por:
Lucia Malla
Crianças, Mallices, Memes, listas & blogagens coletivas, Oceanos, Praias
Publicado
08/06/2009
Já relatei por aqui, num dos primeiros posts deste blog, que fui criada na beira da praia e que houve um evento em particular, o encalhe de uma jubarte, que gerou a faísca que em última instância me fez abraçar a carreira de bióloga. Ou seja, minha relação com o mar é desde sempre muito profunda, quase existencial. Não consigo me ver sem a perspectiva do azul. Para mim, o mar é parte do que sou, não apenas cenário. Dependo do sal, do cheiro, do barulho e das ondas como dependo do ar para viver.
Mas não foi assim em todos os momentos.
Quando me mudei para Viçosa (MG), passei os primeiros meses sem dormir direito, numa sensação quase claustrofóbica. Achava que era a descoberta do novo, o desafio de morar sozinha pela primeira vez, de ter uma casa para cuidar, o excesso de responsablidade que de repente se avolumara nas minhas costas. O mundo em minhas mãos, eu querendo ter energia para aquilo tudo – mas não conseguia. Porque não dormia.
No primeiro feriado que houve, fui a Vila Velha ver meus pais. Qual não é minha surpresa quando na primeira noite dormi feito pedra? Finalmente descansei depois de um mês e meio. E descobri a razão da insônia: o barulho das ondas. Em Viçosa, eu não ouvia esse barulho que funcionara durante toda a minha infância e adolescência como meu nana-neném natural.
Diagnosticado o problema, tive que encarar a realidade e me forçar a dormir sem o som das ondas. Apelei para música clássica, que me relaxava, e aos poucos encontrei o tom certo; a sensação de “prisão” e “culpa” pelo afastamento do mar foi se esvaindo. Consegui dormir.
Mas ainda assim, era o sono dos inquietos – talvez a fogueira hormonal da juventude também refletisse minha inquietação. Fato é que, de protagonista na minha vida, o mar passou a participação especial por uma década. Era aquele feriadão ou aquela viagem da faculdade que me colocava de novo frente a ele. Mas a distância me consumia, mesmo sem eu senti-la.
Nas lembranças de infância e aborrescência na “minha” praia, fiz piscininhas e brinquei de baldinho, aprendi a nadar, esperava os botos passarem em dezembro, refrescava a cabeça depois de uma manhã de aulas no colégio, tocávamos violão em rodinhas inocentes de amigos, cheias de esperança num futuro melhor. O mar era a minha própria esperança. Nos lugares distantes do mar em que morei/visitei, vivi experiências inacreditáveis, fantásticas. Não as menosprezo nem minimizo, pelo contrário. Mas em todas elas havia (e ainda há) uma sensação de confinamento lá no fundo do meu eu.
Eis o por quê: mar e liberdade são sinônimos indissociáveis na minha cabeça de devaneios tão fatigados.
Talvez isso explique porque ele se tornou um personagem na minha vida, não apenas cenário. É o cheiro do sal que me dá ânimo e vitalidade para mudanças e novas experiências. É o vai-e-vem da maré que equilibra. É a paz em meio a obsessão de eficiência do dia-a-dia. É a liberdade que só a imensidão azul fornece que me fortalece para encarar todas as tristezas, problemas e complicações que a vida joga na cara a todo momento.
Este blog não tem tonalidades azuis por acaso. Para me sentir em casa e com liberdade para escrever aqui, o azul teve que ser cor obrigatória – nenhuma outra passou pela minha cabeça, acreditem. É alegórico, simbólico, mas revelador de quem eu sou, ou da importância que o oceano tem na minha própria existência humana. E me revelando um pouco nesse mar de palavras em tons azuis, conecto melhor com as pessoas. E com a vida em si. É como me defino.
O mar em mim sempre.
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– Este post faz parte da viagem “Um mar de histórias”, que foi uma maneira mais subjetiva que sugeri para celebrar o dia dos Oceanos. Os outros participantes estão listados lá no Faça a sua parte.