O que você vai ser quando crescer?

por: Lucia Malla Amigos de viagem, Ciência, Mallices, Viagens

Acho que todos já ouviram essa pergunta alguma vez na vida. Vinda dos pais, parentes, amigos ou conhecidos. Na escola, em casa, ou na festinha de aniversário da vizinha. De alguma forma, o futuro incerto não tem vez: as pessoas precisam de definições. E parece que enquanto você não veste a camisa de uma “profissão” qualquer, as pessoas ao seu redor não sossegam – principalmente, você não sossega. Precisa saber qual xiszinho marcar no formulário de inscrição do vestibular. Expectativas, expectativas.

Para mim, ao terminar o segundo grau na escola, não havia dúvida alguma: eu faria Biologia. Nunca sequer cogitei outro curso ou rumo. Já havia feito vestibular como treineira antes, aprendendo os macetes da prova mais dor-de-cabeça que o sistema educacional criou. No auge dos meus 17 anos, tinha certeza de que queria entender de moléculas, de genes e de plantas. Mas sei que essa decisão toda é algo raro entre aborrescentes, e muitos dos meus amigos calouros de faculdade eram “médicos frustrados” – alguns largaram a Biologia para tentar Medicina de novo, outros se acomodaram, a maioria terminou aprendendo a gostar mais do curso e encarar a Biologia como profissão mesmo (e em geral estão felizes com a decisão).

Se não tive muito medo do vestibular, no último ano de faculdade, comecei a me preocupar de verdade. Afinal, até então, eu tinha absoluta certeza do que gostaria de fazer. O futuro era sempre “certo”. Mas depois que você se forma, parece que o futuro depende mais de variáveis que não sabemos controlar – como o mercado de trabalho, por exemplo – e a incerteza brota. Além do mais, fui comodamente estudante a vida toda, e estudar era a única coisa que eu sabia fazer. A formatura representava a entrada em um mundo novo, desconhecido.

Muitos dos meus amigos, ao se formarem, continuaram suas carreiras acadêmicas, entrando no mestrado, depois no doutorado. É, aliás, a sequência lógica. Mas eu não queria naquele momento continuar na academia científica. Tinha uma formiguinha no meu ouvido dizendo: “Vá conhecer o mundo!” Embora todos pensassem que eu, uma apaixonada por biologia desde sempre, tinha como certa a ida pro mestrado, resolvi no último ano surpreender a todos, e começar a me acostumar com as incertezas reais do futuro que estavam por vir.

Primeiro, apareceu uma proposta de emprego numa indústria de alimentos. Dezenas de candidatos para uma vaga. Fui fazer a entrevista em Belo Horizonte, e não passei nem da primeira fase. Claro, estava acostumada com o ritmo da faculdade, não sabia como me portar numa entrevista, responder de forma correta às questões, e principalmente, dancei feio naquelas dinâmicas de grupo psicológicas que até hoje não entendo bem o que analisam. Encarei essa “derrota” como um grande aprendizado: precisaria me esforçar mais para garantir minha vaga, entender melhor as regras do jogo. Comecei então a olhar em anúncios de emprego o que eles pediam mais, e esbarrei no óbvio: inglês fluente. Estudei inglês desde meus 9 anos de idade, mas sempre soube que fluência você só adquire quando submerge na cultura da língua estrangeira, dormindo e acordando com pessoas ao redor falando a língua a ser apre(e)ndida. Foi aí que veio a segunda oportunidade.

Li em algum lugar (não me lembro onde) sobre um programa de estágios no exterior, para estudantes em final de curso. Era tudo que eu queria naquele momento. O programa (chamado IAESTE) baseava-se em pontuação, e o candidato adquiria os pontos através de uma prova básica de inglês, de seu currículo e da oferta de um estágio e/ou alojamento no Brasil a um estrangeiro – era um programa de reciprocidade. Não consegui oferecer estágio nem alojamento algum (o que me fez perder pontos), mas não desisti. Fiz a prova de inglês, e aguardei o resultado ansiosamente. Eis que alguns dias antes da minha formatura, veio a resposta: eu estava selecionada, e tinha 3 opções de estágio – Alemanha, Croácia e Argentina. Só um problema: na época, eu trabalhava com genética de plantas. Na hora de preencher o formulário, eu tinha “simplificado” as coisas, e coloquei apenas “biologia de eucariotos”, que engloba praticamente tudo em biologia exceto bactérias e vírus. E as opções que vieram nada tinham a ver com plantas. Escolhi um laboratório de tecido adiposo na Alemanha pela razão mais patética possível: queria conhecer Berlim que, desde a queda do muro em 1989, tinha se tornado um sonho adolescente. Ou seja, minha escolha nada tinha a ver com biologia em si.

Mas o alívio foi inacreditável. Fui para a formatura sabendo que em breve, estaria saindo do país pela primeira vez, realizando um sonho e estagiando temporariamente num laboratório, meu hábitat. Não estava empregada efetivamente, mas estaria aprendendo um pouquinho – na época, achava que era só um pouquinho, hoje vejo que foi simplesmente fundamental para meu crescimento profissional e pessoal. Fui para o estágio sem muita expectativa, porque todas minhas expectativas estavam no fundo resumidas em andar por Alexanderplatz ou atravessar o portão de Brandemburgo.

O que você vai ser quando crescer?

Momento de alegria, a formatura também é um momento de transição e inseguranças. Nessas horas, correr atrás de uma boa oportunidade foi a melhor opção: realizei o sonho de atravessar o Portão de Brandemburgo, em Berlim. (A foto abaixo foi tirada do lado ex-oriental, em frente a embaixada da Hungria, às 7 da manhã. Repare no guindaste à direita: Berlim era um grande canteiro de obras quando lá estive. Immer Baustelle.)

Fui. O estágio era em Potsdam, a inacreditáveis 30 minutos de Berlim. Fiz vários amigos na Alemanha, e pelo menos 5 foram depois me visitar no Brasil. Ainda mantenho contato com a maioria. Vi de perto a dinâmica de um laboratório no exterior, experiência que por si só já veio de bônus para meu currículo, mas principalmente vi a dinâmica da vida num país diferente. Vi o comportamento de outra cultura. A primeira vez em que se é estrangeiro é inesquecível, sempre. Os choques culturais, as dificuldades, as pequenas alegrias, as grandes conquistas do dia-a-dia. A Alemanha, por questão de oportunidade, foi a minha porta de entrada para uma nova visão da realidade, um outro lado da moeda.

Quando voltei pro Brasil, veio a insegurança de novo: “E agora, o que fazer?” O medo de não conseguir emprego, a dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, de ter perdido o pique de estudo (estava em ritmo de mochilagem pela Europa, dormindo no meu saco de dormir por quase 6 meses…), tudo isso passou pela minha cabeça. E o acaso me trouxe mais um obstáculo: uma doença grave na família. Larguei tudo, por mais um ano. Não pensava na minha carreira objetivamente, não lia jornais científicos, mas continuava estudando por conta própria o que passava pela frente. Nos intervalos da fisioterapia, sempre estava lendo um livro ou tentando entender o que se passava com o organismo naquele momento difícil. Discutia com o médico, aprendia um pouco de neurologia na prática. Converti um tempo “perdido” em tempo ganho de conhecimento que, embora naquele momento não enxergasse, me ajudou a trilhar os meandros da ciência com mais sutileza.

Quando a situação se estabilizou, percebi que era hora de voltar a focar na minha carreira, e voltou a pergunta: “O que fazer?” Eu já estava há quase 2 anos fora do mercado de trabalho tradicional – na realidade, nunca havia me inserido nele direito. Mas tinha alguma experiência de vida – “mas isso todos nós temos, de um jeito ou de outro”, pensava. Resolvi arriscar o mestrado num campo novo, numa cidade nova, com pessoas que nunca tinha visto na vida. Recomeçar de novo – mas não do zero, e sim a partir da experiência acumulada no período em que para muitos eu parecia ter “perdido tempo”. E deu certo.

Sair do país foi para mim a melhor experiência possível, porque, muito mais que aprender inglês (meu objetivo inicial), foi o contato com uma nova realidade, com comportamentos e hábitos novos, sentindo tudo na pele, ao vivo. Mas foi principalmente a realização de um sonho pessoal. Cada um constrói seu futuro com as suas experiências pessoais, com seus pequenos sonhos. Cada um tem uma história para contar. Olhando para trás, agora, vejo que as oportunidades aparecem na vida da gente – e se não aparecem, a gente as cria. Saber aproveitá-las, e principalmente, saber transformar eventos negativos em resultados positivos depende de cada um, da sua forma de encarar o mundo, do seu jogo de cintura perante as dificuldades. Críticas e elogios fazem parte do jogo, mas o xeque-mate, quem arquiteta e planeja é somente você. Choose life, always.

Tudo de bom sempre.

*Maitê, espero que esse texto tenha respondido a sua pergunta… 😉



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