O futuro em Dubai

por: Lucia Malla Antigos, Ásia, Economia, Emirados Árabes, Memes, listas & blogagens coletivas

Confesso que da primeira vez que ouvi falar em Dubai num programa de fofocas de celebridades na TV, não sabia direito onde ficava. Sabia que era no Oriente Médio, mas exatamente onde, necas. Fui até meu livro predileto – o Atlas – procurar o local, e saciando minha ignorância geográfica, descobri que ficava nos Emirados Árabes Unidos. Mais precisamente, no litoral do Golfo Pérsico. No programa de TV, citavam que David Beckham estava em negociação para adquirir propriedades num complexo residencial de super-ultra-hiper-high-luxo chamado “The Palm”, e que Michael Jackson não só havia comprado também uma propriedade, como pensa seriamente em se mudar para lá em definitivo. Achei essa frivolidade da vida de 2 astros fascinante. O que as celebridades estariam vendo num país desconhecido? Comecei a buscar mais informações. E me espantei com o que encontrei.

Dubai atualmente é um mega-canteiro de obras. Uma cidade que era deserto até pouco tempo atrás, está agora investindo quantidades nababescas de dinheiro para construir um pólo turístico, de negócios, de divertimento e principalmente da elite. Dubai sonha grande, e quer ser a porta de entrada do Golfo para todos os povos do mundo. Para adaptar-se ao estilo ocidental de vida, uma verdadeira revolução futurística vem acontecendo por lá. Dubai é um califado islâmico, uma democracia sem voto popular – por mais estranho que isso soe, é como eles se definem. Todo poder está nas mãos do Sheik Al Maktoum, que esperta e diferentemente dos seus vizinhos donos de petróleo, resolveu investir a fortuna que o ouro negro traz não em armas, mas em construção civil que gere rendas, lucros e desenvolvimento à região. Inteligente, sem dúvida.

Para “ocidentalizar” e atrair pessoas para Dubai, várias obras faraônicas estão sendo feitas – entre elas uma nova cidade. Também já está em construção um gigantesco ski resort no meio do deserto – isso porque a cidade está praticamente em cima do Trópico de Câncer, com um calor tropical típico durante todo o ano. Além de inúmeros prédios de corporações pra lá de modernos. Com a atual linha de lucros das empresas imobiliárias por lá instaladas em torno de 380% ao ano, não é difícil imaginar porque até Donald “You’re fired” Trump já abraçou a idéia do Sheik. Mas das obras atualmente em andamento, nenhuma me impressiona mais que “The World”.

A propaganda da página de abertura do “The World” (e a foto aérea do lugar!!!!) já dá uma idéia da megalomania de tudo:

“The Palm put Dubai on the map; The World puts the map on Dubai.”

The World é um complexo de 300 ilhas particulares artificialmente construídas no formato… do mapa-múndi. Cada ilha é a representação de um país ou região específica, e já estão à venda – aliás, o nosso querido artilheiro Ronaldo já adquiriu a sua. A ilha “Inglaterra” foi recentemente vendida para investidores do Kwait, e por aí vai. A infra-estrutura do projeto é inacreditável, e conta inclusive com a construção de recifes de corais artificiais para o lazer mergulhístico e iatístico dos ilustríssimos clientes VIP – e é claro que os ecologistas já reclamaram da destruição natural da área. Reclamações aos ventos: o desenvolvimento de Dubai não pára. A mesma empresa holandesa que está construindo o The World já conseguiu o contrato para a construção de uma outra ilha no estilo The Palm.

Outros empreendimentos já existentes também deixam o queixo caído. Em Dubai está um único dos poucos hotéis 6 estrelas do mundo, e os hotéis da região dos Emirados Árabes em geral impressionam até gente milionária acostumada ao luxo, como os jogadores da elite da nossa seleção canarinho, que se disseram espantados com tantas mordomias. O aeroporto atual está em processo de mega-expansão para atender um potencial público de 40 milhões de viajantes, e é patrocinado pela empresa local, a Emirates – que no início dessa semana anunciou estar comprando mais 42 Boeings top de linha para sua frota.

O dinheiro parece jorrar junto ao petróleo, e alguns países mais espertos, enxergando a oportunidade de ouro, já estão se apressando em fazer negócios e assinar alianças comerciais com o califado. Uma boa estratégia, sem dúvida, já que entre os homens de negócio, o assunto Dubai desponta muito otimismo.

Mas… nem tudo são flores, e como qualquer coisa na vida, há aspectos positivos e negativos nessa pretensão de “cidade do mundo” de Dubai.

Basta dar uma passeada rápida pelo site dos Repórteres sem Fronteiras para constatar os problemas básicos: a liberdade de expressão e de imprensa é quase inexistente. A Internet é 100% vigiada pelo governo, e todas as notícias que saem no jornal local, passam primeiro pelo crivo estatal. Paulo Coelho esteve autografando seu novo livro em Dubai, mas não sem antes passar pelos censores locais, para averiguar se algum preceito básico do islamismo não seria “quebrado”. E, até hoje, a prática de retenção do passaporte de estrangeiros pelos empregadores locais é comum, mesmo ilegal, o que gera uma série de problemas na imigração do país.

E a situação da mulher, num sistema islã totalmente vigiado, não é das melhores, como se pode imaginar dados os exemplos que temos. O governo dos Emirados Árabes tem uma página oficial em que comenta sobre a vida das mulheres por lá – sobre a visão de governantes homens, entenda-se bem. O mais interessante desse site oficial é que ele cita diversas atividades diferentes que as mulheres fazem por lá – a princípio, a falsa impressão de que tudo é permitido é forte. Mas basta ler com cuidado, e perceber que todas as diferentes “atividades” são feitas pela mesma mulher – e uma busca mais acurada me mostrou que Sheika Latifa é a mulher de Sua Alteza o Sheik do país, portanto uma mulher poderosa na hierarquia por si só. Então, me perguntei: “Como é a real situação da mulher em Dubai?”

Apesar de aparentar ser a única lutadora pelo direito das mulheres, Sheika Latifa não é a única: é apenas a mais evidente. Como os Emirados Árabes são uma junção de 7 califados, cada um com seu Sheik, suas respectivas esposas se uniram à Sheika Latifa. E elas vêm lutando de muitas outras formas pela melhoria dos direitos da mulheres nos Emirados Árabes. Em Dubai, por exemplo, as mulheres não podem por lei frequentar universidades públicas, reservadas apenas aos homens; mas há poucos anos, graças à pressão da esposa do Sheik, foi inaugurada uma faculdade particular feminina, que já formou várias profissionais nas mais diversas áreas. O site oficial do Ministério da Informação e Cultura faz questão de estampar todos os desenvolvimentos na área de direitos das mulheres com mais exemplos de liberdade individual, e recentemente, a BBC fez uma série de reportagens sobre jovens do Oriente Médio, e contou o exemplo positivo de uma mulher de Dubai, como prova de que outras mulheres do mundo islâmico estão também levantando a voz e entrando na luta do dia-a-dia por uma carreira profissional, por melhores condições de vida – tudo no maior respeito religioso, é claro. Por causa do boom econômico, elas estão sendo rapidamente absorvidas pelo mercado de trabalho, o que é bom sinal. (Vale a pena ler também os comentários feitos pelos leitores dessa reportagem da BBC, para uma visão mais equilibrada da situação.) Já se criou uma associação de mulheres de negócios – a Business Woman Network Dubai – que tem colaborado para interação com mulheres ocidentais, experiências diferentes, que, com certeza, enriquecem e aumentam a necessidade interna das mulheres de Dubai a lutarem por condições mais equivalentes no mercado de trabalho dominadamente masculino.

Mas é uma luta que ainda vai levar um certo tempo. Apenas em 2004 os Emirados Árabes assinaram a Declaração para Direitos das Mulheres da ONU, e ainda não enviaram nenhum relatório dos progressos obtidos na área. Portanto, oficialmente não há dados mostrando como as mulheres de lá estão de verdade. Confiamos em relatos de visitantes e nos inúmeros blogs de expatriados ou de dubaienses que se multiplicam – numa mídia controlada, lembre-se bem. Embora muitos estrangeiros tenham se mudado para Dubai nos últimos anos, e o contato com o mundo ocidental tenha trazido melhoria em alguns aspectos, acho que no quesito “direito das mulheres” ainda há uma estrada longuíssima. Os comentários na reportagem da BBC refletem isso.

Mas eu tenho esperança no mundo. Afinal, nesse ano, um time só de mulheres iranianas (também muito sujeitas à violências e repressões desnecessárias de suas liberdades individuais) escalou o Everest, e o montanhismo – esporte tipicamente “masculino” na visão islã – está sendo incentivado. Tradições à parte, as mulheres não podem ser encarceiradas por trás de um véu em vidas de séculos passados no século presente. Elas devem ser respeitadas e temporalizadas como todas as demais do mundo, terem direito a um futuro justo e principalmente, livre arbítrio para decidirem sobre suas escolhas.

As mulheres de Dubai, em contato direto com tanto desenvolvimento econômico-social, devem estar cientes de seu papel fundamental no que pode ser o início de uma revolução cultural no mundo islâmico. Estão vendo debaixo dos próprios olhos as realidades de um novo mundo. Dubai está servindo como um grande experimento para diversos aspectos humanos, e espero imensamente que a melhoria das condições das mulheres em geral esteja incluída nessa lista.

Um futuro melhor para o Mundo pode começar em Dubai.

Aguardemos, pois.

Tudo de bom sempre.

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* Para viajar mais sobre Dubai…

– O blog One Big Construction conta um pouco o crescimento arquitetônico de Dubai. Alguns posts são bem interessantes.

– Já o blog Adventures in Dubai reflete as visões de um britânico que mora há bastante tempo na cidade, e tem uma visão bem equilibrada de tudo que está acontecendo na cidade.

– Esse post faz parte da blogagem coletiva do dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher, hoje, 25/novembro. A ação está concentrada no blog da super-Denise, que tem uma lista enorme dos participantes. Vale a pena passear pelos demais blogs! Corre lá.

– Eu “preciso” mencionar que escrevi esse post ouvindo “Crawling”, do Linkin Park.

“Crawling in my skin/ these wounds they will not heal/fear is how I fall/ confusing what is real”.

Que as cicatrizes das mulheres oprimidas pelo mundo um dia deixem de existir por completo.



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