então tomar decisões e atender a média da população (média aqui no sentido estatístico, não no sentido classe média, que essa eu deixo pra outro blog pintar melhor).

Mas o que é a média da população?

Logo no início deste blog em 2004, eu fiz um post sobre o coreano médio, onde escrevi o trecho abaixo.

“Existe o que eu chamaria de “brasileiro médio”, uma pessoa existente nos gráficos do IBGE. Mas que na vida real é dificil de encontrar por completo. Quase um ente abstrato. (Ninguém se adequa a 100% dos quesitos do “brasileiro médio” do IBGE.)”

O “brasileiro” (e o coreano, o africano, o vegetariano, o biólogo… Insira aqui a sua categoria de escolha) médio é revelado pelo conjunto de características que boa parte daquela população tem ou carrega consigo. Mas não significa que todos têm as mesmas características. As decisões do governo levam em consideração geralmente essa “média” geral, porque, por mais que seja bonito na utopia, o governo não consegue governar para indivíduos separados. Dada a diversidade inerente às pessoas, isso provavelmente geraria mais conflitos que parcimônia. Ele precisa governar para a média, e entra aí desde o miserável até o milionário.

O valor da experiência pessoal

Mas é claro, somos acima de tudo indivíduos. Então, óbvio, é nossa experiência pessoal que termina por falar mais alto nas nossas decisões. O que acontece, daí, é que a gente tem a tendência de achar que do jeito que a gente faz e/ou pensa é o “modo certo”, e tenta incutir isso nas decisões macroscópicas do governo, muitas vezes sem olhar pro vizinho que não pensa bem assim – ou que não pode, dadas as circunstâncias, pensar ou agir assim.

É muito fácil (e totalmente compreensível), por exemplo, exigir menos carros nas ruas quando você, asmático de tanto escapamento poluente, não mora naquele lado da cidade que não tem transporte público direito. Tendemos a valorizar e lutar pela nossa “verdade” sem se colocar na posição do outro. E é exatamente para harmonizar tantas “verdades”, tentar achar o caminho do meio que satisfaça ambos os casos, que um governo decente existe (decente porque na prática, sabemos que os governos podem também assumir verdades que não estão na média, o que gera problemas. Vide muitas guerras.).

Distribuição normal no governo

Teoricamente, cabe ao governo (composto por cidadãos eleitos pela população geral, lembremos) ao se deparar com um problema X, olhar para o coletivo de indivíduos, ouvir o que eles têm a dizer sobre o problema X, achar o que é a média naquele caso e buscar uma solução que abarque e felicite, na melhor medida possível, o maior número de pessoas. Pensemos na curva chavão de distribuição normal (o nome já diz tudo, né?) de uma população qualquer.

Nosso lugar no mundo - distribuição normal e média da população

(Imagem da Wikipedia)

O governo deve concentrar esforços para aquele meio da curva em azul escuro, onde a maior parte da população está, porque assim ele estará beneficiando o maior número possível de indivíduos dentro da sociedade que o escolheu pra governar. A curva pode mudar? Claro que pode; aliás deve, porque a gente felizmente não vive num mundo estático e as mudanças são contínuas.

Se, por exemplo, hoje a maior parte da população não tem saneamento básico (e dado que este é o fator gerador de uma série de doenças que minam a saúde da sociedade), o governo precisa transformar essa “média” em extremo da curva, e trabalhar, juntar esforços, ter como objetivo que a média passe a ser “ter saneamento básico”, e não o contrário, como vemos agora.

E isso vale para quase tudo em nossa vida. Porque no final das contas, o objetivo geral é ter uma sociedade harmoniosa, com menos desigualdade social, mais qualidade de vida – e esse é um conceito que também difere, lembremos, mas que deixo aqui como food for thought.

Quando somos média da população?

Como comentei na lista de discussão, toda vez que me deparo com uma situação/problema costumo fazer um exercício mental de me inserir nesse quadro: quando sou média? quando sou extremo? Para cada problema/situação que a vida social e a biologia me trazem, tento perceber em que área da curva normal estou. Preciso mudar de área? Dá pra melhorar? Quantos conheço em situação similar? É estatisticamente significativo? Como o governo age neste caso? Quais são os outros lados desse problema?

Educar um indivíduo, em minha opinião, passa por esse entendimento. Porque acho que assim, entendendo o seu lugar ao mesmo tempo que o insere num contexto maior, a gente passa também a entender melhor o outro, e a convivência em harmonia fica menos utópica, mais pragmática. E este “lugar” é dinâmico: somos pilar de um ponto mas massa amorfa em outro, constantemente, e isso é saudável. É inevitável que sejamos média e extremo da curva de distribuição normal, dependendo do que está sendo medido, ou discutido, ou avaliado, ou ainda pensado. Contanto que não nos acomodemos perante as mudanças do mundo, participar desse equilíbrio entre todas as partes da curva é a existência ideal de uma sociedade.

Para mim pelo menos, identificar e tentar entender nosso lugar no mundo, dentro da sociedade, esse lugar que está circundado por nossas escolhas, birras, conhecimentos e desconhecimentos, abre mais facilmente as portas da tolerância. Que é, afinal, o que a gente mais precisa para viver em harmonia na sociedade. Principalmente, para melhorar a sociedade em que vivemos. 🙂

Tudo de bom sempre.

P.S.

  • Espero não ter sido confusa demais… Porque um colateral dessa história toda também é a situação das minorias esmagadas de maneira criminosa. Pela saúde social, o governo precisa agir, garantindo em diversos casos que o extremo possa existir, entendendo que isso é parte da diversidade e que é com diversidade que a gente cresce e melhora nosso futuro. Nós também como sociedade, temos que agir, entender a diversidade. Porque o lugar de ninguém é fora desta curva de distribuição normal.


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