Quando criança, eu costumava falar pras minhas amiguinhas de colégio que eu era filha de juiz. E, bom, eu não estava mentindo – meu pai era mesmo juiz: de futebol, entretanto. Atuou até meados da década de 80, era da CBF, numa época em que a profissão de árbitro tinha glamour quase zero. Aliás, nem era profissão, visto que a maior parte dos juízes que frequentavam lá em casa tinham outra profissão com a qual garantiam o sustento; como meu pai, que era gráfico.
Um causo de juiz de futebol
Mas ser juiz nos deu muitas histórias pra contar. Engraçadas, arriscadas. A mais vívida? Lembro-me uma vez de ter ido assistir a um desses jogos pelo interior do Brasil – jogos perdidos – com minha mãe. Time da casa contra o visitante. O time da casa estava mal no campeonato (acho que era estadual), e precisava ganhar. O campo era uma várzea daquelas, mas estava lotado – a cidadezinha praticamente inteira estava ali torcendo.
Meu pai, sabendo que poderia ser um jogo tenso, pôs eu e minha mãe na arquibancada sentadas próxima a uma senhora mais idosa – com certeza pensando que as pessoas teriam mais respeito com a senhora ao lado. Lá pelas tantas do jogo, a velhinha começa a gritar: “Juiz ladrão, filho da p***!” Eu, com 4 anos na época, não entendi nada daquilo e tive a pior das reações: comecei a chorar. “Buáááá! Estão xingando meu pai!” – eu berrava. Minha mãe, sempre tranquila, tentava me acalmar e não deixar que os vizinhos de arquibancada percebessem quem éramos.
Não teve jeito. Saímos logo do estádio, minha mãe com receio de que apanhássemos ali mesmo. Ao fim do jogo – que o time da casa perdeu – meu pai teve que sair escoltado, pois a torcida insana jogava de tudo nos árbitros – e numa dessas inclusive, algum torcedor jogou um radinho de pilha, radinho esse que está lá em casa até hoje, como troféu dessa época aventureira pelas várzeas Brasil afora.
(De acordo com meu pai, nesse evento, o time da casa era muito ruim mesmo. E ele, honestamente apitando, não teve como abrandar a derrota.)
Vendo jogo com o juiz ao lado
Mas o futebol está na veia dele, desde sempre. Não dá pra separar o futebol de sua personalidade, e sempre admirei essa paixão magnética pelo esporte que ele tem. Assistir a jogos pela TV sempre foi muito divertido lá em casa: meu pai apitava o jogo em voz baixa, deitado no sofá. Sempre ouvíamos os sussurros: “Pênalti.” “Cartão amarelo.” “Lateral.” “Não, está impedido.” Fora as discussões surreais dele a cada comentário de Arnaldo César Coelho – que obviamente nem sabe do que se passa lá em casa.
Dizem que juiz de futebol não tem time, pelo menos não deveria ter. Mas meu pai tem: ele diz para mim que é torcedor do Flamengo (só para tirar uma tricolor do sério…), mas eu sei que no fundo ele torce pelo América, do Rio de Janeiro. Torce, não: é testemunha. Ou alguém aqui conhece outra pessoa – que não seja o pai do Romário – que torce por esse time?
Crescendo num lar cheio de futebol, tive mesmo que pegar um pouco dessa paixão por osmose. Sou uma torcedora tricolor do coração. E gosto de assistir, discutir futebol. No Brasil, dava altas risadas com os programas de mesa-redonda e hoje, fora do país, me divirto muito lendo blogs de futebol, como o Balípodo, o Malas do Esporte e o Jogos Perdidos – que me trazem de volta essa nostalgia de estar no sofá da sala lá de casa, dando risadas, discutindo nonsenses futebolísticas e torcendo muito. (Meu pai lê alguns desses blogs também, para podermos discutir pelo Yahoo!Messenger.)
Leitor de blogs
Atualmente, aliás, ele é um iniciante leitor de blogs. De política, em sua maioria, outro assunto que adora discutir. Lê o Noblat, o Barnabé, o César Maia, o Idelber (que alia política e futebol, duas coisas que ele adora); sugeri o Sítio do Sérgio Léo, acho que ele vai gostar da abordagem mais imparcial. E para descontrair, ele lê o Suburbia Tales (porque nossa alma suburbana jamais morrerá!), e principalmente o meu bloguinho, é claro. Como pessoa de alma jovem, ele está sempre antenado nas novas tendências e modismos.
E eu poderia passar o resto da semana detalhando milhares de características que eu acho maravilhosas, humanas, em sua pessoa, e escreveria textos enoooormes. Razões que me fazem achá-lo o melhor pai do mundo.
Mas não vou. Porque hoje é dia 28 de agosto, e não quero tomar seu tempo. Ele vai passar o dia num jogo do Sub-60, seu time de fim-de-semana. Todo domingo tem jogo, e hoje especialmente, um churrasco em sua homenagem será realizado pelos companheiros de time. Porque hoje, 28 de agosto, é seu aniversário. Gostaria muito de estar lá, estarei representada pela mamãe e demais parentes, mas faço questão de quando for ao Brasil, ir assisti-lo jogar num domingo.
E para aquele que é para mim o melhor juiz do mundo, nada melhor que um jogo pra comemorar um dia tão especial.
Papai, parabéns pelo seu dia! Tudo de bom sempre pra você, papi.
(E depois me conta quanto foi o placar do jogo…)