Parques estaduais americanos: Point Lobos

por: Lucia Malla EUA, Parques Nacionais, Viagens

Point Lobos

Um pouco ao sul de Monterey fica um parque que, de todos que visitei pelo litoral da Califórnia, é sem dúvida o mais impressionante: Point Lobos. (Sei que a Leila também é fã desse parque, com toda razão.) Impressiona pela magnitude de beleza do encontro do penhasco com o mar, das reentrâncias das baías, das plantas que lá habitam, da amplitude da paisagem. Point Lobos é a minha dica número 1 de parques na Califórnia, a qualquer um que perguntar. Um lugar onde a liberdade que só o mar nos faz sentir é elevada ao teto máximo.

O parque é a primeira parada para quem desce a US-1 vindo de Monterey. Antes dele, fica a cidadezinha de milionários Carmel que vale a pena o passeio – pelo menos para um café overpriced. A reserva fica aberta até meia hora depois do pôr-do-sol, e nós chegamos lá em torno de 1 da tarde. Pegamos o mapa que o guardinha florestal da guarita nos deu e começamos nossa pequena aventura.

Point Lobos tem diversas trilhas curtas, e como todo bom parque americano, as mesmas são extremamente bem-cuidadas e cheia de placas indicativas. Perder-se por lá é praticamente impossível. Começamos de forma light: indo de carro até a Whalers Cove, uma trilha pequena, de onde é possível sair para um mergulho de scuba que dizem ser divino, lotado de florestas de kelp – nós, entretanto, estávamos na pressa, e miraculosamente não mergulhamos na área, considerada uma das mais ricas em nutrientes da costa americana, devido à ressurgência vinda das profundezas marinhas que naquele ponto está a poucos quilômetros da praia.

Depois de Whalers Cove, deixamos o carro no estacionamento principal e encaramos a trilha do Cypress Grove, que é maior e mais cheia de visões espetaculares. Os penhascos são impressionantes, e o barulho das ondas batendo violentamente nas rochas e do vento zunindo fortemente dão um ar de filme de suspense ao local. A trilha é infestada de heras venenosas (poison ivy, em inglês), uma planta da mesma família da manga (Anacardiaceae) que causa reações alérgicas graves quando tocada – como uma urtiga (que, embora com a mesma capacidade de ardência, é de outra família, a Urticaceae). Portanto, é preciso cuidado ao caminhar por lá, principalmente se você gosta de ultrapassar as fronteiras da trilha padrão. Ou usar sempre trajes mais cobertos, como calça jeans e blusas de manga comprida.

O nome Cypress Cove foi dado pela existência ali dos últimos exemplares no planeta do cipreste-de-Monterey, árvores enormes e que foram a razão inicial para a criação do parque ali. No período em que lá estivemos, inverno, os ciprestes estavam ressecados e cobertos por uma camada avermelhada que os tornava ainda mais poeticamente áridos e muito fotogênicos. Esse tom avermelhado é advindo de uma alga que produz caroteno e fica encrustada não só nos troncos e galhos de cipreste, mas também em outras árvores da área. Na mesma trilha onde os ciprestes estão em maior quantidade, vimos também visitantes inusitados: dois veados-da-cauda-preta (Odocoileus hemionus). Estavam se alimentando de umas folhas de arbusto e inicialmente, não deram a mínima para a nossa presença. Entretanto, bastou que chegássemos a uma distância “perigosa” para que desaparecessem barranco abaixo. É interessante, aliás, como esses animais são bem adaptados para andar em trechos tão declinados.

Diferentes visões do Cypress Cove, com seus penhascos.

A árvore infestada por algas vira uma escultura viva, ressecada pelo inverno. Abaixo, o dono do pedaço: um veado-de-cauda-preta se alimentando pacatamente.

A trilha do Cypress Grove requer uma boa hora de andança. Não por que seja longa, mas porque as paradas para admiração são muitas. Mas nós não tínhamos muito tempo sobrando, então resolvemos seguir em frente e caminhar um pouco no Sea Lion Point, uma península mais rochosa do parque, onde os leões marinhos e lontras fazem a festa. Ali, a trilha fica mais árida: não há árvores grandes para um refresco de sombra, apenas arbustos, quando muito. A maior parte do terreno é de rochas amareladas, formadas por sedimentos marinhos, e formam esculturas naturais interessantes.

As esculturas rochosas naturais na trilha do Sea Lion Point. Não parece um animal quadrúpede a pedra maior? Abaixo, outra visão do mar na área do Sea Lion Point.

(Parênteses: No caminho por essa trilha, vimos um senhor com uma camiseta do Bob Ross, um artista figuraça que fazia programas na TV americana na década de 80 ensinando a pintar paisagens naturais cheias de “happy little trees”. Bob Ross morreu há mais de uma década, mas sua “escola de pintura” ainda permanece viva para muitos americanos. Não sei porque esse detalhe da visita a Point Lobos ficou tão marcado em mim, mas ao ver a camiseta do senhor, não me contive e dei um sorriso nostálgico. Fim do parênteses.)

Apesar de ser uma descida na rocha, tudo é muito facilitado pelo parque – afinal, estamos nos EUA. Há uma escada que permite que você chegue até próximo à praia do Headland Cove, que também é lindíssima. Os leões marinhos estavam afastados, só ouvíamos seus gritos distantes. Depois da subida íngreme de volta à trilha principal, seguimos para o Sand Hill Cove, onde há uma vista deliciosa de pequenos rochedos apanhando das ondas do mar.


Piscinas de maré em Point Lobos abundam, como no Oregon. A diversidade de fauna de invertebrados também impressiona. Abaixo, um pouco do colorido das rochas que formam a praia de Sand Hill Cove.

No Sand Hill, várias piscinas de maré como as que vimos no Oregon – algumas até mais fotogênicas que as de lá. Não cansava de admirar a variedade de cores das rochas que ali formavam a praia, cada uma mais linda que a outra, bem arredondadinhas pelo polimento constante do mar. Após caminhar um pouco pelas piscinas e me divertir procurando os seres vivos exóticos que habitam nelas, foi chegada a hora de dizer tchau ao parque. Já eram quase 4 da tarde, e nós ainda queríamos passar pelos principais pontos do Big Sur antes do anoitecer. Mas essa história fica prum próximo post.

Tudo de bom sempre.

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– Outra cena que me emocionou muito foi quando vi, numa área mais plana da trilha para o Sea Lion Point, um casal de velhinhos na faixa de seus 90 anos. Ela, numa cadeira de rodas, nitidamente se recuperando de alguma enfermidade (um derrame, talvez?); ele, com uma dedicação e paciência tão enormes ao restabelecimento físico de seu amor, estimulava-a a dar alguns passinhos fora da cadeira, como reensinando-a a andar. E ele dizia com uma voz super-doce: “My darling, one step at a time, for your eternal love.” Amor lindo e emocionante esse, como todos deveriam ser.

– Publicado também no Goitacá.



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