Parques nacionais americanos: Everglades

por: Lucia Malla Animais, EUA, Parques Nacionais, Viagens

Em um dos meus episódios prediletos de “CSI Miami” – o primeiro, aliás, em que a equipe de Las Vegas vai a Miami para desvendar o assassinato do ex-chefe de polícia de Vegas – há uma cena que eu adoro: CSI Eric mergulha num lago nos Everglades para tentar achar uma pista do caso. Na borda do lago, Horatio Cane, o chefe do time de CSIs de Miami, aponta uma espingarda na direção de Eric, ao que Catherine Willows, CSI da jurisdição Las Vegas, não entende a precaução e pergunta o por quê daquilo. Horatio responde com uma palavra apenas: “Alligators”.

Essa cena passa uma imagem que eu imaginava exageradérrima da Flórida: um estado infestado de jacarés por todos os lados. Não é bem assim, é claro. Mas ao chegar nos Everglades em março passado, eu tomei um susto: uma população enorme de jacarés me esperava. Só faltava o Horatio ao meu lado de óculos escuros para a cena ser típica de um episódio do CSI.

O Parque Nacional dos Everglades cobre uma área imensa do sul da Flórida, cerca de 10,500 km quadrados de terra pantanosa. Um ecossistema de planície alagado que lembra bastante o do Pantanal brasileiro, com sua vegetação baixa – há inclusive uma iniciativa de estudos em conjunto, Brasil e EUA, para manejo de impacto e afins. Mas há também diferenças entre os dois ecossistemas, principalmente no que concerne à fonte de água de ambos: no Pantanal, um emaranhado de rios vindos dos planaltos mais elevados ao redor “transborda” na época da cheia para alagar a planície, enquanto no Everglades os rios da região de Orlando (no centro da Flórida) simplesmente se ramificam infinitamente e geram o fenômeno que os pesquisadores chamam de “percolagem“, ou seja, a água vai escorrendo vagarosamente – e alaga a planície. Não há cadeias montanhosas ao redor do Everglades como existe no Pantanal, facilitadoras da descida da água, e é essa ausência de elevação que gera a percolagem. A diferença na forma como a água chega a esses parques de certa forma reflete na fauna e nos nutrientes do solo: o Everglades é pobre em nutrientes, muito vulnerável, e sua fauna é muito menos biodiversa que a do Pantanal, o que percebemos claramente quando chegamos à Trilha Anhinga, próximo a Miami.

Há várias trilhas e estradas que você pode visitar dentro da área dos Everglades. A Trilha Anhinga, a primeira que visitamos, é relativamente curta, de facílimo acesso para todos (uma passarela de palafitas no meio da vegetação seca e baixa) e muita visitação durante o ano inteiro. Março é o período da seca, o melhor período para ver os animais dos Everglades, porque a seca força os bichos a se agregarem ao redor de qualquer pocinha d’água. Logo no começo da trilha, na frente de um laguinho (perto dos banheiros do parque!), 3 jacarés repousavam ao sol. Aquela visão já me deixou em êxtase – mal sabia eu do que vinha pela frente. À medida que fomos andando, mais e mais jacarés apareciam, em todos os recantos. Eram 10 da manhã, e eles estavam tomando seu sol diário – jacarés são exotérmicos, precisam de uma fonte de energia exterior para manterem a temperatura corpórea.


Os habitantes locais mais aparecidos: os jacarés. Ao sol, descansando. Abaixo, uma cena típica do Everglades: água, jacaré e uma garça-branca-grande.

Perdi as contas na trilha inteira (que tem menos de 1 km) de quantos jacarés avistei. De todo jeito: dormindo, descansando, nadando, andando. Interagindo com o ambiente. Eles realmente são os donos do pedaço por aqui. Mas não são os únicos.


Um cabeça-seca, pássaro típico de áreas alagadas e indicador da saúde do ecossistema – ele só faz seus ninhos se na estação seca não houver alterações ambientais. Abaixo, um biguatinga secando suas asas ao sol.

A garça com os cágados…

Havia na trilha de Anhinga vários fotógrafos de pássaros, ocupados em pegar o melhor ângulo das várias espécies que ali habitam. A trilha tem o nome de um pássaro aquático, o biguatinga (Anhinga anhinga), cuja fêmea tem o curioso comportamento de ficar de asas abertas um tempão, secando ao sol – ele não tem lubrificantes naturais à prova d’água como os patos, então ele literalmente molha suas penas quando entra na água. As asas abertas são ideais para fotos. Além do anhingá, vimos mais algumas garças, ibis, insetos (que umas crianças fofas se distraíam fotografando), dois cágados e… mais jacarés. Apesar da trilha ser pequena, passamos mais de 2 horas andando ali, porque as atrações animais eram muito diversas.


Uma fotógrada de pássaros à espreita de um ibis na beira do laguinho. Repare como a trilha Anhinga é asfaltada, ou seja, super-fácil de andar. Abaixo, uma das áreas onde o Everglades encontra o mar: em Flamingo, na pontinha da Flórida.

Da trilha de Anhinga fomos para outra parte do parque, o Flamingo, área à beira-mar ao sul da Flórida, na esquina do Oceano Atlântico com o Golfo do México. Flamingo foi bastante destruído durante a temporada de furacões em 2005, e mesmo em março passado, algumas partes estavam ainda fechadas ou funcionando em esquema provisório. Mas ficamos basicamente em torno do píer, onde uma das guias do parque nos garantiu que veríamos crocodilos. O Everglades é o único lugar do mundo onde jacarés e crocodilos coexistem juntos. Ali no píer, a água era salobra, mais propícia aos crocodilos. Jacarés gostam apenas de água doce.

Apesar de termos visto um crocodilo, ele estava num local inacessível – então nos contentamos em ficar espiando uns filhotes de águia-pescadora num ninho estrategicamente feito pela mãe águia em cima de umas ferragens do píer. Embora fossem filhotes, eram grandes, mas não voavam direito ainda – mas já estavam treinando…


Filhotes de águia-pescadora no ninho. A cara desafiadora de águia desde pequeno… muito lindos. Abaixo, insetos em uma graminha.

Depois de passar um tempo admirando aquele pedaço de Everglades onde o alagado encontra com o mar, era hora de partir. Vimos só um pouco do Everglades, mas o suficiente para já admirarmos seu ecossistema e entendermos a importância de protegê-lo. Ironicamente, ficou para mim a imagem do Everglades dos jacarés (ainda bem que estão por lá!), que eu achava tão exagerado no CSI. A vida imita a arte que se inspira na vida. Obtuso como Horatio, não? 😉

Tudo de bom sempre.


Acharam o crocodilo?

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– Para viajar mais nos Glades…

1) Todos nos falaram maravilhas da trilha do Shark Valley, que fica mais ao norte dos Everglades e de onde aqueles botes típicos saem. Infelizmente nossa prioridade na Flórida eram outras praias (mais posts pela frente…), então nós só tivemos a oportunidade de ver o “Everglades at a glance”. Mas ficou a vontade enorme de voltar lá… Vale muito a pena, é lindo.

2) A pantera-da-Flórida é o único felino que vive nos Everglades e está ameaçadíssima de extinção: estima-se que existam 70 indivíduos na natureza. Em determinado momento da década de 90, ela foi inclusive considerada como extinta, mas esforços intensos de proteção, com reprodução em cativeiro e tudo mais, conseguiram fazer ressurgir um pedacinho da população original existente antes da chegada dos europeus ao continente americano. Até quando a população resistirá? Só os construtores de condomínios podem responder. 😉

3) Post também publicado no Goitacá.



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