Numa das mesas-redondas de hoje no gigantesco Congresso de Biologia Experimental que estou participando, rolou um bate-papo muito interessante sobre a comunicação científica para o público geral. Um tema que, vale dizer, me é muito caro. As 3 palestras foram muito boas, proferidas por cientistas que hoje são envolvidos com educação per se e/ou administração pública da educação. Uma das palestrantes foi assessora de Hillary Clinton quando esta era senadora, inclusive. Nas 3 palestras, diferentes aspectos do mesmo problema, o da conversa entre cientistas e público geral. Principalmente, as dificuldades, esperanças, políticas e mimimis da comunicação de massa.
Modelos da comunicação científica
Entretanto, o primeiro palestrante, Dr. Francis Belloni, trouxe uma visão geral muito interessante sobre a forma como nós, cientistas, nos comunicamos. Ressaltou com todas as palavras possíveis e imagináveis que, uma vez financiados pelo governo, é nossa responsabilidade ética e social educar, de alguma forma (mesmo que seja de uma maneira bem soft) o público em geral. Tomei notas e compartilho aqui com os interessados.
Dr. Belloni começou explicando os 3 modelos (eu diria que são posturas) existentes em teoria da comunicação que são usados quando se fala de comunicação científica.
1) Modelo do déficit
Sua premissa é de que o público não tem conhecimento científico (ou o tem insuficientemente). Esta é, portanto, a razão da dificuldade de se chegar num consenso sócio-político das opiniões. Neste modelo, a única estratégia para acabar com tal discrepância é a disseminação do conhecimento através da mídia de massa (e entram aqui revistas, jornais, programas de TV, blogs, filmes e afins).
O problema deste modelo é que, como a mídia é bastante fragmentada na atualidade (cada vez mais pessoas não se informam só pelo Jornal Nacional), a avalanche de informação gera uma resposta quase instintiva contrária: as pessoas passam a querer evitar o conhecimento exagerado. Este “desprezo” aparente geraria então uma resposta superficial ineficiente aos problemas de comunicação: culpar a mídia pelo mau trabalho de divulgação, esquecendo de que a opinião pública é influenciada por n outras coisas como ideologia, religião, escolha política, estrutura social etc.
2) Modelo do diálogo
Sua premissa é de que, uma vez que os cientistas comunicam sua ciência de alguma forma (press releases, blogs, whatever), o público geral é posto a falar sobre as questões mais gerais que envolvem aquele conhecimento específico que são pertinentes (aspectos econômicos, benefícios, problemas, consequências).
Num mundo utópico perfeito, este seria o modelo perfeito de se comunicar ciência para as pessoas. Infelizmente não vivemos ainda neste mundo perfeito. O maior problema deste modelo, aliás, é justamente fazê-lo sair da escala micro para a macro. O diálogo funciona muito bem em pequenos grupos. Mas jogue a mesma questão para cada vez um número maior de pessoas e a coisa tende a degringolar exponencialmente.
(O exemplo dado pelo palestrante foi o de que na prática uma conversa entre Richard Dawkins e o pastor Pat Robertson nunca chegará num consenso na vida real, por mais que ambos os lados se esforcem. Porque há diferencas de mindset básicas que comprometem o resultado.)
3) Modelo da participação
Onde a gente reconhece que há muitos grupos envolvidos para se comunicar uma descoberta científica e analisar suas consequências. Ou seja, tira-se o peso um pouco do ombro do cientista. Nesse ambiente enfatizar-se-ia o processo deliberativo que contribui para a solução dos “grandes problemas”. Particularmente, ele citou mudanças climáticas, os “céticos do clima” e a resposta dos cientistas a eles, neste ponto. Na apresentação dele, sugere-se que foi bem-sucedida a intervenção social de diferentes grupos colocando outros pontos no jogo. Eu acho que ainda falta muito para que esta realidade ser aceita. Quiçá confio que um dia será. Esse talvez seja um jogo meio RPG, sem fim certo.
No final das contas, nenhum modelo de comunicação é “certo”. Dependendo de cada situação, usaremos um ou outro, de modo a maximizar o aprendizado geral do público. Mas… como saber qual é a forma de comunicação mais efetiva possível para cada caso?
Órgãos da comunicação de massa
Neste ponto, acho que ele usou a melhor analogia possível. Não foi idéia dele, veio do pesquisador Randy Olson. Era uma foto do Arnold Schwarzenegger jovem de sunguinha em pose fisiculturista, que apareceu na tela, com setas indicando para 4 órgãos do corpo dele.
Os 4 órgãos da comunicação de massa. São eles:
- a cabeça (o conhecimento científico, racional, de um tópico);
- o coração (você deve falar do que gosta, do que te emociona);
- o intestino (e aqui é um trocadilho com “gut” que inglês significa intestino mas metaforicamente significa intuição, aquela coragem, ousadia com o feeling de que vai dar certo, vai funcionar, será ousado e bem-sucedido);
- os órgãos sexuais (uma seta apontava para o pênis do Schwarzenegger no slide, significando que em toda comunicação deve haver um sex-appeal envolvido, para atrair o público e envolvê-lo).
Uma boa metáfora
Eu adorei essa metáfora dos 4 órgãos para a comunicação de massa. Porque é concisamente isso. Afinal, quantas vezes a gente lê textos científicos ótimos, que mostram um amor enorme do cientista pelo seu trabalho, mas sem ousadia suficiente para dar “o pulo do gato” e brilhar? Ou documentários bem-intencionados, apaixonantes, mas com conteúdo apático, que mais desinformam que informam? E as palestras em que o cientista tem um trabalho com potencial pra ser capa da Nature mas não consegue desenvolver um sex-appeal que envolva o público na questão?
(Nunca me esqueço de um seminário que assisti uma vez de uma menina que trabalhava com pessoas HIV positiva usuárias de drogas cujo nível de “animação” me levou ao sono profundo por 1 hora. Um trabalho com pragmatismo enorme, dados excelentes, jogado no lixo por gráficos ilegíveis em uma apresentação medíocre.)
Acho que exercitar esta fórmula o que a gente mais precisa fazer com cada pessoa envolvida em comunicação científica de massa: unir conteúdo, emoção, intuição ousada e – por que não? – torná-lo sexy, envolvente. Independente do modelo que você considere para o seu público-alvo em cada ocasião, quando você tem estes 4 órgãos bem trabalhados, o resultado tem maior chance de ser bem-sucedido.
Tudo de bom sempre.
P.S.
- Este congresso foi em Anaheim, ao lado da Disneyland. Leia mais sobre minha experiência ao encontrar pela primeira vez o Mickey e o Pateta.