Monterey – o melhor aquário do mundo

por: Lucia Malla Animais, Aquários & Zoos, Comes & bebes, Crianças, EUA, Oceanos, Viagens

Eu sempre quis conhecer Monterey. Muito pelo seu Aquário famoso, mas não só: também pela geografia do fundo do mar (que eu vi num interessante documentário do Discovery Channel) e pela cidade em si, que imaginava (não sei por que razão) muito montanhosa e idílica – afinal, está na entrada do Big Sur. Tive uma grande surpresa ao chegar lá: Monterey era completamente diferente do que eu imaginara – muito melhor, por sinal. Quase não há morros, e o litoral é recortado, com recantos e vida por todos os grão de areia.

(Parênteses: Foi muito engraçado perceber o tamanho da ilusão que eu havia criado sobre a cidade, e fica aqui a sugestão de que a nossas “ilusões” podem não ser tão confiáveis assim, pelo menos no que diz respeito a lugares. Mas inclua aí também culturas e afins… Fim do parênteses.)

Monterey fica na ponta da baía de Monterey, e para chegar lá, fizemos um caminho meio “não-convencional”: descemos de San Francisco até Santa Cruz, e de lá pegamos a estrada que margeia a baía até a cidade que dá nome a ela. É um trecho muito bonito de estrada. Embora para os olhos “desavisados” aquela paisagem de areia e sal possa parecer apenas mais uma à beira-mar, não é. Prestando atenção, pode-se perceber uma vegetação que eu, pelo menos, nunca havia visto antes na vida – e que não se repete em outras áreas da Califórnia – com uma mesma planta rasteira predominante em diversas cores. A planta cresce pelas dunas, e forma um tapete natural lindíssimo.

O tapete colorido na praia em Sand City, entre Monterey e Salinas, formado pela planta rasteira que reina por ali.

Um pedaço habitado do litoral de Monterey. Para constar, a água do mar é geladérrima.

Passamos pela entrada de Salinas, a cidade natal de John Steinbeck, prêmio Nobel de Literatura que esgotou histórias sobre a vida no mar e suas dicotomias – entre elas, “A Pérola”, que li ainda nos tempos de colégio. Há um museu sobre Steinbeck em Salinas, mas não entramos na cidade por pura ansiedade minha: queria chegar logo a Monterey.

A lanchonete/peixaria em que paramos para comer clam chowder.

Ao lado, uma vista geral da marina de Monterey.

Assim que chegamos na cidade, fomos para o píer. Era feriado nos EUA, e muitas pessoas relaxavam passeando pelo calçadão à margem da marina. Céu azul de brigadeiro e vento cortante de beira-mar em país temperado. Vimos um casal indo mergulhar – deu vontade de acompanhá-los, mas estávamos sem nosso equipamento e eu, sinceramente, preciso de preparo psicológico antes de entrar em qualquer água fria. No píer, nada melhor a fazer do que se deliciar com uma sopa de clam chowder servida dentro do sourdough, o pão típico de San Francisco que felizmente migrou para o resto do país. Muitas barraquinhas vendem essa combinação, e escolhemos aquela que na frente tinha uma peixaria – sinônimo de produtos mais frescos, talvez. Um pão daqueles, para mim, serve como almoço. Depois do êxtase culinário, fomos ver os leões marinhos que habitam a marina de Monterey. O cheiro quando a gente se aproxima da região em que eles se agrupam é meio desagradável, mas os animais são muito fofos. Houve um tempo em que havia mais deles por ali, mas parece que a prefeitura da cidade andou removendo para outra área, para evitar esgotamento de recursos naturais.

O local predileto dos leões marinhos (Zalophus californianus) são essas rochas na saída do píer. Antigamente, havia mais leões por lá, mas hoje em dia, as aves marinhas dominaram o território, e sobra pouco espaço pros leões. Apesar da concorrência, eles convivem bem.

Eis que depois de passear por ali, nós finalmente nos encaminhamos para a tão esperada visita ao Aquário de Monterey. Para quem não sabe, diferente dos aquários do mundo em geral que têm um pouco de tudo dos diferentes ecossistemas marinhos, o aquário de Monterey é bastante focado no ecossistema local, da baía de Monterey, que é único e, felizmente, um dos maiores santuários marinhos do mundo. A área de plataforma continental é pequena por ali, e logo o solo cai abruptamente para um abismo de mais de 1,000 metros próximo à costa (um mapa interessante aqui). Essa geologia especial do fundo da baía permite uma ressurgência de nutrientes planctônicos fenomenal, que atrai inúmeras espécies marinhas para a região, como baleias, golfinhos, tubarões, sardinhas, atuns, etc. Ali, elas se alimentam fartamente. Algumas residem na baía; outras passam de vez em quando, como as baleias-cinzas. Além dessa festa, há ainda florestas de laminárias (kelp, em inglês) gigantescas, que deixam o ambiente embaixo d’água com um ar de cenário de filme épico.

O Aquário, aliás, é construído onde antigamente funcionavam os entrepostos de comércio de sardinhas, cuja época áurea foi no início do século – hoje a quantidade delas é absurdamente menor que no passado, e tais entrepostos já não dão o lucro desejado. Havia também a indústria baleeira, que foi desativada por pressões ambientalistas. Nos galpões onde toda essa ação ocorria há mais de 100 anos, hoje temos disseminação de conhecimento: o aquário é um local pra lá de educativo, em todos os sentidos.

Assim que entramos, já avistei um dos tanques com uma floresta de kelp, algo que eu nunca vira em nenhum outro aquário do mundo. Percebi visualmente o quanto o ecossistema depende daquelas “gigantas” marinhas em um display super-claro – aliás, o aquário é todo interativo e cheio de atrações para você usar seus sentidos em plenitude. Ideal para crianças. (Parênteses: Vale ressaltar a excelente idéia de usar os cidadãos da “melhor idade” como guias e afins do aquário, para interagir com as crianças. Eles são super-bem-treinados, emanam uma felicidade incrível por estarem ali auxiliando os visitantes e dão um valor inestimável ao processo educativo do aquário. Mais politicamente correto, impossível. Fecha parênteses.)

Há por exemplo, uma simulação da maré, e você pode entrar embaixo de um túnel, onde parece que levará um banho: a gente vê a onda por baixo, batendo na pedra. Muuuuito legal. Apesar da altura do túnel indicar que o “brinquedinho” era para crianças, eu não pensei 2 vezes e me enfiei por lá. Voltar à infância é bom às vezes…


Quem é a criança, mesmo…? No túnel que passa por baixo da simulação de onda, com uma criança de verdade (e muito mais bem comportada que a vizinha adulta).


O tanquinho com invertebrados marinhos para as crianças pegarem. Desnecessário comentar que eu entrei na fila também…

Depois da aventura balão mágico, entramos na mais impressionantes das salas: o tanque de animais oceânicos (aqueles que passam a vida nadando longas distâncias pelos mares do mundo). Tubarões-de-Galápagos, atuns, e até um peixe-lua (ou mola-mola) estavam ali. Dois tubarões-brancos também já passaram por lá, mas foram devolvidos ao ambiente depois de sinais de stress no tanque. Simplesmente inacreditável. Perguntei-me várias vezes como eles conseguem manter aqueles animais ali, já que eles requerem largas extensões territoriais para viver, e o tanque, por maior que seja (é o maior do aquário, por sinal), não é nem um milésimo da área real em que eles vivem. Entretanto, observar a fantástica hidrodinâmica de um atum nadando, e vê-lo pegar uma velocidade inacreditável em poucos segundos, é realmente impressionante. Fiquei sentada na arquibancada em frente a esse tanque por quase uma hora, admirando aquele mini-ecossistema agregado. É raríssimo ver todos eles juntos em um só lugar do mundo, e o aquário de Monterey parece ter conseguido essa proeza de maneira magistral. Nenhum dos animais aparentava estar estressado, pelo menos a meu ver.

Visão geral do tanque dos oceânicos. Repare no tamanho absurdo do atum que eles têm em cativeiro, comparado com o tamanho das pessoas! Abaixo: um raríssimo tubarão-de-7-brânquias (Notorynchus cepedianus), evolutivamente um dos mais antigos tubarões existentes, passeia pelo tanque. Lindo!

Do tanque dos oceânicos, passamos para uma sala surreal: a das águas-vivas. É uma viagem psicodélica das mais loucas e surreais possíveis. Eles iluminaram os locais onde as águas-vivas transparentes ficam com uma luz neon azulada, que dá a sensação de nave espacial. Ao avistarmos esses seres nadando naquele espaço, parece que vamos assistir a uma invasão intergaláctica de alienígenas estranhos. É simplesmente psicodélico. O display realmente merece aplausos, porque é magnífico para um animal já tão surreal.

Como a gente vê as águas-vivas: no escuro, em luz meio fluorescente, para viajar bastante na maionese celenterada…

Três águas-vivas posando para a foto.

Depois da surrealidade, hora de relaxar os neurônios: fomos brincar com as lontras. O tanque das lontras é fora do aquário, e você as vê sempre em algazarra com os brinquedos de plástico que o aquário deixa por lá. Elas adoram a farra, jogam água uma na outra, e ficam o tempo todo de barriga pra cima (termorregulando, na verdade), num relax blasé só.

Aquário de Monterey

Uma gaivota se refresca nas águas do Aquário. Abaixo, uma lontra curiosa (Enhydra lutris).

Da lontra, caminhamos até a última sala, com esqueletos de diferentes animais marinhos pendurados (baleias, golfinhos, tartarugas, etc), inclusive a espécie mais estranha de todas: o Homo wetsuitus, mais conhecido como… mergulhador. Uma brincadeira apropriadíssima com esses seres vivos que não pertencem à água, mas adorariam pertencer. Leia a plaquinha indicativa da espécie:

Na saída, é claro, uma passada básica na lojinha para duas novas e queridas adições à minha coleção particular de elasmobrânquios de pelúcia: um tubarão-leopardo e uma arraia-jamanta (que é uma manta de se cobrir mesmo). O aquário de Monterey é uma volta à infância, e eu não podia fugir à regra unidunitê de levar um brinquedinho pra casa.

E, apesar do clima infantil, foi uma frase bem adulta do Pablo Neruda que me chamou a atenção na parede do aquário:

“…life in its jewel boxes is endless as the sand.”

Poética e simples. Descreve bem a festa marinha que prazeirosa e divertidamente conhecemos em uma breve passada por Monterey.

Tudo de criança sempre.



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